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Aliados de Merkel exigem que ela se explique por espionagem

Ministério Público alemão abre investigação sobre suspeitas em torno do serviço secreto

Luis Doncel
A chanceler Angela Merkel, na segunda-feira, em Berlim.
A chanceler Angela Merkel, na segunda-feira, em Berlim.Michael Sohn (AP)

A revelação a conta-gotas de informações sobre a colaboração dos serviços secretos alemães com a agência de espionagem norte-americana está colocando a chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel em uma situação cada vez mais difícil. A revelação de que o Serviço Federal de Informações (BND, na sigla em alemão) ajudou seus colegas da Agência de Segurança Nacional norte-americana a espionarem aliados como a França e a Comissão Europeia gerou não só críticas externas como também tensões dentro do Governo de coalizão, no qual os sociais-democratas elevam cada vez mais o tom contra seus companheiros democratas-cristãos, em especial a sua principal dirigente, Merkel.

Depois de alguns dias de silêncio, Merkel respondeu na segunda-feira às perguntas com um discurso estudado, no qual tentou manter um equilíbrio entre reafirmar o caráter confidencial dos serviços secretos e, ao mesmo tempo, elogiar a função de controle que o Parlamento exerce sobre o BND.

"Existe uma relação de tensão entre a liberdade e a segurança. Para mim está claro que precisamos melhorar o que for possível, mas também precisamos nos certificar de algo que atualmente talvez não seja tão popular: que nossos serviços de inteligência continuem colaborando com os de outros países para proteger melhor a vida de 80 milhões de alemães", afirmou Angela Merkel em entrevista coletiva em Berlim, ao receber o primeiro-ministro tcheco, Bohuslav Sobotka. "E obter esse equilíbrio continuará sendo parte de meu trabalho", acrescentou a chanceler. Merkel disse manter sua opinião, expressa em 2013, de que os amigos não devem ser espionados.

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As declarações de Merkel chegam num momento em que cresce a pressão contra o Governo e, mais particularmente, contra o ministro do Interior, o democrata-cristão Thomas de Maizière, que, na sua época de ministro-chefe da Chancelaria, entre 2005 e 2009, era o responsável por fiscalizar os serviços de inteligência. O ministro é acusado de ter mentido ao Parlamento quando declarou que o Governo desconhecia atividades de espionagem do BND contra empresas privadas.

De Maizière, que a próxima quarta-feira irá depor numa CPI que apura o escândalo, reiterou na segunda-feira que não mentiu em momento algum. Terceiro protagonista neste escândalo que ainda pode crescer, o presidente do BND, Gerhard Schindler, qualificou como "absurdas" as acusações de "traição" feitas por destacados líderes da oposição e por articulistas da imprensa alemã.

"A traição. O BND e o Governo contra os interesses alemães", era o título da edição de sábado do semanário Der Spiegel, numa capa ilustrada com os rostos de Merkel, De Maizière e Schindler. A prestigiosa revista chamava de "assombroso" o fato de a chanceler desconhecer, como disse em uma entrevista à televisão pública em 2013, a existência de espionagem industrial contra empresas alemãs. "Mas, se realmente não soubesse de sua existência, seria ainda pior", concluía a revista.

O Ministério Público alemão já anunciou a abertura de uma investigação sobre as atividades de espionagem.

Merkel e seus ministros democratas-cristãos, que já vinham enfrentando o escrutínio da imprensa e de partidos de oposição, podem agora se deparar com recriminações de seus companheiros de coalizão, os sociais-democratas. Durante o fim de semana, destacados líderes do SPD pediram a Merkel que esclareça a situação, e inclusive houve vozes social-democratas que exigiram a demissão de De Maizière. "Para a chanceler, já não funciona o jogo o manter afastadas as revelações e dizer que não tem nada a ver com elas. Angela Merkel precisa esclarecer a situação", disse Ralf Stegner, um dos vice-presidentes do SPD.

O líder do SPD e número dois do Governo, Sigmar Gabriel, assegurou na segunda-feira que em duas ocasiões perguntou à chanceler se o BND cooperou com os norte-americanos na espionagem industrial. "Nas duas vezes ela negou", afirmou. Gabriel prefere por enquanto acatar as explicações da sua chefa no Governo. Mas o social-democrata – também em uma situação política complicada, já que a dois anos das próximas eleições não consegue decolar nem um milímetro nas pesquisas – alerta para possíveis turbulências futuras. "Se não fosse assim, seria muito duro manter a confiança", observa Gabriel.

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