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UE deixa de reconhecer Guaidó como presidente, apesar de constatar sua liderança

Bruxelas rejeita a legitimidade da nova Assembleia da Venezuela e garante que manterá seu compromisso “com todos os atores políticos e da sociedade civil” da dissidência

Juan Guaidó no Parlamento Europeu em janeiro de 2020.
Juan Guaidó no Parlamento Europeu em janeiro de 2020.YVES HERMAN (Reuters)


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A posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela na terça-feira deixou em uma posição complicada a União Europeia, que quer manter distância do regime de Nicolás Maduro, mas ficou sem base institucional para apoiar Juan Guaidó como presidente interino do país. A partir de agora, a UE reconhece a liderança de Guaidó, mas apenas como membro destacado da oposição. Foi o que anunciou o alto representante de Política Externa do bloco, Josep Borrell, em um comunicado publicado nesta quarta-feira, no qual evitou mencionar o oposicionista como presidente interino ou encarregado ―forma de tratamento que a grande maioria dos países da UE costumava usar até então, mas cuja legitimidade emanava do cargo de Guaidó como presidente da Assembleia anterior, constituída após as eleições de 2015 e substituída pela recém-empossada, eleita em 6 de dezembro.

O comunicado é um complexo equilíbrio de palavras diplomáticas com que Bruxelas reflete a posição dos 27 membros da UE. Nele, o bloco “lamenta profundamente” a constituição da nova Assembleia venezuelana, surgida de eleições que ele descreve como “não democráticas”, e garante que “manterá seu compromisso com todos os atores políticos e da sociedade civil que se esforçam para restabelecer a democracia na Venezuela, incluindo, em particular, Juan Guaidó e outros representantes da Assembleia Nacional anterior eleitos em 2015, naquela que foi a última expressão livre dos venezuelanos em um processo eleitoral”.

A posição em relação a Guaidó sempre foi uma dor de cabeça para as instituições europeias: enquanto o Parlamento Europeu foi o primeiro a reconhecer em 2019 o oposicionista como presidente interino, o Conselho Europeu não conseguiu definir uma posição unânime devido à reticência de países como Itália e Grécia, mas costumava se referir a ele em suas declarações oficiais como presidente da Assembleia Nacional, um termo que também foi evitado agora.

Em um comunicado, Guaidó optou por ecoar a rejeição em relação à nova Assembleia Nacional, mas não fez nenhuma menção à decisão da UE de não reconhecê-lo como presidente interino. “A União Europeia deseja, em linha com a exigência das forças democráticas venezuelanas, que sejam realizadas eleições presidenciais, legislativas e locais livres, justas e verificáveis”, diz o texto, como informa Florantonia Singer de Caracas. “A Assembleia Nacional legítima está particularmente agradecida pelo reconhecimento explícito que a União Europeia faz em particular de Juan Guaidó e também de outros representantes da Assembleia, único órgão que a União reconhece como representativo da vontade democrática da Venezuela”, acrescenta, em sua interpretação das palavras do alto representante europeu.

O comunicado de Borrell foi o mais claro até agora a não reconhecer a interinidade de Guaidó, que agora cambaleia. O Grupo de Lima (Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Paraguai e Peru), que, juntamente com os Estados Unidos, concentra o maior apoio à oposição venezuelana, também condenou as eleições parlamentares organizadas pelo chavismo, mas omitiu o Governo interino em seu comunicado. “Reconhecemos a existência da Comissão Delegada liderada por sua legítima Junta Diretora, estabelecida pela Assembleia Nacional, presidida por Juan Guaidó”, assinalam sobre a continuidade administrativa tentada pelo líder de oposição.

Depois das eleições de dezembro, Guaidó tentou obter apoio de Bruxelas e pediu, em uma teleconferência organizada pelo grupo liberal Renew do Parlamento Europeu, que as instituições do Velho Continente continuassem a reconhecê-lo como presidente interino da Venezuela. Para manter a luta contra o atual mandatário, o líder oposicionista instalou na terça-feira uma Câmara paralela, presidida por ele e considerada pela dissidência venezuelana como a autêntica Assembleia Nacional.

Mas seus gestos não foram suficientes para que a UE desse o passo. Bruxelas tinha três opções na mesa: não reconhecer Guaidó de forma nenhuma, o que daria asas ao regime de Maduro; manter seu apoio completo, o que já era complicado e gerou tensões em 2019; ou considerá-lo uma espécie de primus inter pares, um rosto visível e destacado da oposição, um gesto que permitiria, de alguma forma, continuar protegendo a dissidência e até mesmo abrir caminho para que ela tenha acesso aos fundos que a Venezuela tem espalhados por outros países, como Reino Unido, Suíça, Estados Unidos e Portugal.

Bruxelas acabou escolhendo esta última opção, ao mesmo tempo em que continua “de olho” no desenrolar dos acontecimentos no país, como Peter Stano, porta-voz de Relações Exteriores da Comissão Europeia, explicou na terça-feira. “Discutiremos nossa posição sobre a Venezuela nas próximas semanas”, afirmou Stano, que se referiu ao novo órgão constituído pelo chavismo como a “autodenominada Assembleia Nacional” e reiterou quase palavra por palavra a mensagem de Borrell: “Não reconhecemos a [nova] Assembleia Nacional, portanto, no que diz respeito aos nossos compromissos, as pessoas que representam a Assembleia Nacional são Juan Guaidó e os demais representantes de 2015; são essas as pessoas com quem vamos interagir”, assinalou.

O comunicado do alto representante, porém, não satisfez a todos. Ele foi criticado com particular intensidade pelo Renew. “É fundamental que a UE continue reconhecendo oficialmente o presidente interino Juan Guaidó e a extensão do mandato da Assembleia Nacional, eleita democraticamente em 2015, até que sejam realizadas eleições livres e justas”, afirmou por email Dita Charanzová, vice-presidenta do Parlamento Europeu encarregada da América Latina e uma das principais líderes do grupo liberal. “Lamento a falta de clareza do alto representante da União Europeia, e peço ao senhor Borrell que se pronuncie a favor da continuidade constitucional de maneira urgente”, acrescentou.

Já o eurodeputado socialista Javier López, copresidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, comemorou uma decisão com a qual, segundo ele, “a Europa rejeita o último processo eleitoral, reconhece o conjunto de atores políticos do país e enfatiza a necessidade de um horizonte eleitoral com garantias e inclusivo”, acrescentando: “A Europa, com este passo, combina respeito à legalidade, exigência democrática e vontade construtiva”.

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