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Reforma administrativa
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

E se o Brasil ficasse sem presidente?

O Governo tem uma verdadeira simbiose com o Estado, o que atrapalha o funcionamento da máquina quando a tensão política aumenta. Por isso, a solução é melhorar a nossa gestão pública

Púlpito do Palácio do Planalto, em Brasília.
Púlpito do Palácio do Planalto, em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)
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O método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta
Brazil's President Jair Bolsonaro meets supporters as he arrives at Alvorada Palace, amid the coronavirus disease (COVID-19) pandemic, in Brasilia, Brazil, July 19, 2021. REUTERS/Adriano Machado
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E se o Brasil ficasse sem presidente nem vice? Diante do atual cenário de crise política e institucional não parece lá uma má ideia. Em pouco mais de 30 anos de sua jovem democracia, o Brasil volta, pela terceira vez, a ouvir fortes debates sobre impeachment presidencial. Dessa vez estão sobre a mesa do presidente da Câmara cerca de 130 pedidos de impeachment contra o presidente da República. Diante de tanta insatisfação, não seria melhor simplesmente ficarmos sem presidente? O que poderia acontecer?

Na verdade, isso já aconteceu, só que foi na Bélgica. E não foi uma pequena vacância: foram 541 dias sem presidente. Ou seja, quase dois anos sem ninguém na liderança do Governo.

Isso aconteceu em 2010, quando diante de um cenário de crise política, o primeiro-ministro pediu demissão e os vários partidos do país não conseguiram atingir um consenso no Parlamento.

O primeiro-ministro escolhido para quebrar o jejum foi Elio Di Ruppo, um socialista que conseguiu reunir o apoio de seis partidos após grande pressão do mercado financeiro devido a um rebaixamento da nota de crédito do país, que também passava por uma crise econômica.

O mais interessante é que o país continuou funcionando, mesmo diante de aparente caos político. Decisões urgentes foram tomadas por ministros interinos e os serviços públicos foram prestados normalmente.

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A Bélgica não é o Brasil e não podemos acreditar que algo parecido seria sustentável aqui. O país europeu é uma monarquia parlamentarista e tem uma estrutura muito diferente da nossa. Contudo, podemos aprender algumas lições com os belgas: na Bélgica o poder está altamente descentralizado. Os municípios têm muito mais poder que no Brasil e as principais decisões são tomadas localmente, o que garante a continuidade da prestação de serviços públicos sem grandes dependências no Governo central. Além disso, no país europeu há uma grande diferenciação entre o Governo e o Estado. Para eles o Governo é uma entidade política, bem pequena e composta pelo primeiro-ministro e seu gabinete. De outro lado, o Estado é um corpo profissional e apolítico, composto pelo judiciário, militares e burocratas públicos. Este grupo não sofre influência política e pauta sua atuação em critérios técnicos.

No Brasil, o Governo tem uma verdadeira simbiose com o Estado. As posições-chave da burocracia nacional são de livre nomeação, o que atrapalha o funcionamento da máquina quando a tensão política aumenta.

Mas o Brasil hoje tem uma grande oportunidade: ao invés de enfocar o impeachment ou em soluções passageiras para os problemas políticos, deveríamos trabalhar para melhorar a nossa gestão pública. Nesse sentido, está tramitando na Câmara dos Deputados a PEC 32, também conhecida como Emenda da Reforma Administrativa. Tal projeto propõe uma série de mudanças de longo prazo na nossa gestão pública. O texto não é livre de problemas, mas inegavelmente abre uma oportunidade para discutir melhorias na forma como trabalham os profissionais públicos. A PEC recebeu 62 propostas de emenda até agora, que se desdobram em 93 propostas de alteração. Essas propostas serão discutidas pela Câmara dos Deputados e após aprovadas, seguirão para discussão do Senado. Ou seja, muita água ainda vai rolar até que um texto final seja levado à sanção. O momento agora é de unir forças em torno de mudanças positivas, que tornem nosso serviço público mais profissional, buscando efetividade e melhor prestação de serviços para a sociedade. A estabilidade é um dos grandes temas, mas também temos que discutir os mecanismos de entrada no serviço público, desempenho, comissionados, dentre outros.

É importante lembrar que reformas podem vir para o bem ou para o mal. A PEC 32 pode ser uma grande vacina, ou poderá ser um veneno: da mesma forma que reformas são uma oportunidade de avanço, elas também abrem espaços para retrocessos. Algumas das emendas apresentadas claramente estão focadas em ampliar benefícios para certas carreiras públicas. Por exemplo, das 45 emendas aceitas até agora, seis tratam de ampliar benefícios para agentes de segurança. Uma das emendas consiste em incluir vínculo jurídico próprio aos ocupantes das carreiras das funções essenciais à justiça, tais como Ministério Público, Defensoria Pública e advocacia pública.

Tais emendas que aumentam distorções e criam benefícios deixam o Brasil cada vez mais distante da Bélgica, e é por isso que o momento atual é tão importante. O trem da PEC está prestes a deixar a estação, mas ainda há tempo de embarcamos em discussões construtivas para um melhor serviço público. Muito mais importante que falarmos em impeachment é construir um funcionalismo público profissional e menos suscetível a pressões políticas e uma gestão menos dependente do governo federal.

Eloy Oliveira é pesquisador em Gestão Pública e membro do Conselho do Instituto Republica.org

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