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Quando o medo se chama água

Uma seca gigantesca açoita a Califórnia. Os cientistas temem que se transforme em uma epidemia crônica de graves consequências

Um fluxo de água atravessa o fundo seco de um reservatório em San Jose, na Califórnia.
Um fluxo de água atravessa o fundo seco de um reservatório em San Jose, na Califórnia.JUSTIN SULLIVAN (AFP)

Como viver sem água é a pergunta que ronda a cabeça dos moradores da pequena comunidade de Lompico, nas montanhas do condado de Santa Cruz, na Califórnia. Com casas espalhadas por extensos bosques de sequoias onde habitam também suçuaranas, linces-pardos e esquilos, à primeira vista a existência de seus pouco mais de 1.000 habitantes parece idílica, ao menos até agora, quando a falta de água se tornou um pesadelo com o qual eles precisam conviver diariamente.

Eles sabem que seu destino está escrito na próxima curva do tempo, a uma distância de 60 a 120 dias, o quanto as reservas hídricas podem resistir sem se esgotarem por completo, caso continue sem chover. E os prognósticos não apontam nesse sentido. Os cientistas já começam a falar de uma megasseca. Chama-se assim uma seca que dura mais de duas décadas e que, se as coisas não mudarem, poderia se tornar uma epidemia crônica para Califórnia, com graves consequências em todos os âmbitos.

A megasseca já começou a deixar seu rastro nas zonas rurais, menos preparadas que as cidades para resistir à escassez de água. Dezessete comunidades rurais espalhadas pelos condados de Kern, Madera, Mariposa, Mendocino, Fresno, Sonoma e Santa Cruz, entre outros, estão a ponto de ficar sem uma gota de água, e Lompico está entre elas.

Assim que se entra na estreita estrada do bosque de sequoias em direção a Lompico já se veem os cartazes com os dizeres Water emergency (“emergência hídrica”), detalhando as medidas que o Distrito Hídrico de Lompico tomou para fazer frente à situação. Entre elas, além da redução do consumo para 30% do habitual, estão a proibição de regar jardins e hortas (só entre 8 e 9 da noite) e lavar veículos e a imposição de limites para o uso de lavadoras de louça, lavadoras de roupa e inclusive chuveiros. E se avisa os moradores que, caso essas medidas não sejam cumpridas, eles poderão ter o abastecimento de água cortado.

Em busca da presença de algum humano, além das majestosas sequoias que, acostumadas à umidade, também estão sofrendo com a seca, um rapaz acaba de parar sua moto junto à ponte de um rio quase seco. Chama-se Jacob Waring, tem 18 anos e vive em Lompico desde os 10, com sua mãe. “As pessoas estão muito incomodadas, porque estamos pagando faturas de 200 dólares a cada dois meses pela água, e ainda por cima eu e minha mãe, por exemplo, reduzimos a ducha de 20 minutos ou meia hora a cinco minutos. Mas o pior, conforme dizem, é que ficaremos sem água se não chover logo.”

Jacob acaba de apontar um aspecto crítico em Lompico: o preço da água. Em uma comunidade de classe média, ter de pagar a cada dois meses um mínimo de 108 dólares, inclusive sem gastar nenhuma gota, e até 600, parece excessivo. Quem sabe bem disso é Lois Henry, presidenta do Distrito Hídrico: “É a pior situação que vivi nos 43 anos em que moro aqui”, diz muito séria. “Neste momento, o lago que abastece Lompico está em níveis mínimos, e só temos dois poços funcionando. Caso um deles se esgotasse ou tivéssemos um incêndio, acabou-se a água, inclusive antes dos 60 dias previstos”, observa, muito preocupada.

A presidenta fala de duas soluções possíveis: “Trazer água em caminhões, algo extremamente caro, ou, um pouco mais plausível, transpor água do distrito vizinho de San Lorenzo, desde que tenhamos um forte respaldo econômico, já que, do contrário, as 500 moradias de Lompico teriam que arcar com os 3 milhões de dólares que custa trazer a água”.

Muitos vizinhos já tiveram a ideia de vender suas casas, “mas quem vai comprá-las agora, com a notícia que está correndo de boca em boca em todo o Estado?”, pergunta-se Cheryl Trapp, uma mãe que cria dois filhos sozinha. “Como é possível que tenhamos que arcar com a transposição de água desde San Lorenzo, quando aqui já pagamos tanto para fixar o nosso próprio sistema hídrico, e ele não funciona. Chega um momento em que é impossível arcar com a fatura da água, e os bancos estão embargando muitas casas porque não podemos fazer frente às hipotecas e à conta de água. E ainda por cima, é o cúmulo, temos que consumir apenas o mínimo. Sei de uma família que, para economizar, toma banho toda junta.” Cheryl está muito contrariada pelo que está acontecendo, mas arremata seu argumento com um pingo de otimismo: “Eu estou determinada a solucionar isso, ao fim e ao cabo é disso que se trata a América: se você tem problemas, busque a maneira de solucioná-los”.

“É como se todos tivéssemos a respiração suspensa, até as sequoias”, diz Lois Henry, consciente de que uma grande nuvem negra, que não prenuncia água, paira sobre Lompico.

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