UE deixa de reconhecer Guaidó como presidente, apesar de constatar sua liderança
Bruxelas rejeita a legitimidade da nova Assembleia da Venezuela e garante que manterá seu compromisso “com todos os atores políticos e da sociedade civil” da dissidência
A posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela na terça-feira deixou em uma posição complicada a União Europeia, que quer manter distância do regime de Nicolás Maduro, mas ficou sem base institucional para apoiar Juan Guaidó como presidente interino do país. A partir de agora, a UE reconhece a liderança de Guaidó, mas apenas como membro destacado da oposição. Foi o que anunciou o alto representante de Política Externa do bloco, Josep Borrell, em um comunicado publicado nesta quarta-feira, no qual evitou mencionar o oposicionista como presidente interino ou encarregado ―forma de tratamento que a grande maioria dos países da UE costumava usar até então, mas cuja legitimidade emanava do cargo de Guaidó como presidente da Assembleia anterior, constituída após as eleições de 2015 e substituída pela recém-empossada, eleita em 6 de dezembro.
O comunicado é um complexo equilíbrio de palavras diplomáticas com que Bruxelas reflete a posição dos 27 membros da UE. Nele, o bloco “lamenta profundamente” a constituição da nova Assembleia venezuelana, surgida de eleições que ele descreve como “não democráticas”, e garante que “manterá seu compromisso com todos os atores políticos e da sociedade civil que se esforçam para restabelecer a democracia na Venezuela, incluindo, em particular, Juan Guaidó e outros representantes da Assembleia Nacional anterior eleitos em 2015, naquela que foi a última expressão livre dos venezuelanos em um processo eleitoral”.
A posição em relação a Guaidó sempre foi uma dor de cabeça para as instituições europeias: enquanto o Parlamento Europeu foi o primeiro a reconhecer em 2019 o oposicionista como presidente interino, o Conselho Europeu não conseguiu definir uma posição unânime devido à reticência de países como Itália e Grécia, mas costumava se referir a ele em suas declarações oficiais como presidente da Assembleia Nacional, um termo que também foi evitado agora.
Em um comunicado, Guaidó optou por ecoar a rejeição em relação à nova Assembleia Nacional, mas não fez nenhuma menção à decisão da UE de não reconhecê-lo como presidente interino. “A União Europeia deseja, em linha com a exigência das forças democráticas venezuelanas, que sejam realizadas eleições presidenciais, legislativas e locais livres, justas e verificáveis”, diz o texto, como informa Florantonia Singer de Caracas. “A Assembleia Nacional legítima está particularmente agradecida pelo reconhecimento explícito que a União Europeia faz em particular de Juan Guaidó e também de outros representantes da Assembleia, único órgão que a União reconhece como representativo da vontade democrática da Venezuela”, acrescenta, em sua interpretação das palavras do alto representante europeu.
O comunicado de Borrell foi o mais claro até agora a não reconhecer a interinidade de Guaidó, que agora cambaleia. O Grupo de Lima (Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Paraguai e Peru), que, juntamente com os Estados Unidos, concentra o maior apoio à oposição venezuelana, também condenou as eleições parlamentares organizadas pelo chavismo, mas omitiu o Governo interino em seu comunicado. “Reconhecemos a existência da Comissão Delegada liderada por sua legítima Junta Diretora, estabelecida pela Assembleia Nacional, presidida por Juan Guaidó”, assinalam sobre a continuidade administrativa tentada pelo líder de oposição.
Depois das eleições de dezembro, Guaidó tentou obter apoio de Bruxelas e pediu, em uma teleconferência organizada pelo grupo liberal Renew do Parlamento Europeu, que as instituições do Velho Continente continuassem a reconhecê-lo como presidente interino da Venezuela. Para manter a luta contra o atual mandatário, o líder oposicionista instalou na terça-feira uma Câmara paralela, presidida por ele e considerada pela dissidência venezuelana como a autêntica Assembleia Nacional.
Mas seus gestos não foram suficientes para que a UE desse o passo. Bruxelas tinha três opções na mesa: não reconhecer Guaidó de forma nenhuma, o que daria asas ao regime de Maduro; manter seu apoio completo, o que já era complicado e gerou tensões em 2019; ou considerá-lo uma espécie de primus inter pares, um rosto visível e destacado da oposição, um gesto que permitiria, de alguma forma, continuar protegendo a dissidência e até mesmo abrir caminho para que ela tenha acesso aos fundos que a Venezuela tem espalhados por outros países, como Reino Unido, Suíça, Estados Unidos e Portugal.
Bruxelas acabou escolhendo esta última opção, ao mesmo tempo em que continua “de olho” no desenrolar dos acontecimentos no país, como Peter Stano, porta-voz de Relações Exteriores da Comissão Europeia, explicou na terça-feira. “Discutiremos nossa posição sobre a Venezuela nas próximas semanas”, afirmou Stano, que se referiu ao novo órgão constituído pelo chavismo como a “autodenominada Assembleia Nacional” e reiterou quase palavra por palavra a mensagem de Borrell: “Não reconhecemos a [nova] Assembleia Nacional, portanto, no que diz respeito aos nossos compromissos, as pessoas que representam a Assembleia Nacional são Juan Guaidó e os demais representantes de 2015; são essas as pessoas com quem vamos interagir”, assinalou.
O comunicado do alto representante, porém, não satisfez a todos. Ele foi criticado com particular intensidade pelo Renew. “É fundamental que a UE continue reconhecendo oficialmente o presidente interino Juan Guaidó e a extensão do mandato da Assembleia Nacional, eleita democraticamente em 2015, até que sejam realizadas eleições livres e justas”, afirmou por email Dita Charanzová, vice-presidenta do Parlamento Europeu encarregada da América Latina e uma das principais líderes do grupo liberal. “Lamento a falta de clareza do alto representante da União Europeia, e peço ao senhor Borrell que se pronuncie a favor da continuidade constitucional de maneira urgente”, acrescentou.
Já o eurodeputado socialista Javier López, copresidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, comemorou uma decisão com a qual, segundo ele, “a Europa rejeita o último processo eleitoral, reconhece o conjunto de atores políticos do país e enfatiza a necessidade de um horizonte eleitoral com garantias e inclusivo”, acrescentando: “A Europa, com este passo, combina respeito à legalidade, exigência democrática e vontade construtiva”.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.