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“Por mais brutal que pareça, creio que todos temos aquilo que merecemos”

Argentino Patricio Pron lança no Brasil 'O Espírito dos Meus Pais Continua a Subir na Chuva.' Livro de narrativa fragmentada fala sobre ditadura e resistência política na Argentina

O escritor Patricio Pron, em 2013
O escritor Patricio Pron, em 2013Carlos Rossilo
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Em O Espírito dos Meus Pais Continua a Subir na Chuva, o escritor argentino Patricio Pron (Buenos Aires, 1975) cria um quebra-cabeça literário. O livro, publicado originalmente em 2011 e que agora ganha tradução para o português pela editora Todavia, é, em certa medida, uma narrativa pessoal e também um romance transversal e moral que busca compreender a história de seus pais, a sua própria e a do seu país. O protagonista, um escritor jovem e hipocondríaco, volta à Argentina porque seu pai, um antigo jornalista e militante político, está morrendo. No regresso, o personagem acaba encontrando também o passado de desaparecimentos e assassinatos imposto pelo regime militar entre 1976 e 1983. Pron, ele próprio, é filho de ex-militantes de esquerda e hoje vive em Madri, onde escreve para o EL PAÍS.

O Espírito dos Meus Pais Continua a Subir na Chuva traça um arco pelos últimos 30 anos de história da Argentina, e, mais do que recordar, procura não esquecer. Autor de romances e relatos, Pron é um dos escritores jovens mais prestigiados da atualidade, eleito pela revista Granta como um dos 22 melhores autores em língua espanhola. “Meu interesse pelas últimas décadas da Argentina vem das histórias que ouvi em casa sobre o passado do ativismo político dos meus pais e da minha própria incapacidade de entender esse processo, a vontade de sacrifício e as decisões que os levaram a se comprometer com fatos trágicos da história argentina”, disse ele em conversa com o EL PAÍS, em seu apartamento em Madri.

Capa do livro de Patricio Pron
Capa do livro de Patricio Pron

Ele começa a verbalizar essa história com frases suspensas à espera da palavra ou da ideia precisa para continuar essa narrativa que remonta ao início do século XX, quando a Argentina era uma das grandes terras prometidas: “Huuummm... Demostramos que fomos incapazes de administrar o que nos foi dado, incluindo a esperança... É claro que fatores externos intervieram, mas, em substância, não é muito mais do que o que nós, argentinos, fizemos a nós mesmos e, por mais brutal que pareça, acho que todos nós temos o que merecemos”.

Escrito em primeira pessoa, com texto fragmentado, recheado por listas, notas e matérias que ajudam o narrador (e o leitor) a conhecer o passado de seus pais e país, o livro fica no meio do caminho entre autoficção e romance policial. A forma da narrativa, segundo Pron, "é uma decisão ética de tentar contar algo novo". "Pensava, e penso, que escrever essa história de jovens revolucionários na Argentina tinha que assumir uma forma que procurasse ser revolucionária também. Entre outras coisas, porque as convenções literárias não são muito mais do que a extrapolação ao campo da literatura das convenções que presidem a vida social e a nossa relação. Portanto, teria sido desleal com a memória de meus pais escrever a história deles de forma convencional", diz.

Ainda sobre as escolhas narrativas, Pron diz que a forma do romance respondia a reflexões suas sobre os gêneros literários, mas que, acima de tudo, havia o fato de que a história era tão dolorosa para ele que escrever em longas extensões foi praticamente impossível. Daí os fragmentos narrativos que constituem o enredo. “Também há uma questão relacionada ao fato de que as narrativas unitárias muitas vezes produzem a impressão de que o narrador carece de dúvidas ou está de posse de uma verdade absoluta. Queria deixar isso de de lado para que fossem as dúvidas, as contradições e, as peças ausentes desse quebra-cabeças que emergissem na leitura”.

Para Pron, o livro não acaba nele mesmo. “É uma pesquisa mais geral que se estende para além do livro”, diz. O autor comenta que sua intenção não era fechar a história argentina através de sua narrativa, ou dar uma resposta a todas as questões que formula ao longo do romance, mas provocar incerteza, para que o leitor – seja ele europeu ou latino-americano – pudesse se questionar sobre o passado de quem o precedeu. “Fui educado em uma espécie de mandato expresso no fato de que, apesar de a derrota ser ineludível ou inevitável, a realização mais pessoal reside na resistência a essa derrota. Cumprir com a sua honestidade... Quem estiver com a expectativa de que esse romance é sobre desaparecidos e que pretende reconstruir a história em chave policial sairá decepcionado”.

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