Tribuna

O suplício de Israel

País volta às urnas pela quarta vez em dois anos para que Netanyahu evite seu julgamento por corrupção

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, após ser vacinado contra a covid em um hospital de Ramat Gan, em 19 de dezembro.AMIR COHEN (Reuters)

O Knesset, o Parlamento com jeito de templo de Salomão que fica no topo de uma colina de Jerusalém, se dissolveu à meia-noite de terça-feira por não ter conseguido aprovar os orçamentos para 2020. Mas Israel volta às urnas pela quarta vez em dois anos por uma só razão: para que Benjamin Netanyahu possa tentar evitar o julgamento de corrupção que l...

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O Knesset, o Parlamento com jeito de templo de Salomão que fica no topo de uma colina de Jerusalém, se dissolveu à meia-noite de terça-feira por não ter conseguido aprovar os orçamentos para 2020. Mas Israel volta às urnas pela quarta vez em dois anos por uma só razão: para que Benjamin Netanyahu possa tentar evitar o julgamento de corrupção que lhe aguarda em janeiro. A sobrevivência do primeiro-ministro conservador, um líder sem comparações na classe política de sua geração, se transformou na razão de Estado que há mais de uma década polariza os israelenses diante do dilema: Bibi (seu apelido familiar) sim ou não.

Sempre que a pedra da governabilidade do Estado judeu chega ao topo, volta a rolar ladeira abaixo em meio ao desgoverno desde as eleições de abril de 2019. Netanyahu forçou as repetições das legislativas em busca de uma maioria absoluta que lhe permitiria se blindar contra a Justiça. Em uma Câmara tão fragmentada como a israelense, pelo sistema proporcional quase puro, a mensagem radical e divisionista que sua política semeou tornou praticamente impossível, entretanto, seu empenho em aprovar uma legislação que dê imunidade ao chefe de Governo.

A alternativa não foi outra a não ser o processo eleitoral permanente. Em Israel se sabe que, para evitar que seja interpretado como um meio de pressão, os juízes tendem a se abster de ativar os processos abertos contra dirigentes políticos quando a população é convocada às urnas. O primeiro-ministro que por mais tempo governou na história de Israel teria assim outro prazo teórico de graça de meio ano para continuar no cargo. Os três meses que restam à eleição de 23 de março, mais os 40 a 60 dias que costumam levar os acordos das complexas negociações de coalizão (período que também inclui a festividade da Páscoa judaica).

Netanyahu joga dessa vez com a vantagem da decomposição da alternativa de centro-esquerda liderada por Benny Gantz nas três eleições anteriores. Sabendo que o líder do Likud nunca iria aceitar a rotação no poder que os dois pactuaram, Gantz ―o general que comandou em 2014 a última guerra de Gaza―, aceitou um armistício (o chamado Governo de unidade contra o coronavírus) que por fim lhe conduziu à derrota após mais de sete meses de tensão. O Partido Trabalhista, fundador do Estado de Israel, já desapareceu das pesquisas, e as opções de poder das forças progressistas parecem ter se esfumado em um país que abraçou um perfil político conservador após a violência da Segunda Intifada (2000-2005). Os partidos árabes, que disputaram em grupo as eleições durante os últimos cinco anos para representar um quinto da população, também aparecem divididos.

A batalha das quartas eleições está hoje no campo da direita, que se dividiu em correntes opostas. O poderoso Likud de Netanyahu se vê desafiado pelas forças emergentes dos ex-ministros nacionalistas conservadores Gideon Saar (Nova Esperança) e Neftali Bennett (Yamina), as duas contrárias a um acordo territorial com os palestino, ainda que continue contando com o apoio incondicional dos partidos ultraortodoxos judeus.

O veterano estadista Netanyahu apresenta a seu favor na campanha que começa agora a normalização das relações com quatro países árabes (Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos) com a ajuda de seu aliado Donald Trump, prestes a abandonar a Casa Branca. Também conta a seu favor o plano de vacinação rápida contra a covid-19 que seu Governo realizou nessa semana. A pandemia, que já influenciou ao final da campanha eleitoral de março, condicionará previsivelmente a nova votação no Estado judeu, no qual não existe voto por correio à população em geral.

“Israel não é uma monarquia”, alertou na quarta-feira nas páginas do jornal Yedioth Ahronoth o colunista Nahum Barnea. “O Governo se baseia em coalizões entre partidos rivais, na divisão do poder e em um certo grau de confiança mútua. Não pode funcionar quando os problemas pessoais de um indivíduo ditam sua agenda”. Netanyahu foi processado pelo promotor geral de Israel em três casos por suborno, fraude e abuso de poder. Se for condenado em um julgamento cujos depoimentos devem começar em 2021, pode passar mais de 10 anos na cadeia. Sabe que não seria o primeiro primeiro-ministro ―nem o primeiro presidente― a ser preso pela Justiça israelense.

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