“Dilma não presta atenção na floresta, ela vê cada árvore individualmente”
Professor da UnB diz que presidenta precisa delegar mais e dialogar mais com a sociedade
Cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília, David Fleischer diz estar pessimista com os próximos anos do governo Dilma Rousseff. “Ela tem uma missão impossível”, diz, se referindo ao controle da economia e a relação com o Congresso Nacional.
Em entrevista ao EL PAÍS, Fleischer, norte-americano naturalizado brasileiro, afirma que Dilma teve posturas diferentes do Governo de seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva. “Ela não presta atenção na floresta, ela vê cada árvore individualmente”.
Pergunta. Como será o comportamento do governo Dilma junto ao Congresso Nacional?
Resposta. Há dúvidas sobre a governabilidade. Há quem ache que será mais fácil dialogar, depois do que a Dilma falou em seu primeiro pronunciamento. Outras pessoas acham que será mais difícil. Eu acho que será bem mais difícil. Porque a oposição está com mais garra. E ela vai ter uma oposição maior na Câmara e no Senado do que tinha atualmente. O problema maior é que ela não é muito dada à negociação. É uma característica dela.
P. Como a composição do ministério influencia nessa questão?
R. Todo mundo quer adivinhar quem ela vai nomear para os ministérios, principalmente da Fazenda. Mas só a escolha do ministério não vai conseguir reverter a situação do país já em 2015. Se ela não souber dialogar com o setor privado e financeiro, será muito difícil para o Brasil.
P. Qual seria a saída dela para se aproximar desse setor?
R. Acho que se ela nomeasse um ministro da Fazenda com bastante habilidade nesse sentido. Chamar alguém do próprio setor privado, por exemplo, seria uma tentativa de aproximação. Temos um nível de investimento muito baixo, de 14% a 15% do PIB. Para crescer de 2% a 3% por ano, você precisa pelo menos de 22% de investimento do PIB. O Estado não tem grana para isso, depende do setor privado, que só vai investir se o Estado der confiança a ele. E isso vale tanto para o setor privado doméstico como para o internacional. Para mim é uma missão impossível. Sou bastante pessimista.
P. Em uma eleição apertada, como fica a oposição?
R. O PSDB continua um partido forte, mas um grande problema que a Dilma vai ter que enfrentar é o PMDB. O PMDB não quer mais do mesmo, o PMDB quer mais e mais e mais. O partido está muito descontente e vai exigir muito dela. Quase metade do PMDB votou por romper aliança com o PT. Esta é outra parte do processo político.
P. O ex-presidente Lula da Silva foi muito importante na reeleição. O senhor acha que ele se aproxima mais da Dilma ou ele será apenas um observador?
R. Acho que ele não está aposentado, ainda. Nos últimos dois anos ele deu muitas sugestões para ela de como melhorar a situação. Ele estava preocupado com os rumos do governo dela. Com certeza vai continuar dando sugestões e palpites. Só não se sabe se ela vai dar ouvidos para ele ou não. O Lula viu que a Dilma não reduziu as despesas e não conseguiu aumentar a arrecadação, nem foi transparente. A Receita Federal estava pronta para soltar no início da semana passada o resultado sobre a arrecadação de impostos em setembro que, aparentemente, ficou muito aquém do desejado. Ela censurou a reunião do Conselho Monetário Nacional, que era para ser essa semana. Impediu relatórios de pesquisas que estavam para ser divulgados pelo IPEA. Esse tipo de coisa no Governo Lula não acontecia. Isso tudo faz parte da contabilidade criativa criada pelo Arno Augustin (secretário do Tesouro Nacional). Tem quem diga que ele será o novo ministro da Fazenda. Se for isso, sai de perto que esse governo vai vir ladeira abaixo.
P. Por que o senhor está pessimista, assim, na área econômica?
R. O ministro da Fazenda [Guido Mantega] foi demitido quatro meses antes do fim do Governo. Se ele tivesse o mínimo de auto-respeito, ele teria deixado o cargo no mesmo dia em que a presidente anunciou sua saída. Mas ele aguentou e vai aguentar ainda mais dois meses. É o maior aviso prévio. Pela lei trabalhista é de 30 dias, o dele é de 120 dias. Quer maior desestímulo que esse?
P. O senhor citou que o Lula vai continuar dando palpites para a presidenta. O senhor, no lugar dela, o ouviria?
R. Sim, claro. O Lula tem muita experiência e sempre foi um grande negociador, conversava com todo mundo. Como líder sindical essa era a vida dele. Como ela, não teve essa experiência prévia, ela é avessa à negociação. O Lula sabia negociar tanto no Brasil como lá fora. Ele delegava a gerência para seus ministros, não era como ela, a grande gerente que quer monitorar e controlar tudo. Ela não presta atenção na floresta, ela vê cada árvore individualmente. Esse foi o mesmo problema do Jimmy Carter [presidente dos EUA entre 1977 e 1981]. Isso não funciona no presidencialismo, é preciso delegar.
P. Ainda falta muito para o pleito de 2018. Mas o senhor consegue fazer um prognóstico para a próxima eleição?
R. Alguns apostam na volta do Lula, mas você tem de ver a idade dele daqui a quatro anos [hoje ele tem 69 anos] e tem a saúde dele também [enfrentou um câncer recentemente]. Além disso, ele pode botar em risco todo o legado que deixou e seu carisma. Não sei se ele gostaria de fazer isso. Agora não se sabe quem o PT vai arrumar se não for o Lula. E a oposição iria, primeiramente, com Aécio, mas vai depender muito do que ele fizer nos próximos quatro anos como senador. Na primeira parte de seu mandato no Senado, Aécio não fez quase nada. Foi sofrível, nenhum grande projeto, nenhum discurso de destaque. Mas agora que ele será o líder virtual da oposição, terá de se mexer. Ainda mais porque ele tem a sombra do [José] Serra, no Senado. Mas o Serra tem o mesmo problema da Dilma.
P. Que é qual?
R. É muito difícil ver o Serra sorrir, assim como é a Dilma. No pronunciamento dela, da vitória, ela quase não sorriu. O Michel Temer sorria por ela, mas ele cansou. A esposa do Temer [Marcela], a certa altura, já parecia muito entediada. Apesar de não sorrir, Dilma já demonstrou um gesto interessante no discurso dela, reuniu os presidentes dos partidos aliados. É um aceno para o diálogo.
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