“Liguei para Xavi porque estávamos fazendo merda”
O goleiro regressa ao cenário onde ganhou a Copa 2010 e reflete sobre sua carreira
Iker Casillas (Móstoles, Madri, 1981) almoça no mesmo salão do hotel onde o fez em 11 de julho de 2010. São 14h20 em Johanesburgo (África do Sul) e aparece na recepção acompanhado de dois membros da equipe de segurança da seleção espanhola que lhe escoltam até o hall da academia do hotel, local escolhido por Pomba Antoranz, assessor de imprensa da equipe, para realizar a única entrevista que o goleiro concedeu ontem. Horas depois, após de uma coletiva com Iniesta, Iker Casillas chegou ao Soccer City e ao pisar a grama não pôde evitar dar uma olhada para o gol onde evitou um par de gols de Robben no final do Mundial. E a tribuna onde levantou a Copa que a seleção espanhola defenderá o próximo verão no Brasil. Ao capitão da seleção passaram-lhe muitas coisas desde aquele 11 de julho de 2010 e não de todas fala com conforto no dia que volta ao local onde tocou o céu.
Pergunta. Dois dias antes de jogar a final do Mundial declarou a este diário, esperançoso, que às vezes os sonhos se tornam realidade. Tem a sensação de ter cumprido todos os seus sonhos?
Resposta. Não, todos não, tornaram-se realidade inclusive os sonhos que nunca tive. Nem sonhando mais, nem mais horas, ia sonhar que minha vida ia ser esta, jogar no Real Madrid, dando títulos ao clube no que cresci desde pequeninho, e na seleção, conseguindo títulos. Qualquer gostaria de ter o que consegui.
P. Tudo de bom e de ruim?
R. Com tudo, sempre há momentos bons, ruins, muito bons e muito ruins. Mas em 15 anos o bom supera o ruim com diferença, o ruim é pouquíssimo e por isso chama ruim. Eu lhes chamaria obstáculos que há que pular...
P. E nesses momentos, em quem se refugia?
Aquele dia estava nervoso, mas o de Honduras... Não tinha outra oportunidade
R. Em mim mesmo, você procura a maneira de se superar, e serve para pensar que quando você está melhor e tudo vai bem não o valorizava suficiente. Faz parte do ensino, da superação das pessoas e do esportista. E isso é o bom, que sempre você pode fazer melhor, porque sabe que sempre vai chegar um que o faz melhor, que superará o que você fez. Virá um que baterá a Bolt, a Nadal... Porque o esportista tem essa ambição. Quem ia pensar que Messi e Cristiano superariam os gols que marcavam Raúl ou Rivaldo faz doze temporadas...!
P. Você tem 153 partidas na Seleção, é superável?
R. Com certeza. Quantos fizeram Ramos, Fàbregas? E Busquets! Claro que me superarão. Se respeitam as lesões deles, certeza, não tenho dúvida nenhuma.
P. Busquets foi capitão no sábado passado, Ramos está em todas. Serão os líderes desta equipe quando não estejam você ou Xavi?
R. Eles têm tudo, assumiram a posse desta equipe. Lembra-se das traves a Busi? Está chamado a ser um líder natural deste grupo porque tem a posse da seleção, como Ramos, que é um cara de caráter.
P. Em África do Sul, quando via Ramos, Piqué, Puyol e Capdevila na sua frente, se sentia intocável?
R. Às vezes pensava que não podia ter uma defesa mais completa. Tinha tudo: força, velocidade, talento, responsabilidade, coragem, ilusão, experiência... Para mim era a defesa perfeita.
P. Que parte de culpa teve Del Bosque no sucesso de três anos atrás?
Era protagonista de um erro imperdoável; não o concebia e tomei uma decisão
R. Não foi fácil, agora parece que sim, mas nos venceu Suíça e tinha que estar aí. Vínhamos de um título na Eurocopa e, embora era uma seleção que não ganhava nada em um Mundial, chegava com a etiqueta de favoritismo, que diria Pellegrini. E vai e na primeira partida contra a Suíça perde. É como se caísse o castelo de cartas. E outra vez a começar, a ser fiel, a não mudar pese às pressões que recebeu. Essa partida, a de Suíça, jogamos pra caralho; essa e a da Alemanha foram as melhores, mas vieram pauladas... Só tivemos má sorte e ardeu tudo.
P. A pior foi a contra o Paraguai?
R. Sempre nos custaram os sul-americanos, porque correm e brigam. Complicaram-nos muito as coisas. Seguimos adiante sofrendo, mas ninguém disse que ganhar um Mundial fosse fácil, né?
P. Após perder para a Suíça, "apanhou" até da sua namorada, Sara Carbonero, jornalista de Telecinco presente ao Mundial. Como foi?
R. Como o que eram, tolices, absurdos para preencher jornais, besteiras. Não o entendia, nem eu nem ninguém, mas já sabe, sensacionalismo. Não, não me afetou, nem para melhor nem para pior. Para a gente nosso entorno foi pior que para nós, há quem te quer e sofre por você. Estou esperando um filho com Sara e ela me deu tranquilidade, responsabilidade... Não sei, dos 26 aos 31 anos muda mais que dos 20 aos 25. E eu cresci ao lado dela.
P. A imagem que guarda do Mundial é a do beijo a Sara depois da partida?
R. Não, cara, é o gol do Iniesta! E o que vem depois, inesquecível: a felicidade absoluta quando apita o árbitro, o abraço com Puyi, com toda a equipe, a entrega do troféu, a rua por Madri... Isso é insuperável.
