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O mercado já não confia na direita italiana

Escolha dos candidatos para as próximas eleições municipais mostra a falta de quadros dirigentes e o vazio ideológico deixado pela decomposição do partido Força Itália

Matteo Salvini, líder da Liga, e Giorgia Meloni, do Irmãos da Itália, no fórum econômico de Cernobbio.
Matteo Salvini, líder da Liga, e Giorgia Meloni, do Irmãos da Itália, no fórum econômico de Cernobbio.MATTEO BAZZI (EFE)
Daniel Verdú
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A Itália realiza na primeira semana de outubro o último grande evento eleitoral antes que o Parlamento nomeie, em janeiro, o próximo presidente da República, a pessoa que deverá substituir o popular Sergio Mattarella. As eleições municipais nas principais cidades do país (Roma, Turim, Milão, Nápoles, Bolonha...) darão a temperatura aproximada de uma batalha política silenciada pela surdina imposta no Governo de unidade do presidente do Conselho de Ministros, Mario Draghi. As pesquisas, único lembrete da convulsão política anterior a essa era tecnocrática, apontam para algumas mudanças que podem inclinar a balança a favor da direita italiana. Mas seus candidatos, a maioria personagens do segundo escalão político, não entusiasmam os cidadãos nem o setor empresarial que tradicionalmente os apoia. Na falta de uma direita liberal e moderada, os poderes econômicos se sentem incômodos com a deriva nacionalista e o tom agressivo da nova direita.

No último final de semana, no Fórum Ambrosetti, o grande evento econômico do início do ano político, muitos participantes lamentavam o baixo nível dos quadros de um espectro político tradicionalmente próximo. Pela primeira vez em muito tempo, o establishment italiano desconfia da direita e teme sua habilidade de criar problemas com a Europa em pleno boom econômico. Desaparecido do mapa, o partido Força Itália, de Silvio Berlusconi, não tem um aliado claro. “A direita que aspira a governar não tem quadros dirigentes que transmitam confiança. Basta olhar para o que tiveram de suar para conseguir dois candidatos que ninguém conhecia para as duas cidades mais importantes da Itália”, disse um representante histórico desse mundo, na manhã do último sábado, 5 de setembro. Ele se referia a Enrico Michetti, um locutor de rádio local com incômodos arroubos nostálgicos do Império Romano, que tenta se eleger prefeito de Roma, e a Luca Bernardo, um médico desconhecido que pretende disputar a prefeitura de Milão com o atual prefeito social-democrata, Giuseppe Sala.

A coalizão de direita, formada por Irmãos da Itália, Liga e Força Itália, passou meses impondo vetos aos candidatos apresentados por seus parceiros. Não conseguiram entrar em acordo. Havia poucos e sempre demasiado inclinados para um lado. Matteo Salvini, líder da Liga, perdeu agora mais de dez pontos nas pesquisas, mas seu partido cresceu enormemente em poucos anos e o aumento de apoio não foi acompanhado por uma sólida ampliação das lideranças partidárias. O Irmãos da Itália é um partido muito jovem e o Força Itália está em decomposição. Portanto, para essas eleições buscaram candidatos na sociedade civil. “Foi uma loucura. Havia candidatos políticos fortes. O medo da ascensão do Irmãos da Itália foi determinante para cometer esse erro. E para colocar os três partidos de acordo acabaram buscando figuras irrelevantes: tanto em Milão quanto em Roma”, admite um peso-pesado do partido de Giorgia Meloni.

O problema das listas da direita em alguns lugares, como na cidade de Roma, vai além dos cabeças de chapa. Os aspirantes a vereadores emergem de um espectro grotesco que vai desde antivacinas até torcedores de futebol com tatuagens abertamente nazistas, como Francesco Cuomo. Apesar de tudo, o candidato Enrico Michetti lidera as pesquisas. O problema dele, como o de alguns colegas de outras cidades, será o segundo turno, no qual não tem nenhuma possibilidade de vencer. A fotografia de Roma hoje diz que quem ficar em segundo lugar na primeira votação vencerá as eleições no chamado ballottaggio (o segundo turno, que acontece se ninguém atingir 50,1% dos votos no primeiro turno).

O Partido Democrático (PD), que em algumas cidades formará uma coalizão original com o Movimento 5 Estrelas, oferece mais confiança ao establishment. Na capital disputará sem aliados, tendo como candidato o ex-ministro da Economia, Roberto Gualtieri, que almeja o segundo lugar no primeiro turno. Os social-democratas buscaram em suas fileiras alguém de peso para competir com a atual prefeita, Virginia Raggi. “Havia outros candidatos possíveis”, lamenta um membro da Liga. O PD encarna assim de forma mais nítida os desejos de certo mercado italiano: nada melhor do que um ex-ministro da Economia para pôr ordem no caos financeiro e de gestão da capital. Aliás, uma lista de empresários e empreiteiros, tradicionalmente ligados à direita, já demonstrou apoio ao candidato do PD.

O candidato a prefeito de Roma pelo Irmãos da Itália, Enrico Michetti (à direita), e seu assessor Francesco Cuomo, durante a apresentação de candidaturas no último dia 7.
O candidato a prefeito de Roma pelo Irmãos da Itália, Enrico Michetti (à direita), e seu assessor Francesco Cuomo, durante a apresentação de candidaturas no último dia 7. Stefano Montesi / GEtty

A falta de quadros políticos, todos concordam, é a principal causa da desconexão da direita com o mundo que tradicionalmente a apoiou. Roberto D’Alimonte, analista político e especialista em pesquisas, atribui a autoria do problema ao ultradireitista Matteo Salvini. “Fez uma grande operação de metamorfose com a Liga, transformando um partido regional em nacional e nacionalista. Passou de 4% de apoio a 33%. Mas agora o partido deve passar por outra mutação e se tornar a formação de referência da direita moderada. O apoio ao Governo de Draghi parecia parte desse plano, mas Salvini não o está levando a cabo até o fim. Parece ter dúvidas. Diz sim a Draghi, mas continua usando uma retórica populista por medo do crescimento de Meloni. E o establishment não avaliza essas incoerências”.

O lento desaparecimento do Força Itália, devido à obsessão de Berlusconi em se perpetuar à frente do único partido que representava uma direita moderada, deixou espaço aos populismos nesse espectro ideológico. Giuliano Urbani, um dos fundadores da formação em 1994 e ex-ministro da Cultura entre 2001 e 2005, acredita que o sonho do partido liberal de massas ficou incompleto. “Não tivemos sucesso por causa da falta de uma classe dirigente. O sonho se desvaneceu, porque não pudemos ocupar esse espaço. Mas agora também acontece o mesmo. A direita escolheu o populismo, o protesto. E isso produziu uma classe dirigente como o próprio Salvini, capaz de dizer o que não quer, mas incapaz de propor ideias para o desenvolvimento ou para a geração de riqueza”, destaca.

O único candidato da direita que parece em condições de seduzir por si mesmo o eleitorado e parte do poder econômico é Paolo Damilano, empresário que concorre como cabeça de lista em Turim. A capital piemontesa é governada há cinco anos por Chiara Appendino, uma das duas mulheres do Movimento 5 Estrelas que conseguiram conquistar grandes cidades nas eleições de 2016 (junto com Virginia Raggi, em Roma). A cidade, um dos motores econômicos da Itália, foi então entregue a ela, justamente por seu currículo e proximidade com as classes dirigentes. Mas tampouco funcionou e hoje é a grande esperança da direita nas próximas eleições municipais.

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