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Facebook, da ‘start-up’ que fascinou o mundo ao império que todos querem derrubar

Rede social sofre sua maior queda em escala global enquanto enfrenta uma grave crise de reputação e várias investigações de práticas monopolistas nos EUA e na UE, embora até agora isso não tenha afetado seus resultados empresariais

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, depõe no Senado dos EUA em 10 de abril de 2018 sobre o vazamento de dados no caso Cambridge Analytica. “Foi um erro meu, e lamento”, disse ele.
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, depõe no Senado dos EUA em 10 de abril de 2018 sobre o vazamento de dados no caso Cambridge Analytica. “Foi um erro meu, e lamento”, disse ele.AARON P. BERNSTEIN (REUTERS)

Houve um tempo em que Facebook era sinônimo de inovação, sucesso, vanguarda e até propósito social. Foi a sensação do Vale do Silício, um território naturalmente fértil para o hype. Tinha todos os elementos para chamar a atenção: introduzia tecnologia de ponta, crescia a um ritmo exagerado e tinha como missão conectar as pessoas. Era capitaneada por um jovem com menos de 30 anos, sempre vestido de jeans e camiseta. Inclusive tinha uma história institucional original: enquanto a Apple e a Microsoft nasceram em garagens, o Facebook surgiu no campus universitário de Harvard como uma diversão de um jovem gênio dos computadores.

Esta empresa que foi exemplo de sucesso no passado sofreu nesta segunda-feira a maior queda de redes da sua história, afetando durante seis horas seus três principais produtos: Facebook, Instagram e WhatsApp. Foi a culminação de semanas nefastas para a empresa, submetida a uma investigação jornalística que revelou que seus chefes sabiam da capacidade tóxica de alguns de seus produtos. As ações da empresa, que até então vinha conseguindo evitar que sua má reputação contaminasse seus resultados econômicos, arrastam uma queda de 13% desde meados de setembro, após novas revelações sobre como ela põe seu lucro acima do interesse geral.

Em que momento as coisas começaram a desandar? Como o Facebook deixou de ser o lugar onde todo engenheiro aspirava a trabalhar para se tornar um império com uma reputação abalada? Os analistas costumam situar o princípio do fim no mesmo elemento que lhe permitiu se tornar uma das cinco maiores empresas do mundo: o salto para a publicidade.

Nascido em 2004, o Facebook não foi a primeira rede social, mas logo se transformou na mais popular, a que marcou o caminho. Todo mundo a usava. E, como o fenômeno era novo, ninguém se importava em despejar todos os detalhes da sua vida em seus murais. Os investidores brigavam para injetar dinheiro na companhia, mesmo que não estivesse claro como haveriam de recuperá-lo.

Zuckerberg se concentrou durante os primeiros anos em captar usuários e melhorar o produto, em fazer do Facebook um “lugar legal”. Não prestou muita atenção a como gerar faturamento. A isso se dedicava seu braço direito, Sheryl Sandberg, a diretora de operações da companhia. Ela entrou para o Facebook em 2008, vindo do Google, onde tinha lançado o mecanismo de monetização de anúncios do buscador. Logo começaram a aparecer anúncios no Facebook e, em poucos anos, a rede social dominava o mercado mundial da publicidade junto com o Google.

Os três temores de Zuckerberg

Um ex-alto-executivo do Facebook disse certa vez que Zuckerberg tem três grandes temores: ter os sistemas hackeados, que seus funcionários sofram danos físicos, e que os legisladores retalhem a sua rede social, conforme contam as jornalistas do The New York Times Sheera Frenkel e Cecilia Kang em seu livro Uma verdade incômoda os bastidores do Facebook e sua batalha pela hegemonia (Companhia das Letras).

Zuckerberg pode ficar tranquilo: seus funcionários estão a salvo. Mas as outras duas frentes não estão tão limpas. Os sistemas do Facebook e de suas filiais WhatsApp e Instagram falharam nesta semana, e não foi a primeira vez. Mas, pelo menos da porta para fora, o motivo não foi um ataque, embora, mesmo que fosse, provavelmente não admitiriam: a maioria de empresas costuma manter informações desse tipo sob sigilo.

A ameaça que vai tomando forma é a do retalhamento da companhia. Em dezembro de 2020, a FTC, agência reguladora norte-americana do setor, e quase todos os Estados dos EUA moveram uma ação contra o Facebook por prejudicar seus usuários e concorrentes. “Mediante a utilização de uma quantidade enorme de dados e dinheiro, o Facebook esmagou e inutilizou tudo aquilo que a empresa percebia como ameaça potencial”, disse a procuradora-geral do Estado de Nova York, Letitia James, que atuou como porta-voz de seus colegas de outros 48 Estados, numa entrevista coletiva em que apresentou a ação. “Ele reduziu as chances de escolha do consumidor, obstruiu as inovações e degradou as medidas de proteção da privacidade de milhões de norte-americanos”, acrescentou ela na ocasião.

