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China reduz seu consumo de carvão pelo terceiro ano consecutivo

Transição do modelo econômico é parte da guinada no padrão energético da potência asiática

Trabalhadores de uma mina de carvão em Datong, província de Shanxi, no final de 2015.
Trabalhadores de uma mina de carvão em Datong, província de Shanxi, no final de 2015.GREG BAKER (AFP)
Macarena Vidal Liy

As pedras com que são construídas as casas tradicionais da aldeia de Qianjuntai, nas montanhas a nordeste de Pequim, têm veios enegrecidos. É um lembrete de que, por muito tempo, um dos seus grandes criadores de emprego foi a companhia municipal de carvão da capital. Mas essas minas, ineficientes, estão prestes a fechar as portas. “Ainda não decidi o que vou fazer. Com certeza vou para a cidade, para Pequim. Vou procurar um trabalho lá, talvez como entregador”, diz Li, de 32 anos, um dos trabalhadores que logo ficará sem emprego.

A 80 quilômetros ao sul, em sua confortável casa de dois pisos em Hekou, uma aldeia nos arredores da capital, a agricultora Hei Zhulan não para de sorrir enquanto mostra seu novo tesouro: a reluzente caldeira a gás natural permitiu dizer adeus ao carvão. “E completamente grátis, graças aos subsídios do Governo municipal”, explica, durante uma visita a sua aldeia organizada pelas autoridades de Pequim para a imprensa.

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Em apenas oito anos, a China, o maior produtor mundial de emissões, “deu uma guinada de 180 graus em sua política para a mudança climática”, aponta Li Shuo, assessor de Política Global do Greenpeace East Asia: impulsionado pelo descontentamento popular, pela imagem negativa internacional e pelo esgotamento de seu modelo econômico, o país parou de negar a existência da poluição – era mera “névoa” – para se tornar um dos protagonistas no combate ao problema. Um protagonismo que pode ganhar ainda mais relevância se os Estados Unidos, como indica seu Governo, derem um passo atrás. E uma das chaves nessa guinada, explica Li, foi o carvão.

Durante anos, o carvão foi vital para a China: é sua principal fonte de energia, tanto que o país responde por cerca de metade do consumo mundial. Junto com o aço, emprega cerca de 12 milhões de pessoas. Mas também está na raiz de muitos de seus problemas: é a causa de 70% de sua poluição mais perigosa – a de partículas inferiores a 2,5 microns de diâmetro – e de 80% de suas emissões de dióxido de carbono.

Mas, pelo terceiro ano consecutivo, a China reduziu seu consumo desse mineral. A redução foi de 2,9% em 2014, 3,7% em 2015, e 4,7% em 2016, conforme anunciou na semana passada o Departamento Nacional de Estatísticas (o Greenpeace calcula que, em unidades de energia liberadas pela queima de carvão, a queda foi menor, de 1,3%). Com os cortes, a proporção desse combustível fóssil na matriz energética chinesa caiu de 64% para 62%.

Os dados indicam que a China, que se comprometeu a começar a reduzir suas emissões a partir de 2030, está em via de cumprir a meta de manter o consumo de carvão abaixo dos 4,1 bilhões de toneladas e reduzir para 58% até 2020 o peso desse combustível em suas necessidades energéticas.

É uma tendência, considera Li, que vai se manter no futuro: “É um declive sistemático. Pode haver um ou outro pequeno salto, mas não voltaremos a vê-lo aumentar como no passado”.

A redução é consequência da mudança do modelo econômico, de um modelo baseado na manufatura e na indústria pesada para outro baseado no setor serviços e na tecnologia. Essa mudança levou a uma maior eficiência energética: apesar de a economia ter crescido oficialmente 6,9% no ano passado, o consumo de energia só aumentou 1,4%, segundo a Administração Nacional de Energia.

O próprio primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, reiterava esse ponto no domingo em seu discurso de abertura da sessão legislativa: “Trabalharemos mais rápido para deter a poluição causada pela queima de carvão”. Três milhões de moradias no norte do país terão suas caldeiras de carvão substituídas por equipamentos elétricos ou a gás natural. Serão eliminados mais de 50 gigawatts de capacidade nas usinas elétricas alimentadas por carvão, e mais de 150 milhões de toneladas de capacidade de produção de carvão. No ano passado o corte foi de 290 milhões de toneladas.

Em toda a China, segundo os dados de Lauri Myllyvirta, o responsável pela campanha contra o carvão do Greenpeace East Asia, o número de projetos de usinas elétricas de carvão caiu em 85%. No início deste ano, o Governo suspendeu 103 projetos planejados ou já em construção, com uma capacidade conjunta de 120 gigawatts.

Capacidade de produção excessiva

Mas o panorama não é perfeito e serão necessárias mais medidas. Apesar das promessas, a China aumenotu sua capacidade no setor siderúrgico no ano passado, ao invés de reduzi-la, diz o Greenpeace. Continuam sendo construídas novas usinas, que somam 140 gigawatts de capacidade, muito mais do que a China necessita: no ano passado, o país só utilizou metade de sua capacidade existente. Para 2020 pretende manter sua capacidade abaixo dos 1.100 gigawatts, 15% a mais que em 2015.

Uma das principais preocupações é a concentração das novas usinas em áreas com problemas de água: metade da capacidade aprovada em 2016, 11 gigawatts, encontra-se nessas zonas.

Do ponto de vista político, Pequim precisa avançar com cuidado: a redução da capacidade e o fechamento de minas implicam na perda de dezenas de milhares de empregos como o de Li. Na quarta-feira, o ministro do Emprego, Yin Weimin, previu a perda de meio milhão de postos de trabalho nos setores de aço e carvão neste ano. Em 2016, os cortes de cerca de 725.000 empregos geraram diversos protestos: só em janeiro daquele ano os mineiros protagonizaram 37 incidentes, segundo a ONG China Labour Bulletin, sediada em Hong Kong.

São problemas muito distantes para a agricultora Hei. “Estou feliz de não usar mais carvão. O gás é muito cômodo. E muito limpo”.

A CAPITAL, NA VANGUARDA

Macarena Vidal Liy

Pequim, uma das cidades mais poluídas do país, adotou medidas para eliminar o consumo de carvão. Além de fechar as minas no território municipal, pretende cortar em 30% o uso do mineral neste ano, para deixá-lo abaixo dos 7 milhões de toneladas, frente aos 22 milhões de 2013, e eliminá-lo por completo em seus seis distritos centrais.

Por meio de subsídios, como os oferecidos à agricultora Hei, prevê eliminar o uso das caldeiras de carvão, obsoletas e altamente poluentes, por aquecedores elétricos ou a gás natural. Sua meta para 2020 é ter eliminar o carvão nas 2.400 aldeias de sua planície periférica.

“No ano passado conseguimos transformar 663 aldeias. Neste ano queremos levar a calefação a gás natural ou elétrica a cerca de 700”, afirma Guo Zihua, responsável pelos distritos rurais na prefeitura de Pequim.

Com essas medidas, o governo da capital calcula que a meta de zerar a queima de carvão “estará praticamente cumprida”. “A magnitude dessa política não tem precedentes”, afirma Guo.

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