Peru vai às urnas com eleitorado desiludido e seis candidatos com chances de ir a segundo turno
Pesquisas projetam panorama incerto, num país que se pergunta quanto tempo o próximo presidente vai durar no poder. Peruanos tiveram quatro mandatários nos últimos cinco anos, sendo que o primeiro, Pedro Pablo Kuczynski, caiu por denúncias da Lava Jato peruana
A última pesquisa eleitoral começou a ser veiculada nas redes sociais na tarde de sábado, 10. Os peruanos viveram nas últimas semanas colados às pesquisas que, ao invés de esclarecer incógnitas, abriram cada vez mais questionamentos diante das eleições presidenciais que acontecem neste domingo. Há seis candidatos com chances de ir para um segundo turno, no que promete ser as eleições mais apertadas da história do Peru, que soma uma população de 32,5 milhões de pessoas. Nenhum nome excede 13% na estimativa de votos e a distância entre os seis primeiros é mínima. Como se fosse uma maratona, os candidatos vão se destacando para ser o primeiro lugar, mas sem despertar a menor ilusão no eleitorado. Os eleitores vão às urnas tão desencantados que o tópico de conversa favorito é ponderar quanto tempo o próximo presidente pode durar. Um país que em 10 dias teve três presidentes em novembro passado sabe como um mandato pode ser efêmero.
“Você conhece alguém que vota em Pedro Castilllo?” é uma pergunta recorrente às vésperas das eleições. O professor de escola sindicalista, líder do Peru Livre, é o que mais chances parece ter neste domingo, com 12,8% das intenções de votos, segundo o último levantamento. Em Lima, onde reside um quarto da população, porém, Castillo mal consegue 4% dos votos. O professor, considerado de esquerda radical, ficou conhecido em 2017 por liderar protestos massivos contra a avaliação periódica de professores. Quatro anos depois, com seu chapéu de aba larga típico da região andina onde nasceu, faz campanha montado a cavalo, e acaricia o sonho de chegar à presidência do país.
Castillo, que tem em seu círculo mais próximo admiradores de líderes norte-coreanos, propõe derrubar o Tribunal Constitucional se ele chegar ao poder e se manifestou abertamente contra o aborto, o casamento homossexual, a eutanásia e a abordagem de gênero na escola. “É preciso defender a família na escola”, diz ele, preocupado de que “essa ideologia entre na cabeça das crianças”.
Atrás do líder do Peru Livre, estão os dois candidatos conservadores Keiko Fujimori e Hernando de Soto, que mal se separam por um punhado de votos. Ambos lutam pelo mesmo nicho de eleitores, entre os quais estão os irredutíveis do fujimorismo e os conservadores que viraram as costas à filha do autocrata Alberto Fujimori, envolvida, como seu pai que está preso, em um processo judicial por corrupção. O líder da Renovação Popular, Rafael López Aliaga, também chega à batalha final nas urnas. Um político conservador que se autodenomina Porky, celibatário confesso e apaixonado pela Virgem. Assegura que usa um cilício, espécie de cinta de metal para penitência, diariamente. A líder moderada da esquerda, Verónika Mendoza, também tema possibilidade de chegar ao segundo turno, com 9% de votos nas pesquisas.
Um total de 25.287.954 eleitores decidirão (no Peru, o voto é obrigatório) em meio ao pior momento da pandemia do coronavírus. O Ministério da Saúde informou no sábado que 384 pessoas morreram de covid-19 na sexta-feira, o maior número diário registrado. Além dos dados oficiais, o número real é desconhecido. Os hospitais estão colapsados e centenas de pessoas fazem filas intermináveis para obter oxigênio para seus parentes infectados, que estão sendo tratados (e morrendo) em casa devido à falta de leitos nos centros médicos.
Dos seis candidatos com chances de ir ao segundo turno das eleições presidenciais neste domingo, apenas dois representam forças de esquerda: o próprio Castillo, de esquerda radical e socialmente conservador, e Verónika Mendoza, progressista, alinhada a uma social-democracia mais clássica. Em janeiro, em meio à segunda onda de covid-19, muitas famílias peruanas começaram a vender suas mercadorias para comprar oxigênio, cenário que se vem se repetindo até agora. Mendoza anunciou então que se chegasse à presidência faria uso de um artigo da Lei Geral de Saúde que permite ao Estado assumir o controle temporário da produção de oxigênio e, assim, garantir o abastecimento. A proposta causou espanto entre seus detratores e também na maioria da imprensa peruana, que interpretou a medida como uma tentativa de expropriar o setor privado.