No Madrid não jogo por uma decisão técnica. Disse cem vezes
P. Como sentiu o gol da posição em que estava, debaixo de suas traves?
R. O que dá mais raiva é que perdi a lembrança pessoal, que era muito nítida e no final o apaga o vídeo, a imagem da televisão. Tenho presentes as sensações, o estar pensando: “Quem marca ganha, não há marcha a ré”. Sabia que qualquer tolice seria decisiva. Foi uma jogada rápida e pensava que não ia levar a nada, porque estávamos superdeslocados. Os seis de trás pensávamos em segurar a posição, em que não nos metessem um gol. “Que briguem os quatro da frente”, pensávamos. Quando vejo que a bola cai em Andrés penso: “Agora!” Mas a lembrança de Villa a vi mais clara, via o gol e o sacou a defesa da Holanda. Eu vi mais claro o de Villa que o de Andrés, porque quando vejo o arremate penso que pode ter ido para cima, fora, a tirar o goleiro... De fato, a toca... Costumo olhar à linha para confirmar que é gol e quando o vi correr, soube que éramos campeões, não podíamos ser tão torpes como para que nos escapasse, embora ficassem quatro minutos de acréscimo. Nem ficando com oito perdíamos a partida.
P. Que lembrança guarda do Mundial?
R. A de cinquenta e tantos dias juntos. Não é fácil 23 pessoas conviverem e nos dar tão bem, porque enjoa, um dia depois de outro passa da conta. A verdade é que nos ajudou muito a Internet, porque via que a gente estava como louca. E no final, durante um mês você fica com a sensação de que a Espanha se colocou uma camiseta e esteve feliz. As pessoas estavam orgulhosas de serem espanholas.
P. Tem a sensação de ter ganhado a partida ao defender o chute do Robben no minuto 60? É sua melhor defesa?
R. Não, nem é a melhor nem ganhei a partida, mas quando lhe vi vir soube que podia evitar o gol, o tive claro, que ou a parava ou ia fora. Ainda me emociono.
P. Já tinha sofrido tanto antes de uma partido como aquele dia?
R. Aquele dia estava nervoso, mas... No dia de Honduras estávamos cagados! Um erro nos mataria e não podíamos falhar, não tinha outra oportunidade, não podíamos esperar mais quatro anos.
P. Fala do ambiente da seleção. Você salvou esse ambiente com um telefonema a Xavi...
R. Não, eu não salvei nada. Chamei a Xavi porque era meu dever e minha responsabilidade como capitão da seleção, porque vi que era o que tinha que fazer, porque estávamos errando muito. Porque represento um país e defendo uma ideia. Falamos para reconduzir o que estava passando porque estávamos cagando. Eu não via desde que era menino a imagem de um Barça-Madrid como a que estávamos dando e eu estava ali, era protagonista de um erro imperdoável, parte responsável pelo que estava passando. E como não o concebia e era protagonista, tomei uma decisão.
Na jogada do gol de Iniesta estávamos superdescolocados
P. Você pagou as consequências?
R. Não, em absoluto.
P. Em Madri se dá por certo, que por isso não joga. Não o vê assim?
R. Não, não... Eu sei é que minha consciência está muito tranquila. Olha, o que eu tenho claro é que ao Madrid, como equipe, não lhe passou fatura e eu sempre penso na equipe antes que em mim. Desde aquele telefonema a Xavi ganhamos uma Copa, uma Liga fantástica, uma Supercopa, uma Eurocopa com Espanha...
P. Mas seu papel mudou, não joga.
R. Não jogo por uma decisão técnica, eu disse cem vezes. E estamos aqui para falar da seleção. Como vocês gostam de buscar picuinha.
P. Para nada, mas você sofreu, disse antes em outras entrevistas.
R. E seguirei sofrendo e desfrutando.
P. Pois não sabe como respeitam você em Barcelona...
R. O gol do Barcelona está muito bem coberto por Víctor e seguirá estando quando for embora. tomou uma decisão honesta, coerente e valente, muito respeitável. Seguro que o Barcelona encontra uma boa troca.
Nesse mês Espanha colocou-se a camiseta e foi feliz. A gente estava orgulhosa
P. Você chegou ao Brasil sendo substituto, a equipe lhe apoiou e foi titular. Como lembra daquilo?
R. Com agradecimento ao treinador. Não eram momentos fáceis e me apoiou. A melhor maneira que pude corresponder foi com vontades de fazer as coisas o melhor possível, que é o que vou fazer até que não tome a decisão de deixar a seleção, de que não venho mais...
P. Após Brasil 2014 talvez?
R. Eu a tomarei, sim, a não ser que caiamos na primeira no Brasil, fracassemos e nos matem a todos, ao treinador, a mim...
P. Pode-se pendurar nesta seleção a etiqueta de fracasso?
R. Ganhou-se o direito de fracassar. Bom, eu o que vejo na rua é agradecimento eterno. Vinte de cada vinte pessoas está agradecida pelo que lhe demos. Há muita gente que te confessa a pena de que seu pai ou seu avô não viva isto.
P. Vê-se titular no Brasil mesmo não sendo no Real Madrid?
R. Bem, não falta nada para chegar ao Brasil! Ninguém sabe o que vai passar amanhã, há que viver o momento, o de três anos atrás foi maravilhoso, espetacular, não só na seleção, no Real Madrid. Não sei o que vai passar manhã, tomara que me faça esta pergunta dentro de um ano e o Madrid ganhe a Liga, a Copa e a Champions. E a Espanha, outro Mundial.
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