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Casa Branca terá só seis horas para ser redecorada. Como será a dos Biden?

Decoradores dormindo no porão, obras de arte no Salão Oval e antiguidades vendidas por ninharia em bazares de luxo: a história decorativa da residência presidencial dos EUA tem sido tudo, menos serena

O Salão Vermelho, uma das dependências públicas mais emblemáticas da Casa Branca, e que foi objeto de redecorações mais ou menos agressivas ao longo da sua história. A última, sob Melania Trump, limitou-se a uma mudança nas cortinas.
O Salão Vermelho, uma das dependências públicas mais emblemáticas da Casa Branca, e que foi objeto de redecorações mais ou menos agressivas ao longo da sua história. A última, sob Melania Trump, limitou-se a uma mudança nas cortinas.The White House Historical Association
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As mudanças da Casa Branca acontecem nos bastidores. Na manhã da posse, quando o presidente em fim de mandato deixa a residência oficial para ir à cerimônia de transmissão de poderes no Capitólio (da qual Donald Trump já avisou que não vai participar), começa uma frenética dança de móveis, quadros, roupas e demais objetos. Os funcionários têm aproximadamente seis horas para completar a mudança de cenário antes de receber os novos inquilinos como se nada tivesse acontecido. “A cena é como a de um desenho animado acelerado”, descrevia o decorador Michael S. Smith, criador dos funcionais interiores da era Obama, durante a apresentação, em setembro de 2020, do seu livro Designing History: The Extraordinary Art & Style of the Obama White House (“desenhando a história: a arte e o estilo extraordinário da Casa Branca dos Obamas”). Na noite que antecedeu à chegada da família Obama, Smith dormiu em uma sala do porão da mansão. Foi uma concessão de George W. e Barbara Bush, pois os decoradores não têm autorização para intervir nos interiores antes do dia da posse. É então, também, que os gostos da primeira-dama, responsável pela decoração por obrigação do cargo, são expostos.

Nesta quarta-feira a cena se repetirá quando Donald e Melania Trump deixarem a residência para Joe e Jill Biden. A mudança neste ano será mais complicada. Será feita uma limpeza de cima a baixo na ala oeste da Casa Branca, onde fica o Salão Oval, por razões de segurança sanitária. Mas por enquanto não se sabe quem será o decorador escolhido pelo casal. Os presidentes têm permissão legal para decorar ao seu gosto, embora estejam obrigados desde 1963 a proteger o caráter museológico das dependências públicas visitadas anualmente por milhares de pessoas, se uma pandemia não impedir.

“Com a decoração da Casa Branca você nunca pode ganhar, sempre tem alguém que não gosta”, dizia Smith. Seu trabalho se destacou por encher as paredes da mansão, pela primeira vez na história, com obras contemporâneas, como os quadros abstratos de Josef Albers, as peças entre o expressionismo e o pop-art de Robert Rauschenberg e o colorido trabalho da pintora afro-americana Alma Thomas. Inclusive duas solitárias casas de Edward Hopper estiveram penduradas no gabinete presidencial.

Capa do livro que Michael S. Smith publicou com a história decorativa da Casa Branca depois da renovação feita pelo casal Obama.
Capa do livro que Michael S. Smith publicou com a história decorativa da Casa Branca depois da renovação feita pelo casal Obama.

O estilo georgiano de Biden

A única pista que existe sobre o estilo dos Biden é sua preferência pela arquitetura georgiana, importada pelos imigrantes britânicos entre os séculos XVII e XVIII, em sua versão mais moderna. A conhecida afeição do novo presidente pelos investimentos imobiliários, além de algumas polêmicas, revela um catálogo destas propriedades típicas dos subúrbios ricos dos EUA. Neste estilo se emolduram a residência que possuem no luxuoso bairro de Greenville e uma casa de veraneio no Parque Estadual de Cape Henlopen, ambas no Estado de Delaware.

