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‘Passaporte covid-19’ faz Draghi enfrentar primeiros protestos nas ruas italianas

Queixas e mobilizações marcam estreia do salvo-conduto que só permite acesso aos locais de trabalho a quem tiver recebido pelo menos uma dose da imunização

Estudantes queimam foto do primeiro-ministro Mario Draghi durante protesto em Turim.
Estudantes queimam foto do primeiro-ministro Mario Draghi durante protesto em Turim.ALESSANDRO DI MARCO (EFE)

A Itália estreia nesta sexta-feira a medida mais polêmica do mandato do primeiro-ministro Mario Draghi ―e também a primeira que pode lhe causar desgaste real nas ruas desde sua posse, em fevereiro. A partir de hoje, qualquer trabalhador italiano precisará apresentar seu certificado de vacinação (chamado localmente de Green Pass) para poder desempenhar sua atividade profissional. A ordem abrange de autônomos a funcionários de multinacionais, passando por empregados de microempresas e domésticas. O decreto aprovado pelo Governo admite que, na ausência do passaporte sanitário, se apresente um exame de covid-19 com resultado negativo. Mas, inclusive por uma questão econômica, não é viável repetir o exame a todo momento. Depois de tornar o certificado obrigatório para requentar cinemas museus, academias de ginástica e restaurantes, a Itália agora fecha ainda mais o cerco contra a mentalidade antivacina.

A medida é pioneira nos países ocidentais, e na prática representa a obrigatoriedade da vacinação para poder manter uma vida normal. Uma parte minoritária dos italianos, entretanto, não está de acordo e preparou manifestações e greves dos transportes para esta sexta-feira, num movimento que pode parar o país. O Executivo de Draghi, apesar das ameaças e do risco de colapso, não tem nenhuma intenção de recuar.

A oposição política ao certificado obrigatório de vacinação para trabalhadores tem sido liderada nas últimas semanas por uma parte ampla da direita, principalmente pelos partidos Liga e Irmãos da Itália. No último sábado, esse mal-estar se cristalizou nas ruas quando grupos antivacinas e militantes de ultradireita invadiram a do CGIL, principal central sindical italiana. Os manifestantes acusavam os sindicalistas de abrirem mão de defender os direitos dos trabalhadores ao aceitarem uma medida que consideram inconstitucional. Os protestos terminaram com uma guerrilha urbana, uma tentativa de invasão da sede do Governo e 13 detidos, a maioria pertencentes a partidos fascistas.

O problema, além destes grupos radicais e residuais, é que atualmente há cerca de três milhões de trabalhadores que não se vacinaram por diferentes motivos. Alguns não consideram necessário pelo trabalho que desempenham, outros são militantes do movimento antivacinas, e muitos enxergam o tema como uma questão política. Várias associações de caminhoneiros e estivadores anunciaram uma greve nesta sexta-feira. Estes últimos, especialmente os do porto do Trieste, são os que mais preocupam o Executivo, pois poderiam chegar a bloquear o tráfego naval do país. Estas associações pediram sem sucesso que a entrada em vigor da nova legislação fosse adiada por 30 dias.

A realidade é que a medida não tem comparação no resto da Europa por seu alto nível de restrição. A oposição popular se soma à resistência que o Executivo encontrou dentro do conselho de ministros (os representantes da Liga hesitaram até o último minuto sobre seu apoio à decisão) e no Parlamento. É a primeira vez que Draghi pode ter dificuldades para implementar uma decisão política por suas consequências junto à opinião pública. As primeiras demonstrações já surgiram em alguns protestos, onde foram queimadas fotos do primeiro-ministro ―um ato de vandalismo de uma parte muito residual do país, mas que abre uma fissura perigosa para Draghi― especialmente se partidos como o Irmãos da Itália (o único fora do Executivo) aproveitarem o incêndio para fins eleitorais.

Uma queda de braço não é conveniente para o Governo. E já há alguns sinais de pequenas alterações no decreto que permitam “pacificar a rua”, como pediu o líder da Liga, Matteo Salvini. Os sindicatos, por exemplo, solicitaram que o Governo reduza o preço dos exames e que as empresas o ofereçam gratuitamente para seus funcionários. Salvini apoia a medida, mas Carlo Bonomi, o presidente da entidade empresarial Confindustria, descartou imediatamente essa possibilidade.

Os dados da pandemia na Itália são positivos. O índice de contágios é de 0,8%, e nesta quinta-feira foram registradas 2.668 infecções. O número de vacinados com pelo menos uma dose é de 77%, um dado que permite ao Executivo pensar em aliviar as medidas quando a cifra se aproximar de 90%.

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