Chefe da polícia colombiana: “Nossa força policial não tem ideologias”
General Jorge Luis Vargas defende credibilidade de uma instituição abalada após a morte de manifestantes. “Nossa lógica é de segurança pública, não de guerra”
Para chegar ao gabinete do general Jorge Luis Vargas, chefe da Polícia Nacional da Colômbia, é preciso atravessar quatro arcos de segurança e um pátio central onde um pároco de casula roxa celebra uma missa. Os retratos a óleo de Simón Bolívar e Francisco de Paula Santander, heróis da independência, pendem das paredes de uma pequena sala de espera. Vargas, 54 anos, de óculos e farda, espigado, fibroso, liderou as missões que resultaram no fim da carreira de guerrilheiros históricos das FARC, como Raúl Reyes. Apenas quatro meses depois de ascender ao atual cargo, enfrenta uma grande crise de credibilidade na instituição que dirige. Nos protestos contra o Governo, policiais usaram armas letais contra manifestantes, o que alarmou a comunidade internacional.
Pergunta. Como chegamos a este enfrentamento entre a polícia e uma parte da própria sociedade colombiana?
Resposta. É preciso diferenciar duas coisas. Primeiro, a manifestação pública e pacífica. Durante os últimos dias, milhares de colombianos se manifestaram pública e pacificamente. Depois, houve muitíssima violência, distúrbios, vandalismos, morreu gente por causa dos bloqueios. São duas coisas separadas. O que fizemos foi cumprir nosso dever. Agiu-se onde há delito.
P. 55% dos cidadãos têm uma imagem negativa da polícia. Isso lhe preocupa?
R. Se você ler essa pesquisa pelo outro lado, somos a quarta entidade do Estado sobre a qual se tem uma opinião mais favorável. Outra pesquisa dos últimos dias pergunta às pessoas se elas estão de acordo com o nosso trabalho, e 76% afirmam que sim. Estou há quatro meses como diretor-geral. Há dois meses propus ao país um fortalecimento da atividade policial, uma mudança do regime disciplinador e o fortalecimento dos direitos humanos. Aconteceu isto [os protestos], mas estamos mudando o uniforme para o azul.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiP. O verde é associado aos militares.
R. O verde cumpriu uma etapa. Hoje aderimos aos padrões universais de comportamento do policial, e estas transformações são de fundo, no Congresso, em um debate democrático, com uma grande carga de melhora salarial para os nossos policiais. Estava nisso.
P. Essa reforma deveria incluir que a polícia saia do Ministério da Defesa e passe ao do Interior?
R. O âmbito de defesa na Colômbia é diferente de qualquer outro no mundo. Os fatores que historicamente perturbaram a convivência estão atravessados pelo narcotráfico, é o principal problema da Colômbia. Ele gera corrupção e morte. São os que pagam aos grupos armados organizados. A quantidade de fuzis que eles têm é paga pela cocaína e a maconha. Passar a outro ministério tem que garantir a não ingerência política da força pública (sua neutralidade).
P. Óscar Naranjo [conhecido ex-general da polícia], com quem o senhor tem proximidade, escreveu que a polícia era boa para a guerra. Isso quer dizer que não funciona em um momento de paz?
R. Não estou de acordo com isso. Nossa lógica é de segurança pública, não de guerra.
P. Como tem que ser a polícia depois do processo de paz?
R. É a polícia que hoje fortalecemos com estas atividades. Uma polícia que está mudando seu código disciplinador, que está mudando toda a dinâmica da nossa atuação. Trabalhamos com a Suécia nas práticas de proximidade e atuação. Estou nisso.
P. Leio um editorial do círculo de coronéis da Polícia Nacional: “Os protestos na Colômbia não são uma eclosão social, e sim um eufemismo que não tem nada a ver com as reivindicações legítimas de uma sociedade”. Isso não pode estigmatizar o protesto?
R. Quero reiterar que isto é uma democracia. O círculo de generais não é parte ativa da polícia. Eles podem dar sua opinião como bem entenderem, e não são os porta-vozes oficiais da polícia.
