Manifesto de opositores é apontado por Maduro como plano de golpe
Documento, que se tornou viral e reúne milhares de assinaturas, é o que o Governo da Venezuela considera ser a prova de um plano de golpe de Estado da oposição
O Acordo Nacional para a Transição se transformou, ao mesmo tempo, em símbolo de resistência de um setor da oposição venezuelana e em prova principal e incriminatória de supostos planos de golpes contra o Governo do presidente Nicolás Maduro e o chavismo. O documento foi publicado no dia 11 de fevereiro de 2015 pelo jornal El Nacional e contava com a assinatura de três políticos de oposição: a deputada cassada Maria Corina Machado, o dirigente Leopoldo López e o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. Nele, os três líderes da vertente conhecida como La Salida – que desde o ano passado exige a renúncia de Maduro – convocavam os venezuelanos a superar a crise atual e a se preparar para uma alternativa distinta.
Maria Corina Machado convocou para o próximo sábado um ato da oposição em Caracas e outras cidades do país
A Venezuela, que no ano passado viveu uma onda de protestos que terminou em 43 mortes e milhares de presos, atravessa uma grave crise institucional e econômica, cujo último capítulo foi a morte de um estudante de 14 anos, assassinado por um policial durante uma manifestação. No documento (leia abaixo), os opositores indicam ações necessárias para restaurar o balanço institucional, as liberdades e o Estado de Direito, assim como combater as emergências sociais e apoiar os setores mais vulneráveis, além uma série de medidas para estabilizar a economia.
Para o Governo, o acordo é a prova que confirma que os três opositores queriam dar um golpe de Estado em Maduro e implementar um plano de Governo distinto, que, nas palavras do vice-presidente Jorge Arreaza, passaria a incluir o “neoliberalismo, eliminaria Missões, iria ao FMI e privatizaria tudo”.
Diante das acusações e em sinal de solidariedade, outros partidos de oposição, como o social-cristão Copei, anunciaram que também incluíam suas assinaturas no documento. A eles, começaram a se somar políticos da velha-guarda como Luis Miquilena, que foi um dos mentores de Hugo Chávez, e outras personalidades da oposição, como o historiador Germán Carrera Damas, e o ex-embaixador e diplomata Milos Alcalay.
A deputada Maria Corina Machado convocou para o próximo sábado um ato de assinaturas em Caracas e outras cidades do país para que os venezuelanos demonstrem seu apoio. “Este já não é um documento, é um movimento, e no sábado irá às ruas”, disse Machado. Ela também acrescentou que o Governo tem “pânico” à palavra “transição” e que esse documento é um sinal de que a sociedade venezuelana não tem medo, apesar do que ocorreu nos últimos dias.
A coleta de assinaturas também foi impulsionada nas redes sociais, e jovens que participam dos movimentos políticos representados por Machado, Ledezma e López — Vente Venezuela, Voluntad Popular e Alianza Bravo Pueblo — iniciaram a arrecadação. Segundo dirigentes juvenis, eles já conseguiram mais de 30.000 assinaturas. O partido Primero Justicia, do qual faz parte o ex-candidato presidencial da oposição Henrique Capriles, que teve amplas diferenças com o setor da La Salida, anunciou que não vai assinar o acordo.
Trecho do documento
O povo da Venezuela vive uma das circunstâncias mais difíceis de sua história, à qual foi levado por um regime que, nos últimos dezesseis anos, aplicou um modelo fracassado e exerceu de maneira impune a antidemocracia; um regime ineficiente e corrupto que roubou, presenteou e desperdiçou recursos públicos numerosos, com os quais se poderia haver impulsionado o bem-estar e o progresso de todos, em lugar de gerar a ruína que hoje sofremos. Enfim, o desastre que vivemos corresponde ao projeto de uma elite sem escrúpulos de não mais de cem pessoas que tomou por assalto o Estado para torná-lo totalitário, que se apoiou em grupos violentos e em um militarismo de cúpula corruptas para controlar a sociedade através da repressão, que degradou as instituições e que violentou todos os âmbitos da sociedade até devastar a economia e danificar gravemente as bases da paz”. (...) É obrigação de todo democrata ajudar a resolver a atual crise, defender a liberdade, evitar que a já iniludível derrubada do regime transborde os leitos da paz e da constitucionalidade, e fazer com que a transição, ou seja, a passagem do sistema superado para um novo, cheio de esperança, se produza pelas mãos da maioria dos venezuelanos e nos leve, sem retrocessos, a recuperar o espírito e a ordem democrática. (...) Assumindo esse compromisso, fazemos um chamado, sem reparos políticos e transcendendo as diferenças, para que iniciemos, com a urgência do caso, um Acordo Nacional para a Transição no qual a Unidade de todos os cidadãos da Venezuela esteja representada através das visões dos trabalhadores, dos jovens, dos empresários, dos acadêmicos, dos políticos, dos membros das igrejas e das forças Armadas, enfim, de todos os setores nacionais. (...) Para isso, propomos um programa baseado em três agendas de ações concretas:
» Uma agenda política-institucional dirigida à restituição das liberdades violadas, da soberania, da paz social e do Estado de Direito: restabelecer a vigência plena das instituições democráticas e os direitos humanos, libertar os presos políticos, facilitar o imediato retorno dos exilados. (...) Repor o exercício efetivo da liberdade de expressão. (...) Assegurar a lealdade e o apego das forças Armadas Nacionais à Constituição e sua desvinculação de todas as ingerências estrangeiras e atividades político-partidárias.
» Uma agenda para atender à emergência social e assegurar o atendimento eficaz aos setores mais vulneráveis: restabelecer a curtíssimo prazo o abastecimento normal de alimentos e outros bens de consumo essenciais para as famílias. (...) Corrigir as falhas dos serviços públicos fundamentais em todo o país. (...) Enfrentar como prioridade de Estado a emergência de segurança cidadã.
»Uma agenda econômica focalizada em estabilizar a economia, recuperar a renda familiar e gerar confiança no país: recuperar a capacidade operacional e elevar significativamente a produção da indústria petrolífera, revisar os marcos legais e os acordos que lesam a mesma, e designar uma nova direção para a PDVSA, honesta e com capacidades. (...) Assumir uma política cambial que promova a produção nacional e corrigir os desequilíbrios macroeconômicos gerados por anos de excessos e corruptelas.
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