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López Obrador nega “militarização” após ampliar papel das Forças Armadas no Governo

Celebrando metade do mandato, presidente mexicano faz um apelo aos seus partidários para não desanimarem e evitarem uma guinada centrista: “O nobre ofício da política exige autenticidade”

López Obrador e sua mulher, Beatriz Gutiérrez Müller, durante o evento no Zócalo.
Francesco Manetto

Andrés Manuel López Obrador completou nesta quarta-feira metade do seu mandato de seis anos fazendo apologia das Forças Armadas e da sua participação na vida pública mexicana. Diante de milhares de simpatizantes reunidos no Zócalo, a praça mais simbólica da capital, o presidente defendeu a concessão de poderes ao Exército, que já controla as principais obras impulsionadas pelo Governo, como o Trem Maia, o aeroporto internacional Felipe Ángeles e a refinaria de Dos Bocas, além de receber, a partir de janeiro, o controle sobre a logística de distribuição de medicamentos. Para o mandatário, estas competências contribuem para “deixar para trás a desconfiança entre civis e militares”. “As Forças Armadas, não esqueçamos, nasceram com a Revolução Mexicana, não são um exército de elite, não pertencem à oligarquia.Os soldados são povo fardado”, proclamou López Obrador ao manifestar seu reconhecimento às Secretarias de Marinha e Defesa Nacional.

Mas, ao mesmo tempo, o presidente rejeitou o termo “militarização”. “As acusações de que estamos militarizando o país carecem de qualquer lógica”, declarou, referindo-se às críticas da oposição. “Não se ordenou às Forças Armadas que façam guerra a ninguém, que vigiem ou oprimam a sociedade, que limitem liberdades, nem muito menos que se envolvam em ações repressivas”, acrescentou. Esta premissa é a base do plano governamental para a segurança pública: não responder à violência com mais violência – uma estratégia que o próprio chefe de Estado chamou diversas vezes de “abraços em vez de balaços”. Voltou a defendê-la na tarde desta quarta. “O vasto esforço para obter a paz foi feito sem violações dos direitos humanos. Já não se aplica mais o ‘matá-los a quente’”, argumentou. Aplaudiu também a “generosa e decisiva participação” dos soldados e marinheiros em diversas tarefas, como “o auxílio à população perante desastres, inundações, terremotos, em ações de desenvolvimento, bem-estar e paz, atestando sua lealdade ao povo e às instituições civis”. E na semana passada ele deu um passo a mais com um decreto que blinda os projetos federais de infraestrutura como assunto de segurança nacional e interesse público.

Acompanhado de sua esposa, Beatriz Gutiérrez Müller, do seu gabinete e da prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, López Obrador apresentou, três anos após a posse, um relatório de gestão que marca a metade do seu mandato, fazendo um discurso de desagravo aos serviços públicos e dirigindo-se especialmente aos seus correligionários do Movimento Regeneração Nacional (Morena), que o levaram ao poder com as bandeiras do combate à corrupção, a ruptura com as administrações passadas do PRI e do PAN e um lema central: “Os pobres primeiro”. Nesta quarta, tornou a ressaltar esta mensagem como princípio central de seu projeto político, a Quarta Transformação.

“Ser de esquerdaé nos ancorarmos em nossos ideais”

O presidente defendeu a manutenção deste caminho. “Os marqueteiros do período neoliberal, além do riso fingido, do penteado com gel e da falsidade da imagem recomendam aos candidatos e governantes que corram para o centro. Ou seja, que fiquem bem com todos. Mas não, isso é um erro. O nobre ofício da política exige autenticidade e definições. Ser de esquerda é nos ancorarmos em nossos ideais e princípios”, enfatizou, cobrando clareza quanto à meta: “Não nos apagarmos, não ziguezaguearmos”. “Se formos autênticos, se falarmos com a verdade e nos pronunciamos pelos pobres e pela justiça, manteremos identidade, e isso pode significar simpatia, não só dos de baixo, mas também da gente lúcida e humana de classe média e alta. Com isso basta para enfrentar as forças conservadoras, os reacionários”, opinou.

Em um discurso de quase uma hora e meia, López Obrador tornou a sentir o calor da militância em um ato maciço depois de um ano e meio de restrições. O presidente já tinha convocado a jornada celebratória demonstrando certa nostalgia pelos seus tempos de líder opositor, saudoso do contato direto com a rua. Falou de seus feitos, defendeu que há recuperação econômica apesar dos duros golpes da crise derivada da pandemia da covid-19, destacou seu plano energético e advogou por aprofundar as mudanças estruturais iniciadas em dezembro de 2018. Isso começaria pela melhora do Estado social e dos serviços públicos, com o propósito de que a educação e a saúde se tornem, na prática, um “direito universal”.

“O mais importante é que já lançamos as bases para a transformação do nosso país”, considerou o mandatário. “Em três anos a mentalidade do povo mudou como nunca, e isso é o mais importante de tudo. A revolução das consciências, a mudança de mentalidade, isso é o mais próximo do essencial, do mero principal, o mais próximo do irreversível. Podem fazer retroceder no aspecto material, mas não vão conseguir mudar a consciência que o povo do México tomou”, prosseguiu.

López Obrador, que mantém níveis muito elevados de popularidade e pouco desgaste apesar dos constantes questionamentos da oposição, referiu-se ao final da sua fala ao que considera seu próximo marco: a consulta sobre a revogação do mandato prevista para o próximo semestre. “Vamos provar de novo quanto respaldo nossa política de transformação tem. Saberemos se estamos indo bem ou não. Com a consulta para a revogação do mandato, se perguntará ao povo, que é soberano, que manda, se quer que eu continue na Presidência ou que renuncie”. O mandatário deseja que esse se torne outro momento determinante do seu período. E, enquanto todos os debates já giram em torno da sucessão interna e das eleições de 2024, López Obrador se prepara para aprofundar suas apostas e redobrar a queda de braço com seus adversários. Começa a segunda parte do seu mandato.

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