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A corrupção, atração turística no norte do México

O passeio foi concebido pela ONG Vía Ciudadana para mostrar os feitos dos corruptos no segundo estado mais importante do país

Luis Pablo Beauregard
O ônibus do Corruptour antes de sua primeira viagem.
O ônibus do Corruptour antes de sua primeira viagem.David Brossig

Sob um sol escaldante, um ônibus velho roda a 60 quilômetros por hora pelas ruas de Monterrey, no estado de Nuevo León (norte do México). Em uma vida passada, esse veículo foi um ônibus escolar nos Estados Unidos. Agora, sobre o amarelo da lataria brilha um azul resplandecente com imagens dos principais políticos locais e desenhos de porcos e ratos abraçando sacos de dinheiro. O Corruptour é um ônibus de turismo que mostra as supostas malfeitorias cometidas no segundo estado mais importante do país. O passeio foi concebido pela Vía Ciudadana, uma ONG que reivindica os direitos dos candidatos independentes nas eleições de 2015.

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“É como um safári”, diz um transeunte em frente ao veículo. “Você sobe e vai vendo os animaizinhos lá de cima”.

O Palácio do Governo é a primeira de dez paradas da excursão. No ônibus, os alto-falantes reproduzem a gravação de um diálogo entre os anfitriões do passeio: um político picaresco e um trabalhador indignado com os governantes. Este alerta para o endividamento “estratosférico” que o governador Rodrigo Medina, do PRI, causou ao estado. “Cada família deve mais 30.000 pesos (5.000 reais) desde o início do Governo em 2009. No tempo desta excursão, o governador terá gasto dois milhões de pesos (300.000 reais) em sua imagem”, diz ele.

A política é importante demais para ser deixada nas mãos dos políticos" Miguel Treviño, da ONG Vía Ciudadana

O roteiro, escrito por um arquiteto apaixonado por história, é baseado em uma série de irregularidades nos gastos públicos detectadas pela auditoria de Nuevo León, que totalizam 14 milhões de pesos. “Ninguém foi chamado a prestar contas sobre esse dinheiro”, ouve-se dos alto-falantes.

Edmundo Jiménez, de 68 anos, tem o estilo direto dos “regios”, os naturais de Monterrey. Seu bigode farto mexe com o ar que entra pela janela. Foi uma das primeiras pessoas a embarcar no Corruptour. Ficou viúvo há três anos, quando sua esposa morreu no incêndio do Casino Royale, provocado por criminosos, no que foi um dos piores atentados do narcotráfico contra a população civil. Além de sua esposa, Rosa María Ramírez, mais 51 pessoas morreram naquele 25 de agosto de 2011. “Se não acordarmos da apatia vamos ficar sem país”, diz Edmundo.

O memorial em frente ao Casino Royale, a nona parada do Corruptour.
O memorial em frente ao Casino Royale, a nona parada do Corruptour.L.P. B.

As ruínas do Casino Royale são a penúltima parada do passeio. Edmundo está indignado com a recente inauguração de um memorial às vítimas criado pelas autoridades: um bloco de dois metros de altura por 1,20 de largura, com 52 tubos de plástico na base que passa despercebido na divisão entre duas pistas. “Veja o letreiro daquele deputado”, diz ele, apontando para a gigantesca propaganda de um legislador do PAN, o partido de direita que governa Monterrey. “É maior do que o memorial. Essa gente não tem vergonha!”, acrescenta.

Um dos irmãos de Fernando Larrazábal, ex-prefeito de Monterrey, do PAN, foi gravado recebendo um maço de dinheiro em um cassino antes da tragédia. A imprensa falou de esquemas de corrupção na emissão de licenças para os centros de jogo, que floresceram sob a proteção dos governos da direita. Larrazábal hoje é deputado federal e um dos homens fortes do PAN na região. Seu rosto decora uma das laterais do Corruptour.

Na Câmara Municipal, outra parada do tour, dezenas de aposentados dançam de forma cadenciada. “Aqui, os políticos roubam em plena luz do dia”, diz a gravação. Um dos passageiros no ônibus arremata: “enquanto os velhinhos bailam, o governo dá um baile neles”.

“A política é importante demais para ser deixada nas mãos dos políticos”, diz Miguel Trevino, integrante da Vía Ciudadana e um dos organizadores do passeio. A ONG quer aproveitar o descrédito dos políticos para disputar as eleições em 2015, que permitirão, pela primeira vez, a participação de candidatos independentes a prefeituras e câmaras legislativas locais e federais. “Queremos que o tema central do próximo ano seja a corrupção”, diz ele.

As eleições de 2015 permitirão, pela primeira vez, a participação de candidatos independentes a prefeituras e câmaras legislativas

De acordo com dados do Instituto de Estatística e Geografia (INEGI), 84,4% dos mexicanos acreditam que os políticos são corruptos. Organizações como a Transparência Internacional colocam o país norte-americano em 106º lugar (de 177) no Índice de Percepção da Corrupção, posição que ocupa desde 2012 devido à ausência de políticas de combate à desonestidade.

O Corruptour desperta curiosidade. Enquanto avança pelas ruas, as pessoas riem sem entender se o veículo onde se veem ratos e porcos entre escudos do PRI e do PAN é uma piada. Os organizadores dizem que as excursões – grátis e nos fins de semana – já estão lotadas para os próximos dois meses.

“Quando sai o próximo?”, pergunta uma distraída septuagenária. Ao lado dela, uma senhora alguns anos mais jovem diz que acabaram de chegar da Cidade do México. Querem entrar no veículo para conhecer Monterrey. A bordo do Corruptour vão ouvir uma história que muitos não querem contar.

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