Fachada da casa de Joe Biden em Greenville, Delaware, uma das mansões georgianas onde o presidente-eleito dos Estados Unidos gosta de investir.
Fachada da casa de Joe Biden em Greenville, Delaware, uma das mansões georgianas onde o presidente-eleito dos Estados Unidos gosta de investir.William Thomas Cain (Getty Images)

Mas o exemplo mais claro é a mansão DuPont, adquirida em 1975 pelo então jovem senador por 185.000 dólares e vendida em 1996 por 7,78 milhões de reais (pelo câmbio atual). Trata-se de um dos vários casarões construídos pelos descendentes do bilionário químico francês Samuel du Pont. Não seria desatinado que os Biden recorressem aos especialistas da casa-museu Winterthur, que abriga o extenso acervo de artes decorativas de Henry Francis du Pont, que foi assessor e amigo de Jacqueline Kennedy, e fica a apenas 6,5 quilômetros da sua casa em Delaware. É uma possibilidade mencionada pelo jornal local Delaware Online e que prenuncia uma aposta no clássico.

Bazares presidenciais

Os interiores neoclássicos da mansão presidencial, que George Washington mandou construir em 1790, têm um passado conturbado. Quando os Kennedy se mudaram para lá, em 1961, a primeira-dama observou, consternada, que os tesouros da residência tinham desaparecido. Não havia nem sinal da porcelana chinesa adquirida por seu primeiro inquilino, John Adams, nem do extravagante mobiliário estilo império trazido da França por James Monroe, nem dos grandes candelabros dos interiores, estilo Era Dourada, de Ulysses S. Grant.

Jacqueline Kennedy seleciona peças que recuperou para a coleção da Casa Branca, na época em que reformou os cômodos da residência presidencial.
Jacqueline Kennedy seleciona peças que recuperou para a coleção da Casa Branca, na época em que reformou os cômodos da residência presidencial.ED CLARK (The LIFE Picture Collection via )
Jackie Kennedy mostra um candelabro de James Monroe.
Jackie Kennedy mostra um candelabro de James Monroe.Ed Clark (The LIFE Picture Collection)

Durante quase 200 anos, os presidentes que entravam tinham autorização para organizar uma espécie de bazar com os móveis e objetos de seus antecessores, se o orçamento oficial não fosse suficiente para adaptar a decoração ao seu gosto. “Essa espécie de venda de garagem foi algo muito lamentável”, comentava William Allman, curador da residência presidencial entre 2002 e 2017, numa entrevista à Associação Histórica da Casa Branca. Isto fez que móveis, baixelas e todo tipo de objetos decorativos ficassem espalhados entre as mansões de Washington, após serem adquiridos por compradores que nem sempre sabiam apreciar seu valor.

A secretária da Comissão de Belas Artes Janet Felton (esquerda) e a comissária da Casa Branca Lorraine Pearce (centro) examinam com Jackie Kennedy a Sala Azul em 1961. |
A secretária da Comissão de Belas Artes Janet Felton (esquerda) e a comissária da Casa Branca Lorraine Pearce (centro) examinam com Jackie Kennedy a Sala Azul em 1961. |Ed Clark (The LIFE Picture Collection via )

Jackie Kennedy se apressou a criar o Comitê de Belas Artes que se encarregou de abrir uma convocação pública para recuperar as peças perdidas, e para isso contratou Lorraine Waxman Pearce, uma jovem especialista em antiguidades, que se tornou a primeira conservadora oficial da Casa Branca. À equipe se uniu a decoradora Sister Parish, lendária por decorar as casas dos ricos com modernizados interiores inspirados no interior inglês. A relação com ambas não durou muito. Contam as más línguas que se desfez da primeira por tomar decisões sem consultá-la, e da segunda por ter dado um chutinho em Caroline Kennedy sob a mesa.

As reformas de Melania Trump

Depois do assassinato de JFK, em agosto de 1963, o presidente Lyndon Johnson aprovou por ordem executiva a criação do Comitê para a Preservação da Casa Branca e do cargo oficial de curador, atualmente ocupado por Lydia Tederick, nomeada em 2017 por Donald Trump. “As principais mudanças ocorrem nas dependências privadas e no Salão Oval, que não estão sujeitos ao caráter museológico obrigatório”, explicava Allman. Para isso, podem ser usadas todas as antiguidades recuperadas ao longo dos anos, ou quadros emprestados das principais pinacotecas do país.