“Os peruanos precisam decidir se querem que o país se transforme em Cuba ou na Venezuela”, disse Keiko Fujimori em entrevista a uma rádio nesta sexta-feira, prometendo “mão forte para salvar o Peru novamente”. O estigma contra a esquerda ainda está muito presente no Peru. Políticos e a imprensa conservadora alimentam uma campanha de medo que tenta vincular a esquerda ao terrorismo do Sendero Luminoso, de um lado, e ao chavismo, de outro. Os conservadores colocam Mendoza e Castillo no mesmo balaio do que consideram uma “esquerda radical”.
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Clique aquiDurante a campanha eleitoral, a pergunta que Mendoza, candidata pelo Juntos pelo Peru, mais respondeu nos últimos tempos é se a Venezuela é uma ditadura. A psicóloga, que concorreu à presidência pela primeira vez em 2016, descreveu então o governo de Nicolás Maduro como “uma democracia fraca”, mas em fevereiro de 2018 retificou: “Sim, posso dizer que a Venezuela é uma ditadura”. Desde então, continua repetindo essa leitura em todas as entrevistas. Mendoza venceu os dois debates de candidatura televisionados durante a campanha, segundo as porcentagens veiculadas por canais de televisão e dois jornais de Lima. Mas ainda assim, nunca realmente disparou nas pesquisas. “Ele é muito progressista para a maioria do Peru, sua chegada é para um setor mais educado do país”, explicou à imprensa estrangeira o diretor de pesquisa da Ipsos Peru, Alfredo Torres, que avalia que o motivo de Castillo estar à frente tem origem na crise econômica e social decorrente da pandemia: “Em tempos de instabilidade como este, o espírito mais radical é mais atraente”.
O Peru enfrenta o momento perfeito para a anti-política. A credibilidade das instituições do país é nula, com 6 dos últimos 7 presidentes acusados de corrupção. Os partidos tradicionais carecem de peso, arrasados por candidatos que respondem apenas a diferentes grupos de interesses ―econômicos ou religiosos e abraçam uma sigla provisoriamente, sem qualquer ideologia ou militância por trás. Único partido com histórico de disputa pelo segundo turno, o Ação Popular, mostra como é difícil entender a política peruana. É um partido de centro-direita cujo candidato, Yonhy Lescano, é um populista com algumas propostas econômicas de esquerda e um conservador social. Lescano liderou as pesquisas entre fevereiro e março, mas suas forças diminuíram nos últimos dias.
“Ama quella, ama sua, ama llulla” [”Não seja preguiçoso, não roube, não seja mentiroso”] diz o lema de Lescano contra a corrupção. Frase que o candidato atribui ao império dos Incas, o que historiadores negam. A corrupção é outra chave dessas eleições, causa do enorme descontentamento dos eleitores com a política e considerada pelos peruanos o primeiro problema do país. O grande escândalo começou em 2016, quando o caso Odebrecht revelou os contratos ilegais entre a construtora brasileira e os governos dos ex-presidentes Alejandro Toledo, Alan García [que se suicidou em 2019 antes de ser preso], Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski. Mas os ex-presidentes são apenas a ponta do iceberg. Prefeitos, juízes, congressistas e promotores têm desfilado perante os tribunais por ilegalidades de todos os tipos.
Em meio às entradas e saídas do presídio dos mais reconhecidos cargos públicos, tudo voltou a explodir em novembro do ano passado. Um grupo de parlamentares, protegido por um artigo da Constituição, tirou do poder o presidente Martín Vizcarra em novembro do ano passado, o que foi considerado uma espécie de golpe de Estado. Enormes protestos liderados por jovens encheram as ruas por uma semana. A violenta repressão policial acabou com a vida de dois deles e a pressão forçou a demissão do presidente interino, Manuel Merino, o que obrigou o Congresso a buscar um substituto rapidamente, o atual Francisco Sagasti, encarregado de conduzir o país às eleições, que terá seu segundo turno em junho. Se o Peru tinha alguma esperança de superar a profunda crise política que começou há cinco anos, não parece que será neste domingo.