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Rússia tenta calar acusações de fraude eleitoral com uma revisão do voto eletrônico em Moscou

Comissão Eleitoral rejeita recontagem dos votos emitidos à distância, que varreram de última hora os rivais do partidode Putin

Um homem observa uma tela que mostra centros de votação da Rússia na sede da Comissão Central Eleitoral, no domingo passado.
Um homem observa uma tela que mostra centros de votação da Rússia na sede da Comissão Central Eleitoral, no domingo passado.SHAMIL ZHUMATOV (Reuters)
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As acusações de fraude eleitoral nas eleições legislativas deste fim de semana na Rússia não param. Além das denúncias de urnas sendo preenchidas irregularmente e de eleitores votando várias vezes, destacam-se as queixas sobre o voto eletrônico em Moscou. O pioneiro sufrágio telemático mudou radicalmente o panorama na capital na última hora, resultando em uma vitória esmagadora do partido do presidente Vladimir Putin, o Rússia Unida, que varreu seus rivais em bairros de ideologia tradicionalmente opositora, motivando o alerta da oposição e as acusações de fraude. A Comissão Eleitoral de Moscou, a região onde houve mais denúncias de fraude no país, anunciou nesta quarta-feira que fará uma auditoria do processo do voto eletrônico, mas que seu resultado não será vinculante. Tampouco haverá uma recontagem, como querem os oposicionistas.

As autoridades moscovitas não esclareceram como se dará a revisão, a cargo de uma comissão civil criada antes da eleição justamente para observar o desenrolar da votação eletrônica. Seus integrantes incluem Alexei Venediktov, diretor da rádio Eco de Moscou, de linha crítica ao governo e que tentou impulsionar o voto via internet, e um representante da organização Golos, especializadaem monitoramento eleitoral, que já antes da votação alertava para a possibilidade de fraudes com o novo sistema e criticava a opacidade do voto digital na capital, que teve 1,8 milhão de sufrágios eletrônicos.

A campanha para a eleição parlamentar do fim de semana foi marcada pela repressão da dissidência e o veto à candidatura de destacados opositores, mas o Kremlin disse que a votação transcorreu com “competitividade, transparência e equidade”, além de elogiar o processo de “verificação” do voto a ser feito em Moscou. “Isto aumenta o nível de confiança nos resultados eleitorais”, declarou Dmitri Peskov, porta-voz do presidente Putin. “É uma demonstração de absoluta transparência”, insistiu.

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Seis regiões da Rússia estrearam o voto eletrônico nestas eleições, em que o partidode Putin revalidou sua maioria parlamentar (324 dos 450 assentos; 10 menos que na legislatura passada). Todas, menos Moscou, adotaram uma plataforma federal e publicaram seus dados na noite de domingo, horas depois do fechamento das urnas presenciais e digitais. Os dados da capital, que usou de forma experimental a sua própria plataforma – a qual dava, por exemplo, a opção de mudar o voto a cada três horas depois de depositá-lo pela primeira vez e até o fechamento de urnas – só foram divulgados na tarde seguinte, uma demora que já despertou as suspeitas da oposição.

Putin diante do computador que usou para votar via internet na sexta-feira passada, conforme anunciou o Kremlin.
Putin diante do computador que usou para votar via internet na sexta-feira passada, conforme anunciou o Kremlin. SPUTNIK (Reuters)

A votação eletrônica da capital resultou numa virada em nove distritos eleitorais onde os candidatos a deputados da oposição inicialmente lideravam por ampla margem. Trata-se, na maioria, de candidatos comunistas, independentes ou liberais, que estavam na lista de voto inteligente (voto útil) elaborada pela equipe do detido ativista de oposição Alexei Navalni, que recomendava o candidato com mais chances de derrotar o postulante do Rússia Unida. A lista também circulou na forma de um aplicativo proibido pelas autoridades russas, que descrevem as entidades vinculadas a Navalni como “organizações extremistas”, e bloqueado por gigantes da Internet como Google e Apple depois das pressões do Kremlin.

Anastasia Bryukhanova, candidata independente à Duma (Câmara dos Deputados), apresentou uma denúncia formal à Comissão Eleitoral após ver sua ampla vantagem na apuração ser revertida com a chegada dos votos digitais. “Ainda não sabemos como aconteceu”, diz seu chefe de campanha, Maxim Kaz, “mas os resultados da expressão da vontade popular estão distorcidos”. Bryukhanova, uma das recomendadas por Navalni e franca favorita em seu distrito, está consciente de que sua denúncia provavelmente não dará em nada. “Processaremos, exigiremos a anulação dos resultados, mas na Rússia geralmente os resultados não são anulados”, diz Kaz, que no entanto espera que o processo judicial decorrente dessa denúncia e o depoimento dos membros da equipe que administrou o voto on-line possam ajudar a encontrar respostas.

As perguntas que pairam sobre o processo são: por que a divulgação dos resultados demorou tanto, e por que não houve observadores independentes no minuto final da votação e na apuração dos votos digitais em Moscou. Eles tinham sido autorizados, mas sua permissão para fazer a observação de forma virtual expirou bem no momento do fechamento das urnas. Isso é algo “compatível com o processo”, segundo Artyom Kostyrko, subdiretor do Departamento de Tecnologias da Informação da Prefeitura de Moscou. Ele disse nesta quarta-feira, em um seminário sobre o voto eletrônico, que depois do encerramento da votação e do recebimento dos votos “a observação não é mais necessária”.

Equipe de Navalni vê “fraude maciça”

Os aliados de Navalni falam em “fraude maciça”, e inclusive o Partido Comunista insistiu em que não reconhecer os resultados do voto on-line. A histórica formação política, tradicionalmente considerada leal ao Governo nos temas mais substanciais, convocou um pequeno protesto na segunda-feira na capital e anunciou mais mobilizações. Mas, diante das incessantes queixas e acusações da oposição e de observadores como o grupo Golos e cientistas independentes, as autoridades russas se limitaram a responder com o inócuo anúncio da auditoria. “Uma vez que forem estabelecidos os resultados da votação, só um tribunal tem direito de decidir sobre uma recontagem”, insistiu o vice-presidente da Comissão Eleitoral da cidade de Moscou, Dmitry Reut. “Portanto, não é possível fazer nenhuma recontagem.”

Apesar do caráter não vinculante da auditoria anunciada, Grigory Melkonyants, copresidente da organização de monitoramento eleitoral Golos e membro da comissão civil que fará a auditoria, acredita ser um passo adiante. “É algo bom, um avanço. Embora não se vislumbre que tenha consequências legais, o que detectarmos poderia servir como base legal para futuras ações”, afirma o especialista. Golos foi declarado “agente estrangeiro” pelas autoridades russas e agora só pode atuar como observador na qualidade de convidado de partidos políticos e organizações oficiais.

A presidenta da Comissão Eleitoral, Ella Pamfilova, anunciou que a plataforma específica de voto telemático de Moscou não voltará a ser usada no futuro, sendo substituída exclusivamente pela plataforma federal que, segundo ela, foi usada nas regiões de Nijni Novgorod, Kursk, Yaroslav, Murmansk, Rostov e Sebastopol, anexada pela Rússia da Ucrânia em 2014. Nos últimos tempos, a Rússia concedeu nacionalidade a dezenas de milhares de pessoas residentes nos territórios ucranianos de Donetsk e Lugansk, autoproclamadas repúblicas e onde se desenrola um conflito armado entre as forças de Kiev e os separatistas pró-russos apoiados militar e politicamente pelo Kremlin. Essas pessoas com cidadania russa recém-adquirida também puderam votar on-line.

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