O lema de Zuckerberg, “move fast and break things” (“mexa-se depressa e quebre as coisas”), se voltou contra ele. Em 2012, o Facebook comprou o Instagram por um bilhão de dólares. Em 2014, adquiriu o WhatsApp por 16 bilhões. Até 2019, o Facebook já havia adquirido 70 empresas, todas elas por menos de 100 milhões, limite a partir do qual a agência reguladora interfere automaticamente para investigar se a compra representa alguma ameaça à livre concorrência.

Já em 2019, a FTC anunciou que estava investigando o Facebook. No ano seguinte surgiu a ação movida perante a imprensa pela procuradora-geral James. E há poucos meses a Comissão Europeia abriu uma investigação de monopólio contra o Facebook para determinar se a empresa violou as regras continentais de concorrência ao usar dados que recolheu de seus anunciantes para competir contra eles.

A nomeação neste ano de Lina Khan como presidenta da FTC não prenuncia um resultado favorável para os interesses da companhia. Conhecida nos meios acadêmicos por um artigo em que defende maneiras de aplicar as leis antimonopólio à Amazon, ela é uma firme partidária de desmembrar as grandes empresas tecnológicas.

O objetivo do Facebook, segundo vários funcionários da rede social citados de forma anônima pelo The Washington Post, é se afastar dos problemas gerados por suas redes sociais e se centrar na realidade virtual, que considera decisiva para sua estratégia futura, tornando-se assim um fabricante de hardware. E, se nota a intenção de melhorar a imagem da empresa e reivindicar seu papel na sociedade. Um exemplo é a contratação de Nick Clegg, o político liberal britânico que se tornou vice-presidente de comunicação do Facebook. Em um documento interno ao qual o The New York Times teve acesso, divulgado na sexta-feira e assinado por ele, Clegg insinuava que a polarização política tinha crescido nos EUA em parte devido a motivos internos. “Nas democracias maduras, onde as redes sociais são usadas de forma generalizada, há eleições sem que exista essa presença da violência”, afirmava.

Apesar dos escândalos, os lucros da empresa não pararam de crescer, especialmente durante a pandemia, com um aumento de 58% no ano passado, chegando a 29,15 bilhões de dólares, graças ao impulso da venda de espaços publicitários na internet e todos os serviços relativos a essa atividade. E, embora a fortuna pessoal de Zuckerberg tenha encolhido seis bilhões de dólares na segunda-feira durante as seis horas do apagão, seu patrimônio acumula um crescimento de 18 bilhões desde o começo do ano, chegando a 121,6 bilhões de dólares, atrás apenas de Elon Musk, Jeff Bezos, Bernard Arnault e Bill Gates. Durante os problemas técnicos da segunda-feira, milhões de usuários baixaram serviços de mensagens semelhantes ao WhatsApp, como Signal e Telegram. Mas o Facebook continua sendo o líder indiscutível, com cerca de 3,5 bilhões de usuários em todo o mundo.

Da Cambridge Analytica às adolescentes do Instagram

O Facebook já tinha a reputação abalada antes da abertura dos processos judiciais. O escândalo de Cambridge Analytica, revelado em 2018, caiu como uma bomba nuclear. Uma investigação jornalística mostrou que a consultoria política Cambridge Analytica teve acesso aos perfis de 50 milhões de usuários do Facebook e usou isso a favor de Donald Trump durante a campanha eleitoral de 2016 que o levou à Casa Branca.

Também se soube que agentes russos se valeram da rede social mais usada do mundo para interferir nessas mesmas eleições. O Facebook recebeu de fato muitas críticas por sua ambígua política de controle de conteúdos que incitam ao ódio ou que provocam a desinformação. Com a defesa radical da liberdade de expressão como bandeira, a empresa permitiu que Trump dissesse o que quisesse durante as duas eleições que disputou. Sua conta só foi suspensa depois da fracassada invasão do Capitólio por seus partidários.

Há dois dias, antes do apagão que manteve os sistemas suspensos durante seis horas, a ex-funcionária do Facebook que alimentou as últimas reportagens exclusivas do Wall Street Journal —segundo as quais os executivos do Instagram sabiam que a rede social de fotografias era tóxica para as adolescentes, mas ainda assim lutavam por chamar sua atenção— mostrou a cara em uma entrevista televisiva de grande audiência. Até ali, era a pior coisa que havia acontecido com o Facebook nesta semana.

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