O Salão Verde com as novas cortinas que colocou Melania Trump, decorado neste Natal. |
O Salão Verde com as novas cortinas que colocou Melania Trump, decorado neste Natal. |Getty (The Washington Post via Getty Im)

Os Trump deixam uma Casa Branca com várias de suas salas públicas renovadas, mas sem ter revelado se enfeitaram as áreas privadas com o carregado estilo versalhesco de seu apartamento-palácio de Manhattan. Melania Trump contratou para isso a decoradora Tham Kannalikham, uma desconhecida interiorista que começou sua carreira nos escritórios de Ralph Lauren e nunca deu uma entrevista. Apesar do conhecido desprezo da primeira-dama pelos enfeites de Natal ―“Quem se importa com eles? Mas tenho que fazer, não é verdade?”, disse em uma gravação vazada por sua ex-amiga e ex-assessora Stephanie Winston―, ela fiscalizou a reforma dos três salões de recepção do número 1.600 da avenida Pensilvânia.

O Salão Vermelho decorado para o Natal de 2015 por Michelle Obama. |
O Salão Vermelho decorado para o Natal de 2015 por Michelle Obama. |Mark Wilson (Getty Images)
A mesma habitação decorada para as festas por Melania Trump. |
A mesma habitação decorada para as festas por Melania Trump. | Chip Somodevilla (Getty Images)

Com a ajuda dos conservadores da casa, substituiu o papel de parede do Salão Vermelho (ao final do artigo, as imagens com sua evolução sob diferentes presidentes) e as cortinas do Salão Verde, além de restaurar os móveis de estilo império do Salão Azul. Estes últimos são as peças mais antigas do acervo presidencial, adquiridas por Monroe do francês Pierre-Antoine Bellang, ourives de Napoleão e das realezas europeias, depois do incêndio provocado pelas tropas britânicas em Washington em 1814. Também restaurou o pavilhão de tênis e substituiu o colorido Jardim das Rosas, desenhado pela jardineira dos Kennedy, Rachel Lambert Mellon, por uma gama cromática em que prepondera o branco.

Assim que Trump chegou à Casa Branca, muitos viram um reflexo do gosto carregado do casal na decoração escolhida para o Salão Oval, onde optaram por manter a famosa mesa Resolute, presente da rainha Vitória ao mandatário Rutherford B. Hayes em 1880. Entretanto, as cortinas douradas pertenciam aos tempos de Clinton, os clássicos sofás beges foram recuperados da era Bush, e o tapete com o emblema da águia de cabeça branca, adotado por Benjamin Franklin em 1782, dos Reagan.

O Salão Vermelho na época de Lincoln, pintado pelo artista contemporâneo Peter Waddell.
O Salão Vermelho na época de Lincoln, pintado pelo artista contemporâneo Peter Waddell.
Fotografia do Salão Vermelho feita entre 1884 e 1885, durante a presidência de Chester A. Arthur ou de Grover Cleveland. |
Fotografia do Salão Vermelho feita entre 1884 e 1885, durante a presidência de Chester A. Arthur ou de Grover Cleveland. |Librería del Congreso
Em 1902, o presidente Roosevelt empreendeu a primeira grande reforma da Casa Branca, sob a direção do arquiteto Charles Follen McKim, da firma de Nova York McKim, Mead and White. Foi assim que deixou o Salão Vermelho. |
Em 1902, o presidente Roosevelt empreendeu a primeira grande reforma da Casa Branca, sob a direção do arquiteto Charles Follen McKim, da firma de Nova York McKim, Mead and White. Foi assim que deixou o Salão Vermelho. |Library of Congress
Jackie Kennedy redecorou o Salão Vermelho em 1962, com móveis americanos de estilo imperial da coleção da Casa Branca e outros que foram inspirados nos armários norte-americanos da década de 1820.
Jackie Kennedy redecorou o Salão Vermelho em 1962, com móveis americanos de estilo imperial da coleção da Casa Branca e outros que foram inspirados nos armários norte-americanos da década de 1820.John F. Kennedy Presidential Library and Museum/NARA
O Salão Vermelho nos anos noventa. |
O Salão Vermelho nos anos noventa. |Archivo de la Casa Blanca

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