Chile aprova casamento homossexual após quatro anos de espera
É o nono país americano e o trigésimo no mundo que equipara essas uniões às heterossexuais
O Parlamento chileno aprovou nesta terça-feira o casamento igualitário, uma das demandas históricas dos grupos de luta pela diversidade sexual, que travaram uma longa batalha legislativa para chegar a esta data histórica. O projeto, que está prestes a se tornar lei, concede aos casais do mesmo sexo os mesmos deveres e direitos que os casamentos heterossexuais têm sob a lei chilena. Em sua última tramitação legislativa, a iniciativa foi aprovada hoje no Senado e, em sua última revisão na Câmara dos Deputados, apoiada por 82 parlamentares, com 20 votos contra e duas abstenções. “Estou muito emocionada. É uma luta árdua de muitos anos”, desabafa ao EL PAÍS a juíza Karen Atala, diretora da Fundación Iguales, que trabalha pelos direitos das pessoas LGBTQIA+. “Conseguimos a conquista dos nossos direitos para sermos cidadãos de primeira, dignos e decentes. Começamos com a lei antidiscriminação, depois os acordos de união civil, depois a lei de identidade trans e agora o casamento igualitário”, diz por telefone minutos após a decisão final do Congresso.
O projeto foi aprovado em meio a aplausos e cenas de emoção de membros de entidades que esperavam por esse momento desde 2017, quando o projeto foi apresentado pelo Governo de Michelle Bachelet. Foi o atual presidente, Sebastián Piñera, que em seu primeiro mandato promulgou os acordos de união civil, que instou a discussão do projeto de casamento igualitário em sua última conta pública perante o Congresso, em junho, o que surpreendeu a opinião pública e gerou divisão no partido de direita no poder. É uma iniciativa que conta com amplo apoio popular, 63%, segundo pesquisa da Ipsos em junho passado. No nível latino-americano, apenas a Argentina supera essas taxas de aprovação, um país que tem casamentos igualitários e onde 73% apoiam a norma, segundo a mesma pesquisa de opinião.
“Com a aprovação do casamento igualitário, o Chile deu um passo histórico e decisivo para o avanço e a consolidação dos direitos humanos dos casais do mesmo sexo e famílias homoparentais, os quais, sem distinção, foram discriminados e violados desde as origens do nosso país“, disse em nota o Movimento pela Integração e Libertação Homossexual (MOVILH), uma das organizações históricas que atuou no Chile desde o início dos anos noventa em prol dos direitos civis e da antidiscriminação de lésbicas, gays , bissexual, trans, intersex e queer (LGBTIQ+). “A definição estatal de casamento que existe até hoje no Chile entrou em colapso. A homofobia, a heteronormatividade e a desigualdade que a caracteriza, em detrimento das pessoas LGBTIQ+, chegaram ao fim. A mudança é revolucionária“, disse a entidade, que convocou uma grande festa na tarde desta terça-feira no epicentro de Santiago do Chile, na Plaza de Italia.
“Hoje é um dia feliz para o Chile, porque já sabemos que amor é amor. As pessoas são iguais e, sendo iguais, temos os mesmos direitos“, disse o porta-voz do Governo, Jaime Bellolio. A senadora democrata-cristã Ximena Rincón, presidente do Senado chileno, ao emitir seu voto favorável, disse: “Chegamos a um dia em que seremos melhores como país e como sociedade”.
Quando o Chile voltou à democracia, em 1990, o casamento igualitário parecia impossível. Não havia lei de divórcio até 2004 e o aborto era proibido em todas as suas causas, o que mudou em 2017, quando passou a ser permitido em três casos. “Foi um sonho impossível, inimaginável, um sonho inexistente”, lembra o MOVIHL, que conta “pelo menos 55 vítimas fatais de homo / lesbo / bi / transfobia no Chile”. “Para estas vítimas, e para quem os crimes de ódio foram silenciados ou não denunciados, vai este progresso, este triunfo da igualdade, do amor”, diz a entidade, que fala de “uma terça-feira inesquecível, 7 de dezembro de 2021.”.
O projeto de lei aprovado hoje pelo Congresso chileno determina que a não discriminação seja garantida em função da orientação sexual e identidade de gênero na custódia dos filhos, filiação e adoção, sejam os casais casados ou não e tenham ou não tido filhos e filhas através de fertilização humana assistida. Paralelamente, reconhece a maternidade de mulheres trans e a paternidade de homens trans nas certidões de nascimento de seus filhos e filhas. Também foi determinada a ordem dos sobrenomes dos casais do mesmo sexo: será determinada de acordo com a decisão dos pais e, caso não haja acordo, o Registro Civil irá submetê-la a sorteio.
São décadas de luta pela inclusão, numa sociedade onde há poucos anos se viam situações assustadoras, como a que a própria juíza Atala teve que viver. Em maio de 2004, a Suprema Corte decidiu que ela não poderia ter a custódia de suas três filhas porque ela era lésbica e vivia com sua parceira. Foi o primeiro caso dessas características que se tornou conhecido na opinião pública chilena e deu início ao debate. As meninas tinham três, quatro e oito anos quando a Justiça as retirou e as entregou ao pai, o ex-marido da magistrada, que a acusou de não poder exercer a maternidade por ser homossexual. As duas meninas ainda dormiam com ela e a mais nova usava fraldas à noite.
“Ser privada de criar as próprias filhas, que você teve no ventre, deu à luz e amamentou, é uma dor indescritível”, disse a juíza em agosto de 2011, na audiência pública do julgamento que empreendeu contra o Estado do Chile na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que em 2012 condenou o Estado do Chile neste caso. A sentença determinou que o Estado deve executar diversas medidas de reparação a Atala e suas filhas. A decisão estabeleceu jurisprudência em nível latino-americano, pois determinou pela primeira vez que orientação sexual e identidade de gênero são categorias protegidas pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. A luta empreendida pela juíza foi um marco na trajetória que hoje dá um passo fundamental com o casamento igualitário, uma medida que tem sido fortemente confrontada pela liderança da Igreja Católica chilena.
A lei do casamento igualitário, que será promulgada por Piñera antes de deixar o Governo em março, também regulamenta os bens de casais do mesmo sexo, garante pensões para viúvas e viúvos e, entre outras questões, reconhece casamentos igualitários consumados no exterior. De acordo com uma pesquisa recente da MOVILH, 82,8% dos casais do mesmo sexo planejam se casar e 91,8% dos parceiros civis irão cancelar esse vínculo para se casar.
O Chile se tornará o nono país das Américas a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, atrás do Canadá, Estados Unidos, Costa Rica, Equador, Colômbia, Brasil, Uruguai e Argentina. No México, é legal em 14 dos 32 Estados do país.
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