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Polícia da Espanha conclui que brasileiro morreu depois de ser espancado por seis minutos

Os cinco detidos pelo crime contra Samuel Luiz também são acusados de tentativa de homicídio contra imigrante senegalês que arriscou a vida para tentar ajudar o rapaz

Samuel Luiz asesinato
Altar colocado no local onde Samuel Luiz foi espancado até a morte.Óscar Corral
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Agresion homofoba Samuel Luiz
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GRAF6647. LA CORUÑA, 09/07/2021.- Agentes de la Policía Nacional conducen a uno de los cuatro detenidos por el homicidio de Samuel Luiz este viernes al interior de los juzgados de la Coruña. Los cuatro jóvenes de entre 20 y 25 años detenidos como presuntos autores de la brutal paliza mortal a Samuel en la madrugada del pasado sábado pasaron hoy a disposición de la titular del Juzgado número 1 de La Coruña, informan fuentes del Tribunal Superior de Justicia de Galicia (TSXG). EFE/Cabalar
Ataque homofóbico que matou jovem na Espanha reproduz comportamento violento estudado em chimpanzés
FILE PHOTO: Demonstrators march as they protest against Hungarian Prime Minister Viktor Orban and the latest anti-LGBTQ law in Budapest, Hungary, June 14, 2021. REUTERS/Marton Monus/File Photo
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Foram seis os minutos de brutal violência que na madrugada do dia 3 de julho acabaram com a vida de Samuel Luiz, e do primeiro ao último minuto Ibrahima Shakur arriscou a vida para tentar salvar o jovem de um espancamento que acabou sendo fatal. A remoção do sigilo que até esta segunda-feira pesava na investigação judicial revela que o senegalês de 38 anos, que com sua compatriota Magatte foi o único das muitas testemunhas da agressão que tentaram evitar o crime, recebeu contínuos golpes ao interpor seu corpo entre os detidos e a vítima. A juíza do caso decidiu também indiciar cinco dos seis investigados pelo crime de Samuel, dois deles menores de idade, por tentativa de homicídio contra Ibrahima, segundo revelaram os responsáveis pela investigação em entrevista coletiva realizada em A Coruña.

O crime ocorrido no calçadão à beira-mar da cidade causou uma onda internacional de protestos promovidos por grupos LGBTIQ porque o homem que agrediu Samuel em um primeiro momento o encarou chamando-o de “bicha”. O insulto não foi registrado no primeiro boletim de ocorrência sobre o crime porque foi uma “audiência muito rápida” e “sucinta”, explicam os investigadores, embora a amiga que acompanhava o jovem naquela noite afirme que relatou isso para os policiais. A instrução do processo, que inclui esses dados, por ora não acusa os agressores de crime de ódio porque “até o dia de hoje” a motivação homofóbica não foi comprovada. Contudo, é uma linha de investigação que ainda está aberta, explica José Luis Balseiro, chefe superior da Polícia da Galícia. “Isso foi surgindo com o passar do tempo, com os depoimentos e outras provas, mas não está finalizado”, explica Balseiro, que insiste em que caberá à juíza ao longo da instrução do processo determinar se se trata de um crime homofóbico.

Um mês após a tragédia, foram coletados 41 depoimentos. A reconstituição dos acontecimentos, por meio desses testemunhos, das filmagens, dos registos, da análise dos celulares e do acompanhamento das redes sociais, confirma que os agressores de Samuel não o conheciam e que o cercaram e espancaram na saída do bar El Andén depois de pensar erroneamente que a vítima e a amiga que o acompanhava estavam gravando-os com seu celular. Foi uma “agressão contínua e em diferentes fases ao longo de 150 metros” perpetrada por um “grupo de amigos e conhecidos” entre 16 e 25 anos de idade, disse o delegado do Governo da Galícia, José Miñones, entre 2h58 e 4h04 da madrugada. Ibrahima Shakur e Magatte, dois imigrantes que até agora não tinham documentos, receberam uma autorização de residência e de trabalho na Espanha por sua “atitude humanitária” no socorro ao jovem que acabou sendo morto. “É o mínimo que a sociedade espanhola pode fazer”, defende Miñones.

Dois exames de DNA embasam a acusação contra os dois principais envolvidos no espancamento, o detido que iniciou a agressão e um amigo dele que saiu bar e que, segundo a investigação, surpreendeu Samuel pelas costas agarrando-o pelo pescoço. A namorada do primeiro está em liberdade, mas indiciada e com medidas cautelares, porque não participou diretamente do espancamento e só é acusada de encobrimento enquanto outro dos que estão presos é acusado de apropriação indébita, além de homicídio, por ter levado o celular de Samuel. A polícia explica que o depoimento de várias testemunhas oculares permitiu a localização dos suspeitos no mesmo dia dos fatos, e que eles foram monitorados por três dias até sua prisão enquanto as gravações das câmeras eram analisadas e mais pessoas presentes no local eram interrogadas. “Trabalhamos com prudência e responsabilidade” para esclarecer “este crime indescritível”, assinala o delegado do Governo da Galícia.

As investigações comprovaram que os agressores, além de socos e chutes, usaram uma garrafa de vidro. As análises que estão sendo feitas procuram elucidar se também foi usado como arma um instrumento metálico do qual não foram dados mais pormenores. Também se buscam vestígios de DNA dos demais indiciados em uma peça de roupa. A polícia revela que várias testemunhas afirmam que um dos agressores portava uma navalha. Os resultados da autópsia descartam a existência de um único golpe fatal e, portanto, de um único autor material do homicídio de Samuel. O traumatismo cranioencefálico que acabou com a vida do jovem de 24 anos, que combinava seu trabalho como auxiliar de enfermagem em uma casa de repouso de idosos com os estudos como técnico de prótese dentária, foi causado por vários socos e chutes, e não por um especificamente.

Pedro Agudo, comissário-chefe da brigada provincial da Polícia Judiciária, afirma que a colaboração dos detidos, três deles mantidos numa prisão e os dois menores de idade, num centro de internação, tem sido “nula”. Agudo, que liderou uma investigação da qual participaram especialistas em crimes telemáticos, revela que os réus chegaram a deletar de suas redes sociais as conversas que mantiveram depois do crime. Para o comissário, o que aconteceu em A Coruña no dia 3 de julho “marca um antes e um depois” pelo fato de pessoas sem antecedentes criminais terem participado de um linchamento fatal. Agudo afirma que o crime de que Samuel foi vítima não é comparável ao espancamento ocorrido em Amorebieta— no norte da Espanha — porque “as pessoas que participaram do caso em A Coruña não estavam registradas como delinquentes”.

A operação para apurar os responsáveis pelo homicídio continua em aberto e pode ainda haver mais prisões. Há poucos dias, a família e os amigos da vítima retiraram as flores e as velas com que os chocados moradores de a Coruña homenagearam Samuel no número 2 da Avenida Buenos Aires, local onde lhe tiraram a vida. Só assim sentem que podem começar a tentar “virar a página”, declararam a vários meios de comunicação.

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