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Governo Bolsonaro
Coluna
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O mistério ainda não decifrado das relações de Bolsonaro com as Forças Armadas

Bolsonaro se mostra cada vez mais astuto e perigoso. Tudo o que está acontecendo entre o presidente e o Exército não deixará de ter um reflexo importante nas próximas eleições

Militares da reserva participam de manifestação em apoio ao presidente Bolsonaro na avenida Paulista, em 1º de maio deste ano.
Militares da reserva participam de manifestação em apoio ao presidente Bolsonaro na avenida Paulista, em 1º de maio deste ano.AMANDA PEROBELLI (Reuters)
Juan Arias

A cada hora que passa o assunto político que aparece como prioritário em todos os meios de comunicação e nas redes sociais é o das ainda misteriosas relações do presidente Jair Bolsonaro com as Forças Armadas. A última surpresa foi a atitude inesperada do Exército de não punir o ex-ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, que transgrediu pública e flagrantemente o regimento interno militar que impede participar de um ato político público com Bolsonaro. Além disso, o presidente desafiou o Exército ao oferecer ao general um posto-chave em seu Governo.

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Brazil's President Jair Bolsonaro and former Health Minister Eduardo Pazuello attend a rally at the National Monument to the Dead of World War II in Rio de Janeiro, Brazil, May 23, 2021. Picture taken May 23, 2021. REUTERS/Stringer  NO RESALES. NO ARCHIVES
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Em suas relações com o Exército, Bolsonaro sente-se tão seguro que ousa desafiá-lo cada dia mais em público. O que ainda não está claro é como as Forças Armadas que pareciam ter participado do Governo de extrema direita do capitão reformado para “controlá-lo” em seus possíveis arroubos golpistas acabaram de joelhos diante dele.

A notícia da claudicação da cúpula do Exército diante de Bolsonaro ao perdoar Pazuello teve repercussão nacional e complicou as estratégias políticas das eleições presidenciais do próximo ano. Além disso, deu um destaque especial à CPI da pandemia no Senado, que investiga a existência de um governo paralelo criado por Bolsonaro para defender sua postura negacionista diante da pandemia e sua rejeição à vacina.

Isso fica claro nas últimas declarações do presidente da CPI, Omar Aziz, que, incomodado com a arrogância com que Bolsonaro se dirige e até insulta os senadores, deu a entender que estão chegando a ele e que serão severos em suas decisões.

O que fica cada vez mais claro é que as Forças Armadas não estão no Governo para tutelar o capitão frustrado, como se imaginava no início, mas é ele quem parece dar ordens ao Exército. O fato da claudicação de Bolsonaro no caso de flagrante delito como o de Pazuello perante as leis disciplinares do Exército surpreendeu até os analistas mais sérios em questões militares, como Igor Gielow, da Folha de S. Paulo, e Miriam Leitão, de O Globo. Segundo Miriam, que sofreu na carne a ditadura militar, com o perdão a Pazuello, o Exército “se submete ao bolsonarismo e dá passo para a anarquia”. Para ela, o presidente conspira contra a democracia, enfraquecendo as instituições, e chega a afirmar que para o Brasil “foi o passo mais perigoso dado pelas Forças Armadas desde o fim da ditadura militar”.

Para Igor Gielow, que conta com boas informações dentro do Exército, foi uma falsa ilusão pensar que com a entrada das Forças Armadas, inclusive de generais da ativa, no Governo, controlariam o capitão reformado e evitariam a volta do petismo ao poder. E acrescenta, irônico: “Bolsonaro conseguiu sua vingança. É psicologia barata, mas dá a impressão de que matou o pai”, referindo-se a Freud.

Duas coisas aparecem cada vez mais enigmáticas: por que o Exército que sabe que Bolsonaro está se enfraquecendo cada vez mais diante da opinião pública, como refletem as últimas pesquisas, parece continuar ajoelhado diante dele e aceitando passivamente seus desafios e provocações? Ainda não ouvimos um único militar importante lembrar ao presidente que o Exército “não é dele” e que é mais uma instituição a serviço do Estado. E mais quando fica cada dia mais claro que o que o presidente pretende é não aceitar uma derrota na reeleição, mesmo que seja à custa de um golpe de Estado. Acabou de dizê-lo o ex-presidente Michel Temer, que sempre teve fama de conhecer como poucos as entranhas do Exército, com o qual manteve e mantém relações de amizade.

Talvez seja necessário rever a ideia de que Bolsonaro, quando fala em público, revela estupidez e ausência de inteligência. A verdade é que está se tornando cada vez mais evidente que quando o capitão fala à gente simples de seus seguidores, na verdade está enviando mensagens e ameaças inclusive para o Exército. A última demonstração disso aconteceu em 25 de maio. A uma mulher simples que se queixava da pobreza do Brasil, Bolsonaro respondeu com uma frase sibilina: “Quem não estiver contente comigo, tem Lula em 2022”. Não é preciso ser psicanalista para entender que a frase de Bolsonaro foi dirigida para além da mulher simples. Também apontava para os militares. Foi como dizer a eles que se não o apoiassem agora, amanhã poderiam se deparar novamente com Lula, o PT, e a esquerda no poder, algo pouco menos do que abominável para o Exército, que sempre preferirá Bolsonaro com todas as suas loucuras e intemperanças do que a volta de Lula.

Para entender esse temor do Exército de que o PT com Lula possa voltar ao poder, talvez tenhamos de voltar a 2018, quando Bolsonaro acabava de ser eleito, depois de o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, ter ameaçado no Twitter o Supremo Tribunal Federal que poderia haver uma subversão nacional se permitisse que Lula disputasse as eleições. O STF claudicou e foi um dos momentos mais sombrios da Alta Corte.

Vencidas as eleições e com Lula fora de combate, o novo presidente Bolsonaro, em um encontro com Villas Bôas, pronunciou uma frase enigmática que ainda não foi decifrada. Depois de agradecer a ajuda que lhe dera para tirar Lula das eleições, com a frase: “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui hoje”, pronunciou a seguinte frase que só uma pitonisa poderia decifrar: “O que já conversamos morrerá entre nós”. Sem dúvida tratava-se de algo sério que ainda ninguém conseguiu revelar e que lembra os códigos da máfia.

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Tudo o que está acontecendo entre o Bolsonaro e o Exército não deixará de ter um reflexo importante nas próximas eleições se é que as instituições, apesar de tudo que a CPI do Senado está revelando, permitirão a participação do presidente. O que está acontecendo, seu desprezo pela CPI, suas ameaças de golpe, seu descaramento em enfrentar o Exército, sua insistência no negacionismo e em alimentar um governo paralelo superbolsonarista e suas ameaças de que Lula, seu inimigo mortal, possa voltar, revelam, como pensa o ex-presidente Temer, que o capitão não aceitará o resultado das eleições se perder nas urnas. Assim, ele já estaria preparando um golpe de Estado, talvez com o apoio e a complacência das Forças Armadas, das Polícias Militares e de suas amigas, as milícias.

Não sabemos se é esse o segredo que prometeu a Villas Bôas levar para o túmulo, mas algo aparece cada dia com mais clareza: Bolsonaro começa a se mostrar mais astuto e perigoso do que se pensa e seu sonho se aproxima cada vez mais do projeto venezuelano de Maduro, de quem seria sua melhor cópia brasileira de direita.

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