Próximo presidente assume Brasil ‘rachado’ pelas urnas
Quem quer que seja eleito terá o difícil desafio de reconciliar o país
Qualquer que seja o resultado das urnas neste domingo, metade do país sairá insatisfeita. Desde 1989 o Brasil não via uma disputa tão acirrada pela presidência da República e, dificilmente, o vencedor destas eleições ganhará de ‘lavada’. Na véspera da votação, o Instituto Datafolha apresentava um empate técnico entre a presidenta Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves, que segundo o instituto chegam ao segundo turno com, respectivamente, 52% e 48% dos votos válidos.
Para o Partido dos Trabalhadores (PT), da candidata à reeleição, a oposição – amparada por parte da mídia tradicional – é a culpada por esse ‘racha’, devido à agressividade imputada na campanha. Já para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), do presidenciável da oposição, foram os petistas quem dividiram o país, ao apostarem em uma campanha inspirada na luta de classes, no discurso do “nós contra eles”. Nas redes sociais, o clima de 'fla-flu' eleitoral virou até piada, com eleitores combinando de se unirem para passar o Natal e o Réveillon após brigas de família por conta da política. É provável que as relações familiares e as amizades sobrevivam a 2014, mas afinal, como governar pelos próximos quatro anos em um cenário tão belicoso?
A oposição, com certeza, se fortaleceu nessa divisão Maria do Socorro, cientista política
Não se via uma eleição tão aberta desde 1989, quando o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disputou o Governo com o hoje senador alagoano Fernando Collor (à época, do nanico PRN). Na semana que antecedeu o segundo turno, Collor tinha 46% das intenções dos votos válidos contra 45% atribuídos a Lula, segundo o Datafolha. Nas urnas, o resultado não foi muito diferente: Collor foi eleito com 53% dos votos, enquanto o metalúrgico deixou as urnas derrotado, embora tenha sido escolhido por 46%.
De lá pra cá, a conjuntura política mudou muito. Uma semelhança, porém, entre 1989 e 2014 é a insatisfação do eleitorado em relação à política como um todo. É comum ouvir eleitores relatando que estão optando por um ou outro candidato por “falta de opção” ou “para não deixar o outro ganhar”. Nesse clima de final de Brasileirão, para muitos, a expressão “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come” nunca se encaixou tão bem em uma eleição como na deste ano. Não à toa, em 2010 e 2014, a candidata de terceira via, Marina Silva (atualmente no Partido Socialista Brasileiro), obteve cerca de 20% dos votos nos primeiros turnos.
É mais fácil o PSDB conseguir atrair essas alianças que o próprio PT manter esse apoio nos próximos quatro anos Alberto Goldman, vice-presidente do PSDB
“O setor que hoje grita por mudanças é a classe média tradicional, que viu seu poder diminuir ao longo dos anos e são muito críticos às políticas sociais de distribuição de renda do país. Na visão deles, eles são os mais desprivilegiados por esse tipo de política, porque pagam muitos impostos, sustentam grande parte desses programas, mas não se utilizam desses serviços e ainda pagam por saúde e educação. Se soma à isso as denúncias de corrupção, os gastos com a Copa do Mundo, as manifestações de 2013 e a desaceleração da economia... Seja o vitorioso o PT ou o PSDB, eles vão ter que se debruçar para pensar em novas formas de fazer com que esse eleitor se sinta mais representado”, avalia a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).
Para ela, as próprias campanhas estimularam essa polarização. “Foi uma campanha marcada pela agressividade, embora pesquisa do Datafolha tenha apontado que a maioria do eleitorado (71%) reprovou essa postura. A consequência? Quem quer que pilote o Brasil até 2018 encontrará um caminho duro pela frente, principalmente no Congresso. Amparado pela insatisfação de quase metade do eleitorado, a oposição – que será conhecida também com o resultado das urnas –, chega mais forte. "A oposição, com certeza, se fortaleceu nessa divisão”, conclui.
A classe média alta e os ricos vão ter que se conformar que é preciso governar para os mais pobres sim
Emídio de Souza, presidente do PT-SP
“Essa divisão do país é fruto da campanha de ódio, preconceito e mentiras que a oposição fez, apoiada por parte da mídia, que tentou levar à uma separação entre ricos e pobres, nordestinos e paulistas. Mas (se a presidenta Dilma for reeleita) a classe média alta e os ricos vão ter que se conformar que é preciso governar para os mais pobres sim”, afirmou o presidente do PT paulista, Emídio de Souza, um dos coordenadores da campanha à reeleição.
É provável que as relações familiares e as amizades sobrevivam a 2014, mas afinal, como governar pelos próximos quatro anos em um cenário tão belicoso?
“O ‘racha’ no Brasil ocorre porque você tem uma parcela da população, no qual o PT se apoia, que é extremamente dependente do Estado. Eu acredito que, se a Dilma se reeleger, ela terá um governo bem mais difícil, porque a parcela do país que não depende do Estado está muito insatisfeita”, disse o ex-governador paulista Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, que também coordena a campanha de Aécio.
Diálogo conciliatório com o Congresso
Apesar de petistas e tucanos reconhecerem que o país sai dividido das urnas, ambos acreditam ter em mãos os ingredientes necessários para trazer a conciliação ao país. Para Goldman, o PSDB tem mais chances de compor maioria no Congresso Nacional – embora hoje a maioria esteja com Dilma –, devido à “fragilidade ideológica” das alianças firmadas pelo partido adversário – em uma referência velada ao PMDB, partido do vice-presidente e candidato à reeleição Michel Temer, que conta com um forte segmento pró-tucano no Sudeste.
“No Congresso, o PSDB teria mais facilidade. Porque as alianças do PT são frágeis do ponto de vista ideológicos. Não existe uma aliança por ideologia hoje É mais fácil o PSDB conseguir atrair essas alianças que o próprio PT manter esse apoio nos próximos quatro anos”, afirma Goldman.
Já para o líder do PT em São Paulo, a divisão nacional é um processo “absolutamente comum” das democracias fortalecidas. Entretanto, 2014 demonstra a urgência de levar ao Congresso – que saiu das urnas bem mais conservador –, a proposta de uma reforma política."
De 1989 a 2014
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