Governo Bolsonaro sonha em driblar pressões ambientais
A instabilidade institucional não é novidade no Brasil nem impediu vultosos investimentos de multinacionais e fundos de investimento
As manifestações públicas de preocupação com a política ambiental, divulgadas nos últimos dias por ex-integrantes da administração pública, grandes empresas e bancos, revelam a importância da sustentabilidade ambiental nas estratégias dos grandes grupos privados; mas, nos bastidores do Governo Bolsonaro, uma boiada de mensagens e avaliações na direção contrária, também vindas do setor privado, alimenta a expectativa presidencial de que é possível responder às críticas com campanhas publicitárias. As manifestações recentes do vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, minimizando o papel do Governo na crise ambiental, são reflexo disso.
Mourão até já indicou o argumento que pretende usar —e oferecer a empresários dispostos a aderir à campanha governista: os indicadores de queimadas na floresta devem cair nos próximos meses. O problema é que a queimada é a etapa seguinte ao desmatamento e responde a diversos fatores. O fato de queimarem menos a mata não significa necessariamente que reduziram as derrubadas. E os índices mostram, ao contrário, aumento na devastação. Além disso, duas correntes subterrâneas ainda minam os apelos por uma guinada na política atual para o meio ambiente.
A primeira dessas correntes, vinda do mercado financeiro, é provocada pela expectativa de que, mesmo com os sinais contrários emitidos por fundos e investidores temerosos com as ameaças ao meio ambiente, venha para o Brasil pelo menos uma parte dos trilhões de libras, euros e dólares liberados pelos Governos em suas estratégias de evitar a recessão trazida pela pandemia. A consultoria Fitch Ratings calcula que serão despejados pelos bancos centrais europeu, britânico e americano cerca de 6 trilhões de dólares em 2020 —se 1% desses recursos fosse para aplicações no Brasil, isso significaria uma injeção de quase 320 bilhões de reais na economia.
A segunda dessas correntes que amortecem a pressão por mudanças na política ambiental é o forte interesse, de médio e longo prazo, pelo mercado consumidor brasileiro, mais relevante para certos investidores que os mercados externos cada vez mais avessos a produtos sem o selo da sustentabilidade.
Na semana passada, quando o vice-presidente Mourão recebeu altos executivos com demandas de maior empenho no combate à degradação ambiental, investidores potenciais chineses participaram de uma teleconferência promovida pela Embaixada da China no Brasil, com representantes do Ministério da Infraestrutura, que apresentaram oportunidades de investimento em concessões públicas, em energia elétrica, portos, aeroportos e estradas. Ao final da apresentação oficial, entre as poucas perguntas dos participantes, indagaram aos integrantes do Governo Bolsonaro se iriam simplificar os procedimentos ou “apresentar políticas mais convenientes” no futuro para atender à queixa de que a obtenção de licenças ambientais “tem sido fator de dificuldade no sucesso dos projetos”.
Enquanto, na Europa, grupos ambientalistas pedem reação de seus Governos para deter a devastação da Amazônia, grandes companhias europeias instaladas no Brasil, também, discretamente, mantiveram discretos contatos com pelo menos duas embaixadas europeias em Brasília, pedindo que ajudem o Governo Bolsonaro a convencer seus respectivos Congressos e Executivos sobre os esforços para controlar ameaças ao meio ambiente.
Em conversas reservadas, executivos do mercado financeiro e de empresas de diversos setores lembram que instabilidade institucional não é novidade no Brasil nem impediu vultosos investimentos de multinacionais e fundos de investimento —estes últimos, especialmente os fundos de pensões internacionais, cada vez com menos opções de rentabilidade em um mundo de juros abaixo de zero em mercado desenvolvidos importantes.
A sucessão de manifestos em favor de uma mudança na política ambiental mostra, porém, que bancos e empresas afetados por ações de reparação promovidas por defensores do meio ambiente tendem a assumir um papel mais ativo, não só por uma questão de reputação, como também pelos prejuízos financeiros que o dano à imagem pública de alguns setores tem trazido nos tribunais —onde a má fama de empreendimentos em áreas vulneráveis levam juízes a decidir, com frequência, contra o setor privado, nos processos em defesa do meio ambiente ou de reparação de comunidades afetadas por desastres ecológicos. Os custos dessas ações na Justiça motivaram várias instituições, especialmente bancos, a adotar regras mais rígidas de governança social e ambiental (conhecidas pelos especialistas pela sigla em inglês, ESG).
A devastação provocada por este Governo na imagem duramente conquistada do Brasil como ator responsável nas questões ambientais também prejudica planos de negócio de algumas empresas, como tem sido fartamente noticiado pelos jornais; mas, infelizmente, a mensagem subliminar que sai das manifestações oficiais mostra que o Governo ainda se inclina a levar mais em conta o que lhes dizem outros interesses empresariais ainda pouco sensibilizados pela crescente consciência ambiental de consumidores e investidores.