P. A questão da revolução molecular dissipada [o conceito de um teórico chileno difundido na Colômbia pelo ex-presidente Álvaro Uribe, e que os analistas consideram um instrumento para justificar a violência policial] se instalou na corporação?
R. Não, a polícia não tem ideologias. Estudamos todo o contexto científico do que acontece no mundo, mas esta é uma polícia que cumpre a lei.
P. E esta tese foi estudada?
R. Em nossas academias estudamos de tudo.
P. Incluída esta tese.
R. Não, não. Isto não faz parte de nenhum dos textos oficiais da Polícia Nacional.
P. Uma das exigências dos manifestantes é que haja mudanças nas tropas de choque. A sua reforma contempla algo nesse sentido?
R. Atualmente, 106 corporações no mundo têm ferramentas de polícia com características similares ao nosso corpo antimotins. Inclusive esses corpos têm armas. Não os nossos.
P. No contexto dos protestos, como chegamos a essas cenas de policiais utilizando armas letais?
R. Onde vimos policiais com armas de fogo foi em distúrbios, e está sendo investigada qual era sua atuação. Já foram abertas 107 investigações. Pedi à procuradora uma supervigilância de todas as atuações. Dos vídeos que circulam, encontraram 10 casos.
P. Que tipos de crimes são investigados?
R. Abusos de autoridade, homicídio…
P. Quantos agentes estão detidos?
R. Já são três oficiais capturados. Um por homicídio por um fato ocorrido em Madrid [localidade no departamento de Cundinamarca onde foi morto a tiros um homem de 24 anos, Bryan Fernando Niño]. E outros dois mais pelo caso de Ibagué, duas pessoas capturadas [pelo assassinato de Santiago Murillo, um jovem de 19 anos que voltava para casa].
P. O senhor soube desse caso de Cali em que um policial de moto levou um chute de um jovem que se chama Kevin Antoni Agudelo...
R. O procurador-geral da nação se pronunciou ontem sobre o fato e está claro pelas atuações que o Ministério Público está fazendo...
P. Mas vocês não se ocuparam dessa atuação assim que viram aquelas imagens? Vê-se claramente que o policial, de quem é fácil ver o rosto, persegue o garoto e lhe atira pelas costas.
R. Está nas mãos da Procuradoria da Nação, por poder preferencial. A procuradoria é o ente superior disciplinador de todos os funcionários públicos. Ontem o procurador anunciou o avanço investigativo e tenho certeza de que será esclarecido. Qualquer ato que um policial cometer contra a lei é rechaçado de forma contundente, já disse isso à Colômbia, já disse à comissária da ONU aqui no gabinete: é rechaçado, taxativamente. Para quem tem uma responsabilidade individual, esperamos que lhe caia todo o peso da lei. E seremos os primeiros a pedir perdão quando for determinado. Também quero lhe dizer que a polícia está sob ataque.
P. De que maneira?
R. Notícias falsas. Bots estrangeiros impondo tendências. Estamos trabalhando com aliados internacionais para que nos digam de onde vêm esses ataques sistemáticos. Hackearam sites das polícias para fazer montagens. Há ataques de desinformação contra a polícia. Eu defendo a democracia com minha vida. Mas capturamos os grandes narcotraficantes e terroristas do país. Muito certamente, para os delinquentes, acabar com a polícia é um de seus ideais. Para que a Colômbia sofra e esteja mergulhada no crime.
P. Há territórios muito extensos em Cali onde a polícia não tem o controle. A polícia está preparada para eliminar esses bloqueios, ou isso acabaria em mais violência?
R. Há vários dias esses bloqueios vêm sendo retirados. Restam alguns, mas as autoridades de Cali e o Governo nacional estão iniciando diálogos. E nisso estamos. Acompanhamos esse diálogo.
P. Está satisfeito com a atuação do general Zapateiro [comandante militar de Cali, onde houve mais mortes e até cenas de guerra urbana em alguns bairros]?
R. Ele cumpre seu dever. É um grande militar e um grande soldado da Colômbia.
Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.