Índia versus China: a outra batalha da guerra tecnológica mundial
Com um novo veto a dezenas de aplicativos chineses, Governo de Modi se mostra decidido a reduzir a influência do vizinho em seu mercado digital; paralelamente, o Vale do Silício investe fortemente no país asiático
Fora da China, a Índia é o principal mercado aberto à expansão de gigantes como Alibaba, Tencent e ByteDance (dona do TikTok). Não se trata da região mais suculenta em termos de faturamento, mas ela abrange 500 milhões de usuários de celulares, só atrás da China. E o crescimento é vertiginoso: em 2022, espera-se que a cifra ascenda a 700 milhões de usuários, segundo a consultoria Counterpoint Research.
Mas o Governo indiano trata de frear esta expansão. Em junho, proibiu 59 aplicativos chineses em todo o território nacional, incluindo alguns muito populares, como TikTok e WeChat. Agora, em outro movimento contundente, o Governo de Narendra Modi vetou mais 118 aplicativos do país vizinho. Desta vez caíram o app do buscador Baidu, do game PUBG Mobile (da Tencent) e o Alipay (serviço de pagamentos digitais do Alibaba).
A justificativa, como aconteceu no confronto entre o Governo Trump e a Bytedance (e com a China em geral), foi a segurança nacional. O Ministério de Eletrônica e Tecnologia da Informação da Índia apontou que as atividades dos aplicativos proibidos eram prejudiciais “à soberania e integridade da Índia” e “à ordem pública”. Em maio, os dois vizinhos mantiveram escaramuças militares na fronteira comum no Himalaia, e 20 soldados indianos morreram em uma delas.
“Isto [a proibição dos aplicativos] se lê em chave de represálias pelas tensões fronteiriças”, afirma Mario Esteban, pesquisador principal da Ásia-Pacífico no Real Instituto Elcano, de Madri, sobre a proibição dos aplicativos. “Há empresas chinesas no âmbito digital que têm presença na Índia, mas poucas empresas indianas com presença digital na China.” É uma primeira leitura de caráter econômico. “Há outra leitura que tem maior profundidade geoestratégica, que tem a ver com a bipolarização do mundo digital, a separação entre dois polos digitais, o norte-americano e o chinês”, comenta Esteban.
Reflexo desta briga é o conflito sobre o TikTok, cuja operação norte-americana será proibida a partir desta terça-feira, 15 de setembro, se não passar às mãos de uma empresa norte-americana (a candidata mais provável é a Microsoft). A Índia, por sua vez, não parece ter nenhuma companhia disposta a adquirir as operações do TikTok neste país.
Aproximação
Justamente o movimento de Nova Déli contra os aplicativos chineses coincide no tempo com uma aproximação do Vale do Silício com a Índia. Neste ano, várias empresas tecnológicas dos Estados Unidos fizeram fortes investimentos no país asiático. A Amazon injetou um bilhão de dólares (5,3 bilhões de reais) nas suas operações no país. Enquanto isso, a operadora Reliance Jio, a mais importante da Índia, recebeu uma enxurrada de dinheiro: o Facebook investiu 5,7 bilhões de dólares nela em troca de uma participação de 10%, ao passo que o Google assumiu uma parcela de 7,7% por 4,5 bilhões. Intel e Qualcomm também se somaram como investidores, com 253 milhões e 97 milhões de dólares, respectivamente. A Reliance Jio seria também a candidata mais bem situada a fazer uma proposta pelas operações do TikTok na Índia, mas sua aliança com o Facebook —que acaba de lançar o Reels no Instagram para competir com o aplicativo chinês— dificulta qualquer plano de aquisição.
Ao mesmo tempo, qualquer investimento proveniente da China foi paralisado por ordem do Governo, dado o temor de que a crise do coronavírus transforme as empresas indianas em presas fáceis do capital chinês. É preciso levar em conta que, no âmbito digital, as empresas chinesas já tinham uma grande presença na Índia, não só de forma direta, mas também como investidoras em start-ups. “Antes a Índia mantinha um pé em cada canoa. Não é que priorizasse a China em detrimento dos Estados Unidos, mas sim que estava aberta a fazer negócios com todos, desde que houvesse interesse empresarial por trás dessas relações”, afirma Esteban.
Pouco a pouco, a proximidade entre os dois países e a voracidade dos gigantes empresariais chineses semeou o mercado digital indiano com influências do seu vizinho do norte. O grupo Alibaba investiu no Snapdeal (um dos principais sites de comércio eletrônico da Índia), no BigBasket (um supermercado online), no Patym (aplicativo de pagamentos) e no Zomato (entrega de comida em domicílio).
A Tencent diversificou seu capital entre outras start-ups e companhias indianas, como a Ola (um Uber local), assim como em empresas de entrega de refeições e varejo eletrônico. Enquanto isso, outros gigantes, como a chinesa Meituan Dianping, voltada para diversos serviços de e-commerce, e a ByteDance também injetaram milhões no país.
Sem esquecer que a marca de smartphones mais vendida na Índia é a Xiaomi, com 31% de share. Entre os cinco principais fabricantes presentes nesse mercado, só um não é chinês —a coreana Samsung, com pouco menos de 17% de participação.
Guinada para os Estados Unidos
O investimento chinês inundou as empresas indianas de tecnologia nos últimos anos. Foram oito bilhões de dólares em 2019 e cerca de seis bilhões no ano anterior. Em 2019 havia 12 unicórnios (startups avaliadas em mais de um bilhão de dólares) respaldados por companhias chinesas, contra 8 apoiados por capital norte-americano, segundo a firma indiana de investimentos Iron Pillar.
Mas o veto aos aplicativos chineses marca uma posição para o futuro. “O sinal dado aqui pela Índia é de que claramente se alinha com os Estados Unidos. Isto tem implicações muito amplas, porque dentro da concorrência global que há entre os Estados Unidos e a China o espaço digital é um dos principais domínios de confrontação”, aponta o pesquisador do Elcano.
Os gigantes do Vale do Silício nem sempre tiveram facilidade para penetrar no mercado indiano. Em 2016, o governo local vetou o projeto Free Basics do Facebook, que pretendia implantar um acesso gratuito à Internet (embora com restrições), por contrariar o critério de neutralidade da rede. No mesmo ano, o Google foi proibido de implantar o Street View, sob a alegação de proteção da segurança nacional.
O clima agora é muito diferente. O Facebook trabalha com a operadora Reliance Jio numa iniciativa que integra sua plataforma de comércio eletrônico JioMart com o WhatsApp. O objetivo é conectar os consumidores a comerciantes locais, que vendem produtos básicos e de alimentação. Os planos do Google são outros em sua aliança com a mesma companhia. O gigante norte-americano quer produzir celulares baratos adaptados ao mercado local, para atrair milhões de indianos que ainda não usam smartphones.
Todos isso indica o lado que a Índia escolheu no conflito tecnológico entre os Estados Unidos e a China. E são também sintomas do mundo digital bipolar para o qual os países se encaminham.
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