Resultado no Congresso expõe as dificuldades de DEM e PSDB para 2022

Dúvida sobre capacidade de formação de uma coalizão recaía sobre a esquerda. Nas eleições na Câmara e no Senado, entretanto, foram os partidos de direita que não bancaram o jogo

Deputado Arthur Lira (PP-AL) celebra vitória para presidência da Câmara, anunciada pelo antecessor Rodrigo Maia (DEM-RJ), na segunda.SERGIO LIMA (AFP)

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As eleições de Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM) para as respectivas presidências da Câmara e do Senado coroam um ano de esforços do Governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para compor uma base governista. Para derrotar Baleia Rossi (MDB) e Simone Tebet (MDB), o Planalto se valeu de uma aproximação cada vez mais ampla com os partidos do denominado Centrão: partidos de natureza conservadora e fisiológica, sem programas definidos e sem coesão sistemática.

Inicialmente ignorados pelo presidente em benefício de militares e ideólogos de internet, esses partidos entram de vez na coalizão governamental. A promessa é conferir ao Governo maior protagonismo na agenda legislativa e, principalmente, garantir a Bolsonaro o término de seu mandato, com apoio para sua candidatura à reeleição.

Analisemos, primeiro, o objetivo de avançar a agenda de Bolsonaro no Congresso. A chamada pauta de costumes, cara ao eleitorado cativo do presidente, mas relegada a segundo plano por Rodrigo Maia (DEM), de acordo com estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), provavelmente continuará marginalizada. O cenário que se avizinha é de crise econômica aguda e aprofundamento dos problemas decorrentes de uma política sanitária ineficiente de combate à covid-19. Se os parlamentares optarem por esse caminho pouco prioritário, em conjuntura política, social e econômica tão delicada, arcarão com os custos em 2022. Na área econômica, por outro lado, embora Lira e Baleia Rossi pouco se diferenciem em temas fundamentais como as reformas administrativa e tributária, não há certeza sobre o quanto se conseguirá avançar na pauta defendida pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes.

Nas duas Casas, haverá grande pressão por aumento de gastos e descumprimento do teto por duas razões: a) os efeitos da pandemia se acumulam e agravam e b) os partidos menos programáticos, com maior aposta na conexão eleitoral, pressionarão por recursos para manter a fidelidade de suas bases. Quanto maior essa pressão, maior a chance ou de Guedes ser afastado do cargo, o que pode vir a ter efeito sobre a já combalida popularidade de Bolsonaro junto ao mercado, ou de o Centrão desembarcar do Governo, agitando novamente os ânimos para um possível pedido de impeachment, hipótese hoje completamente descartada. Arthur Lira, que é líder comprometido com os anseios do Centrão, será o fiel da balança nesse cenário. O quadro na Câmara, nesse sentido, é mais desafiador e instável do que no Senado.

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No Senado, entretanto, o cenário de relativa calmaria também esconde obstáculos que exigirão enorme capacidade de articulação de Rodrigo Pacheco. O novo presidente foi eleito com o apoio de grande parte da casa, incluindo o PT. Para honrar compromissos, Pacheco será desafiado a construir uma agenda que não conflite em demasiado com as pautas programáticas das legendas que o elegeram. Até agora, o Senado foi poupado de pautas mais polêmicas pela sua condição de casa revisora.

A presidência de Lira na Câmara e o envio de proposições construídas com menor esforço de concertação política pode mudar essa dinâmica e constituir desafio adicional. Na relação com o Governo, contudo, é provável que o grande problema continue a ser o próprio Governo, que há dois anos tem se mostrado incapaz de formular política e coordenar uma agenda legislativa consistente e oportuna. É bom dizer que nem sempre os ventos que sopram do Congresso para o Planalto são os que impedem a efetiva tramitação da agenda governamental.

De uma perspectiva analítica macroinstitucional, a derrota de Rodrigo Maia, na Câmara, expõe as fragilidades do grupo político representado por PSDB e DEM e mina o já precário ensaio de montagem de uma coalizão mais ampla e heterogênea do ponto de vista ideológico, mas eventualmente capaz de articular um projeto majoritário nas próximas eleições. Até então, a dúvida sobre a capacidade de formação de uma coalizão desse tipo recaía sobre os partidos de esquerda, especialmente o PT. Nessa prévia, entretanto, foram os partidos de direita que não bancaram o jogo. O DEM recuou, assumindo posição de neutralidade, e o PSDB, apesar de oficialmente apoiar Baleia Rossi, após intervenção contundente do governador João Doria, provavelmente destinou inúmeros votos dissidentes ao candidato governista. Por mais irônico que possa parecer, o PT pode ter sido responsável por mais de um terço dos 132 votos recebidos pelo candidato emedebista.

É importante destacar que, do ponto de vista eleitoral, não há explicação racional para o comportamento do DEM e do PSDB. Os dois partidos diminuem suas chances de arregimentar legendas para candidaturas mais fortes em 2022, contrariando, inclusive, o esforço do DEM para conquistar espaço nas eleições de 2020 e buscar se firmar como partido mais propositivo. Fica exposta a dificuldade de rompimento com a lógica fisiológica usual, típica de alguns setores das duas legendas. Do ponto de vista político, ambas aumentam, no curto prazo, suas chances de negociação com o Executivo, sem descartar, eventualmente, o exercício de uma oposição futura mais incisiva, na dependência dos rumos da economia e da popularidade do presidente. O timing, no entanto, pode ser fatal para voos mais altos em 2022.

O resultado das eleições no Congresso seguramente fortalece Bolsonaro, principalmente no que diz respeito ao objetivo que mais lhe interessa: terminar seu mandato e contar com o apoio de parte da classe política para postular sua candidatura à reeleição. Para esse desfecho, contudo, a dinâmica de relacionamento com o Centrão, que já desembarcou de outros tantos governos em função de sua avidez distributivista, passa a ser cada vez mais central. Por ora, sua adesão está garantida. Resta saber se o arrastamento da pandemia, o impasse orçamentário e a popularidade de Bolsonaro não voltarão a afetar o quadro de estabilidade institucional que, hoje, parece mais assegurado do que ontem.

Débora Gershon é doutora (IESP/UERJ) e mestre (IUPERJ) em Ciência Política. É pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Foi pesquisadora visitante, por um ano, da University of California, San Diego (UCSD). É especialista em estudos legislativos, com larga experiência em atividades de monitoramento legislativo em âmbitos nacional e estadual.

Leonardo Martins Barbosa é doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ. É pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) e do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON). Tem ampla experiência em análise de cenários políticos, com foco em comportamento partidário e arena legislativa.

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