O Congresso obstrui o plano de Obama para que a CIA deixe de operar ‘drones’
Os parlamentares eliminam as verbas para transferir ao Pentágono os ataques com aviões não tripulados, como consta em um anexo sigiloso da Lei de Orçamento
![Eva Saiz](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/https%3A%2F%2Fs3.amazonaws.com%2Farc-authors%2Fprisa%2F4aad0c57-f8f4-4101-b14a-47afc76a6a88.jpg?auth=23c4ef3d56d09b4dd709c693771fb39bd8df8b29310c10999e1914cc57adb115&width=100&height=100&smart=true)
![Um militar norte-americano posa com um modelo de ‘drone’ usado no Afeganistão. / NIGEL RODDIS (GETTY IMAGES)](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/IE2ODYNFXWAMJP2IHFHTKGHLJ4.jpg?auth=0d47f88303fcec60cfefa2ad9c29f34a9725d36a80ebcdc4bfb80652b1dd436a&width=414)
Se o Senado aprovar nesta sexta-feira o mesmo texto sobre o orçamento dos Estados Unidos que recebeu o aval da Câmara na quarta-feira, o plano da Casa Branca de transferir para o Pentágono o controle absoluto das operações letais com drones atualmente conduzidas pela CIA no exterior poderá ficar seriamente comprometido. A lei incorpora um anexo sigiloso, ao qual o The Washington Post teve acesso, por meio do qual fica restringido o uso de verbas para ceder ao Departamento de Defesa toda a competência sobre os ataques com aviões não tripulados. Essa manobra do Congresso dificulta sobremaneira a transição para um controle militar do uso antiterrorista dos drones a fim de garantir uma maior transparência desse tipo de programa, que o presidente Barack Obama anunciou em maio passado.
A lei incorpora um anexo sigiloso que restringe o uso de verbas para ceder ao Departamento de Defesa toda a competência sobre os ataques com aviões não tripulados
A inclusão da cláusula em uma lei acertada por ambas as Casas e por ambos os partidos pressupõe um novo contratempo na execução do programa político de Obama, que já se viu submetido a todo tipo de tropeços e entraves por parte da Câmara por causa do empenho da oposição republicana em frustrar praticamente todas as reformas que o presidente quer levar a cabo. Nesse caso concreto, a medida dificulta seriamente os esforços da Casa Branca por dotar de certa transparência e modificar a estratégia antiterrorista no exterior e as intenções do novo diretor da CIA, John Brennan, de desmilitarizar a agência e voltá-la novamente para operações de inteligência e espionagem.
A cláusula pôde contentar aos políticos céticos em relação à capacidade do Departamento de Defesa de dirigir as operações com drones com a mesma precisão e baixa margem de erro que a CIA. Mas ela causou mal-estar entre os grupos de direitos civis, a ala mais liberal do Partido Republicano e senadores veteranos, como John McCain, que consideram a disposição uma intromissão na política de missões secretas e na estratégia antiterrorista tanto da agência quanto do Pentágono. “Trata-se de uma violação de todos os procedimentos e processos que se supõe que o Congresso deveria preservar”, ressaltou o republicano.
Em maio de 2013, e em plena polêmica sobre a pertinência e a eficácia das operações secretas com drones dirigidas pela CIA, o presidente norte-americano anunciou em um discurso sobre a política antiterrorista de sua Administração na universidade de Defesa Nacional a intenção de transferir o controle dessas operações ao Pentágono, a fim de dotar de mais transparência o programa de aviões não tripulados americanos. Em fevereiro de 2013, durante as audiências no Senado para a confirmação de seu posto, o próprio diretor da agência se mostrou de acordo com essa possibilidade. “A CIA não deveria estar realizando operações e atividades militares”, sustentou Brennan.
Dois programas para uma mesma missão
A ideia da transferência e a necessidade de esclarecer os parâmetros de atuação dos programas de drones e de buscar que se ajustem aos princípios estabelecidos pela legislação internacional suscitaram um amplo consenso no Capitólio, mas as diferenças quanto à atuação e supervisão na hora de operar as incursões com esse tipo de avião por parte do Comando de Operações Conjuntas do Exército e da CIA, os dois únicos competentes para realizar esse tipo de ataque no exterior, estão emperrando a execução do plano anunciado por Obama.
A medida dificulta seriamente os esforços da Casa Branca para conferir certa transparência e modificar a estratégia antiterrorista no exterior, prejudicando também as intenções do novo diretor da CIA, John Brennan, de desmilitarizar a agência
Ainda que a priori possa parecer que os objetivos e a finalidade dos ataques com drones conduzidos pelo Pentágono e pela CIA sejam similares, as diferenças em seu modus operandi são determinantes. Os voos da agência estão classificados como ações protegidas pelo Artigo 50 e, como tais, o Governo não está legalmente obrigado a oferecer nenhuma informação sobre o andamento das operações ou seus objetivos específicos. No entanto, os executados sob a coordenação do Comando de Operações Conjuntas são considerados operações das Forças armadas, e seu conhecimento é público. Essa dicotomia é muito útil do ponto de vista diplomático e operacional, já que o sigilo em relação aos voos da CIA permite que os EUA operem quase em qualquer lugar, ainda que o Exército unicamente possa realizar ações hostis dentro das zonas de guerra reconhecidas.
Do ponto de vista das relações externas, o sigilo que envolve os programas da CIA é muito mais atrativo e traz muito menos problemas que o fato de aceitar abertamente que o Exército dos EUA atue em seu território. Quando Obama propôs a ideia de transferir para o Pentágono o controle de todos os programas antiterroristas de drones, vários congressistas mostraram suas dúvidas de que o Governo paquistanês, um dos que autorizaram esse tipo de voo, permitiria que eles fossem operados dentro de seu território por soldados norte-americanos.
As diferenças quanto à atuação e supervisão à hora de operar as incursões com esse tipo de avião por parte do Comando de Operações Conjuntas do Exército e da CIA, os dois únicos competentes para realizar esse tipo de ataque no exterior, estão emperrando a execução do plano anunciado por Obama
O plano de privar a CIA da direção dos ataques com drones não é novo. Em 2004, a comissão parlamentar que investigou o 11 de Setembro recomendou “ceder a responsabilidade de dirigir e executar operações paramilitares, tanto secretas como clandestinas, ao Departamento de Defesa” para evitar a “criação de autoridades e competências redundantes e que se sobreponham em um trabalho tão delicado”. A CIA considerou seriamente essa proposta por acreditar que esse tipo de ação seria rara. Em uma década, porém, os drones se transformaram na principal estratégia dos EUA contra o terrorismo internacional.
A emenda do Congresso significa um entrave às aspirações de retomar a sugestão da comissão, mas há especialistas que sustentam que o Capitólio ainda poderia interpor mais obstáculos, como exigir que o Pentágono cumpra os mesmos parâmetros e siga a mesma metodologia da CIA, ou que treine os pilotos da mesma maneira.