Na área de infraestrutura, se a má fama ambiental pode afastar potenciais investidores, ela não tem afetado empresas que já se encontram no país, já assumiram custos relacionados às exigências legais e, hoje, priorizam reivindicações de outra ordem ao Governo, como a prorrogação das atuais concessões —sob a alegação de que custos imprevistos, alguns deles provenientes da fiscalização ambiental, mudaram a realidade econômico-financeira dos contratos.
Em reuniões de trabalho do setor privado com autoridades em Brasília, capitaneadas pela Fiesp, a agenda também aponta o foco para outras questões, como a redução da carga tributária e outros temas eternos ligados ao Custo Brasil. Nessa agenda, não raramente, alguns executivos veem as exigências ambientais como custo, e não o seguro, que são, contra danos à natureza e a economia.
A saída dos principais vilões ambientais no Governo, os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, eliminaria as vozes mais estridentes, mas não a fonte inspiradora do desastre constatado pelo INPE, o órgão responsável pelo monitoramento florestal, que registrou 11 meses seguidos de desmatamento superior ao verificado no mesmo mês no ano anterior A política de recuo nas fiscalizações será capaz de fazer com que, em 2020, a taxa oficial de desmatamento, a Prodes, deva superar os 15.000 quilômetros de devastação; 50% acima da verificada em 2019 e quase quatro vezes superior à meta prevista na Política Nacional sobre Mudança do Clima. Os dados preliminares de monitoramento indicam um crescimento superior a 67% nos últimos 11 meses, em relação ao período anterior. Podem estar queimando menos; mas sem dúvida estão derrubando mais.
O mais preocupante é que, mesmo após acenos vagos, recentes, aos que falam em sustentabilidade e ecologia, o Governo parece disposto a frear a atuação de órgãos de fiscalização ambiental e instituições como o INPE. O instituto prejudica, com seus dados científicos, as campanhas de propaganda planejadas pelas autoridades palacianas.
Em agosto do ano passado, insatisfeito com os dados oficiais, o presidente Jair Bolsonaro mandou seu ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, demitir o presidente do INPE, Ricardo Galvão. Desde então, um disciplinado oficial da Aeronáutica ocupa interinamente o cargo. No último dia 13, Pontes demitiu, no mesmo órgão, a coordenadora-geral de Observação da Terra, Lubia Vinhas, responsável pelo monitoramento nas florestas.
Galvão e Vinhas são os nomes mais graduados numa sucessão de demissões e medidas de intimidação contra fiscais ambientais, que se queixaram na imprensa de obstáculos ao trabalho, impostos por militares —treinados a obedecer ordens superiores sem questionar e enviados, supostamente, para dar apoio às missões de fiscalização e destruição de equipamentos usados em ações criminosas por invasores de reservas florestais.
Mais inteligente e político que o presidente Bolsonaro, o vice-presidente Mourão agregou recados ecológicos à velha mitologia militar sobre a Amazônia como um “inferno verde” a ser domado, pelo bem do desenvolvimento e da segurança nacional. Ele parece ver os indígenas como brasileiros atrasados que têm de ser incorporados à “civilização”. Discursos pela preservação da biodiversidade são espécies exóticas nos pátios com árvores caídas onde habitam os homens das casernas. O desmonte ainda tem apoio —ou, no mínimo, é recebido com naturalidade— em segmentos expressivos do setor privado.
Na apresentação feita pelo Ministério da Infraestrutura para investidores chineses, os representantes da pasta receberam a confirmação de que a China não se deixou magoar pelos ataques racistas da ala ideológica mais extremada do bolsonarismo, e exibiram um vídeo de alta qualidade sobre os projetos de investimentos abertos ao capital externo. O vídeo dava ênfase à preocupação com a preservação da natureza e das comunidades potencialmente atingidas pelas obras planejadas. Infelizmente, a realidade mostrada pelo INPE é mais cinzenta do que as iniciativas isoladas incorporadas ao marketing oficial.
Será ilusão, dadas as manifestações tanto do presidente quando do vice-presidente da República, acreditar que as pressões externas ou a demissão de ministros ultraideológicos bastarão para mudar o rumo do desastre ambiental gestado nos gabinetes palacianos. É com o Judiciário e com o Legislativo —onde são fortes as pressões contra o meio ambiente— que a sociedade brasileira terá de contar. E são eles, também, a quem a população terá de pressionar, se quiser corrigir o impulso do Executivo para fazer “passar a boiada” sobre o patrimônio ambiental do país.
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