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China enfrenta onda de blecautes

Aumento da demanda, disparada no preço do carvão e cortes feitos pelas províncias para cumprir metas ambientais se encontram na origem do problema

Macarena Vidal Liy
Un hombre utiliza la luz de su móvil para ver mientras desayuna durante un apagón en la ciudad de Shenyang, en el noreste de China
Um homem usa o celular como lanterna enquanto toma o seu café da manhã, durante um blecaute na cidade de Shenyang, no nordeste da China, nesta quarta-feira.Olivia Zhang (AP)

Semáforos e elevadores desligados em Shenyang, no nordeste. Em Cantão, no sul, empresários adquirindo geradores às pressas para manter suas fábricas em funcionamento. Em Hunan, no centro, os luminosos publicitários sendo apagados no horário de pico. Ao longo do último mês, e sobretudo nas últimas duas semanas, até 21 das 31 províncias da China continental foram obrigadas a adotar algum tipo de medida de racionamento elétrico para suas indústrias ou consumidores residenciais, em meio a temores de que os blecautes gerem um impacto grave na segunda maior economia do mundo num momento de incerteza sobre seu setor imobiliário.

“Na aldeia dos meus avós a temperatura já está abaixo de zero, e informaram que adiaram o momento de ligar os radiadores até não se sabe quando. Com os cortes de luz, também não dá para usar outros tipos de calefação. Meu avô tem 70 anos e acaba de ser operado. Como esperam que esses idosos sobrevivam sem calefação? No nordeste o inverno é muito longo e muito frio; com os blecautes, as temperaturas de 30 graus abaixo de zero serão muito duras”, denunciava um usuário no Weibo, o Twitter chinês.

Não é a primeira vez que os problemas de abastecimento obrigam a racionar a eletricidade de algum modo em algum lugar da China, embora o normal seja reduzir o fornecimento apenas às indústrias. O que é muito menos frequente é que os apagões cheguem ao consumidor doméstico, ou que se estendam por um território tão extenso.

O motivo é uma tripla combinação que faz a China enfrentar problemas com seu abastecimento elétrico, como está acontecendo na Espanha e em outros países europeus. Mas, enquanto na Espanha o problema se reflete no descomunal aumento da conta de luz, na China ele resulta em blecautes.

Por um lado, o gigante asiático teve um forte aumento da demanda elétrica, alimentada por um setor industrial que precisa funcionar a todo vapor para atender aos pedidos internos e externos, num momento de recuperação global após a pandemia do coronavírus. Nos primeiros oito meses de 2021, a produção industrial de valor agregado cresceu 13,1% em relação ao ano anterior, e a demanda elétrica subiu 13,8%. Mas a produção de carvão só aumentou 4,4%.

A isso se somam os esforços das autoridades locais para cumprir seus objetivos anuais de redução do consumo energético, medido tanto em volume como em intensidade (o chamado “duplo controle” do setor energético chinês), em busca da meta nacional de começar a reduzir as emissões em 2030 e alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060.

Em agosto, um relatório da Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento, o organismo encarregado do planejamento econômico, calculava que dois terços das províncias descumpriram no primeiro semestre os objetivos impostos por Pequim. Como resultado, algumas províncias onde não há escassez de eletricidade, mas que descumpriam as metas, impuseram racionamentos a alguns setores para poupar energia e tentar alcançar os números adequados até o final do ano.

Falta de carvão

Mas o fator fundamental, segundo os especialistas, é a escassez de carvão mineral, cujo preço disparou no mercado interno e internacional. O combustível fóssil procedente da Austrália custa hoje 205% a mais que um ano atrás, e o indonésio, 233%, segundo um relatório da consultoria Lantau Group. Esses custos tornam economicamente inviável operar as centrais termoelétricas a carvão, razão pela qual algumas foram desligadas ou operam a baixa capacidade. O sistema chinês, que mantém a eletricidade barata para o consumidor, “impede de repercutir ao usuário final os ajustes em um custo suficientemente alto para que os geradores pudessem cobrir as perdas pelo item do combustível”, diz a análise da Lantau.

Essa escassez e a alta do preço do carvão —principal matriz energética chinesa, com 67% do total— se deve, por sua vez, àquilo que o Conselho para a Eletricidade da China qualificou como “tempestade perfeita”. No caso do produto importado, o custo disparou devido à guerra comercial entre Pequim e Canberra, ou pelas intensas chuvas que complicaram o transporte a partir da Indonésia, fazendo as cotações disparar no mercado futuro.

No caso do combustível nacional, os cortes na produção desde 2016 se somaram ao fato de algumas minas terem interrompido a extração após incidentes envolvendo a segurança do trabalho, enquanto há supostos casos de corrupção sendo investigados em mineradoras da Mongólia Interior, uma das principais províncias carvoeiras. Qualquer pedido de aumento da produção precisa seguir trâmites bastante lentos, o que também complica o cenário. Além disso, o calor em províncias do sul, como Cantão, se prolongou além do habitual neste verão, aumentando a demanda pelo uso do ar-condicionado, enquanto no norte já se sente a chegada do frio e começa a temporada de aquisição de carvão para as calefações.

Apesar dos estoques baixíssimos —as seis principais geradoras contam com 11,31 milhões de toneladas, suficientes para apenas duas semanas, segundo dados da empresa Sinolink Securities citados pelo jornal South China Morning Post—, o Governo chinês insiste em que o fornecimento para a temporada de inverno está garantido, e que o consumo residencial, um quinto do total da China, será “protegido”.

A Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento anunciou, por sua vez, medidas contundentes para enfrentar o problema antes que ele espalhe descontentamento entre a população, ou que os cortes afetem a produção econômica. Nesta quarta-feira, declarou que permitirá a adequação das tarifas elétricas às leis da oferta e demanda. O Governo, estipulou a comissão, “não impedirá que os preços da luz se movam em uma faixa razoável e permitirá que as tarifas reflitam as leis do mercado e as mudanças no custo”.

Além disso, aumentará as importações de carvão para cobrir tanto a demanda de calefação como a de geração elétrica. E para garantir o suprimento de carvão mineral às províncias do gélido nordeste, as mais afetadas pelos blecautes, pressionará as mineradoras a assinarem contratos de longo prazo com as geradoras.

A preocupação com os apagões levou as Bolsas chinesas a operarem em baixa nesta quarta-feira, com Xangai recuando 1,8%. Em dias anteriores, os cortes na eletricidade haviam levado os bancos Goldman Sachs e Nomura a revisarem para baixo suas previsões de crescimento da economia chinesa neste ano, mantidas até então em 8,2%. O banco de investimentos norte-americano as reduziu para 7,8%, e o grupo de serviços financeiros japonês, para 7,7%.

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