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Pandemia de coronavírus
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

O Brasil que não está indignado com a corrupção da pandemia é um país moralmente morto

Acreditar que basta denunciar um Governo como antidemocrático e fascista, sem fazer um sério exame de consciência sobre as próprias culpas, seria desonrar a democracia

Covas no cemitério de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, próximo à área urbana.
Covas no cemitério de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, próximo à área urbana.FERNANDO MARRON (AFP)
Juan Arias

O Ministério da Saúde acaba de se queixar da “falta de medicamentos para intubar pacientes graves” do coronavírus. Enquanto isso, os brasileiros tornaram a ver, como nos tempos da Lava Jato, nos canais de televisão, as vergonhosas sacolas e malas de dinheiro vivo supostamente roubado do orçamento destinado a salvar vidas na guerra sanitária em curso.

Talvez porque já se sintam impotentes diante da nova avalanche de corrupção, o fato é que os brasileiros não souberam reagir com um grito de indignação a essa ofensa à vida. E um país passivo perante tamanho pecado perpetrado por quem, pelo contrário, deveria zelar e se sacrificar para salvar vidas, é um país moral e politicamente morto.

Isso me leva a pensar que existe o perigo de que, pelo fato de o país estar sendo governado por um sistema autoritário que incita ao ódio e à divisão, a velha política e as outras instituições do Estado se sintam absolvidas sumariamente de seus pecados e acreditem que podem continuar roubando.

É um perigo que precisa ser evitado se não quisermos que isso sirva de desculpa para fortalecer o Governo autoritário de extrema direita de Jair Bolsonaro. Uma volta à política democrática supõe ter consciência de que isso será impossível se as forças que deveriam defender os valores da liberdade continuassem adormecidas em seus privilégios, roubos e esbanjamentos.

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A política que a democracia engendra seria cúmplice e reforçaria os descalabros da política bolsonarista se fosse incapaz de uma renovação profunda e não tivesse a coragem de abandonar as práticas podres da corrupção, que vemos continuarem vivas, assim como de renunciar a seus privilégios insuportáveis. Privilégios que não só ofendem os mais necessitados, os que precisam lutar para ganhar seu prato de comida. Ofendem todos os que lutam e se esforçam para fortalecer a democracia e criar Governos simplesmente decentes.

Acreditar que basta denunciar um Governo e um regime como antidemocrático e fascista, sem ser capaz de fazer antes um sério exame de consciência sobre as próprias culpas, seria desonrar a democracia. A política democrática só poderá ter o direito de fazer uma cruzada contra o que estamos vivendo na medida em que tomar consciência de que seus erros podem ter sido a causa da eleição de um personagem como Bolsonaro. Sem essa renovação, todos aqueles que tinham votado no “mito”, desgostosos não só com os desvios de corrupção do PT, mas também da classe política em geral, poderiam ter a tentação de considerar que ditadura e democracia dão na mesma. Não é verdade, mas isso não basta, porque uma política democrática corrupta e embebida em privilégios costuma ser o primeiro passo rumo ao autoritarismo que sempre aparece falsamente revestido de virtude e de renovação da política.

Os partidos e as outras instituições do Estado, começando pela Justiça, deverão hoje mais do que nunca demonstrar a força da democracia com fatos que possam ser entendidos até pelos menos cultos, os quais só costumam receber as sobras da opulência e da corrupção.

Não é fácil convencer a massa dos que trabalham duro e mal remunerados, e pior ainda os sem-trabalho, os que sofrem as garras da violência do Estado e do racismo, de que a democracia é o melhor sistema para deixarem de ser escravos.

Como podem, por exemplo, esses políticos sabidamente corruptos e nadando em privilégios convencer sobre os valores da liberdade ao mundo das comunidades abandonadas à própria sorte nas grandes periferias urbanas? Como alguém que fez da política uma chance de enriquecer a si e aos seus com práticas antirrepublicanas pode ter autoridade moral para exigir sacrifícios de quem já vive curvado pela pobreza? Daqueles a quem se negam os direitos humanos fundamentais? Como acreditar nos valores democráticos de políticos que se aliam vergonhosamente com milícias e traficantes para conseguir votos e que deixam a violência correr solta contra os pobres?

A defesa dos valores democráticos está sem dúvida acima de tudo se não quisermos abrir espaço à barbárie que acaba esmagando os excluídos. Entretanto, nunca será possível conseguir uma sociedade livre, nem fazer frente aos demônios dos novos fascismos, se quem se declara favorável à democracia acaba manchando-a e traindo-a com suas condutas indecorosas.

Ou a democracia se conjuga com a honestidade dos políticos ou se transformará em tentações totalitárias. Ou a política da democracia e da defesa dos diferentes e das liberdades muda seus velhos hábitos corruptos ou pode se esquecer de conseguir que uma força progressista volte a governar este país. Ou muda a política de quem recusa a tirania ou, depois de Bolsonaro, continuarão governando os nostálgicos do autoritarismo, de um pai indulgente ou de um pistoleiro que os defenda dos fantasmas de uma democracia tristemente desprestigiada.

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