Janet Yellen, escolhida por Biden para chefiar o Tesouro, rompe padrões na economia dos EUA

A ex-presidenta do Fed aterrissará no novo cargo em meio ao debate sobre um novo programa de estímulos para superar a crise da pandemia

Janet Yellen fala ao Senado quando era presidenta do Federal Reserve, em fevereiro de 2016.MICHAEL REYNOLDS (EFE)

Quando o The Wall Street Journal, bíblia da informação financeira nos Estados Unidos, analisou mais de 700 previsões feitas em discursos e mensagens entre 2009 e 2012 por diretores do Federal Reserve (o banco central dos EUA, também conhecido como Fed), os prognósticos de Janet Yellen revelaram ser os mais precisos. Não eram tempos fáceis, os Estados Unidos arrastavam as correntes da Grande Recessão de 2008-09, provocada pela quebra do Lehman Brothers e a implosão das hipotecas tóxicas, e Yellen (Nova York, 74 anos) ainda estava a dois anos de se tornar a presidenta do órgão, indicada por Barack Obama para arrematar o caminho do ajuste após o bilionário estímulo monetário impulsionado por seu antecessor à frente do Fed, Ben Bernanke.

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Yellen foi tirada da chefia do Fed por Donald Trump em 2018, mas agora, como futura secretária do Tesouro (cargo equivalente ao de ministra da Fazenda) na Administração de Joe Biden, agarra o leme da economia em um degrau superior de responsabilidade, pois deverá assumir entre outras tarefas também a envenenada diplomacia comercial com a China. E o momento é tão complexo quanto em 2014, ou até mais, por causa do abalo global provocado pelo coronavírus. Yellen aterrissará em meio a negociações sobre uma nova rodada de estímulos, com o Congresso bloqueado —a maioria no Senado depende de dois desempates na Geórgia, em janeiro—, visando a promover a recuperação econômica de um país colocado de joelho pelo vírus, que dinamitou o maior período de expansão econômica da história, possível em boa parte graças às cinco elevações das taxas de juros adotadas pelo Fed.

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Diferentemente dos seus antecessores imediatos no Tesouro —o financista Steven Mnuchin e o perfil mais político de Jack Lew— Yellen tem uma sólida formação acadêmica que, junto com sua experiência na Administração como conselheira da Casa Branca, pode fazer dela a pessoa adequada para lutar com um Congresso arredio a respeito do valor do novo pacote de estímulos, num momento em que os dados da pandemia não dão sinal de trégua —aliás, teme-se um novo repique depois do feriado de Ação de Graças. Os EUA são o país mais afetado do mundo, com quase 12,4 milhões de casos e 257.500 mortos. “Quando o desemprego é excepcionalmente alto e a inflação é historicamente baixa, como agora, a economia necessita de mais gasto fiscal para apoiar a geração de empregos”, sentenciou Yellen, especialista no mercado de trabalho, em um artigo assinado com outro especialista em agosto no The New York Times.

Depois de ser várias vezes apontada pela revista Forbes como a segunda mulher mais poderosa do mundo (atrás da chanceler alemã, Angela Merkel), Yellen viu sua indicação ser acolhida com grande satisfação à direita e à esquerda. Biden tinha prometido uma escolha que agradasse à ala mais radical dos democratas e aos moderados, e o nome de Yellen é uma unanimidade. A senadora Elizabeth Warren, rival de Biden nas primárias do partido e muito mais à esquerda que o presidente eleito, qualificou sua indicação como “escolha excepcional” e se desmanchou em elogios a uma pessoa “inteligente, sólida e com princípios”. Nos antípodas ideológicos, o ex-executivo do Goldman Sachs e ex-assessor econômico de Trump Gary Cohn a considerou uma “excelente opção” para pilotar a economia. Também Wall Street aplaudiu sua designação, o que confirmou com uma notável alta nesta terça-feira.

Janet Yellen chega para uma reunião no Fed, em dezembro de 2017. BRENDAN SMIALOWSKI (AFP)

A se confirmar a nomeação, Yellen, casada com o prêmio Nobel de Economia de 2001, George Akerlof, será uma das pessoas com mais experiência a tomar posse no cargo em seus 231 anos de história: dirigiu por dois anos o Conselho de Assessores Econômicos do presidente Bill Clinton, comandou o Fed —a primeira mulher a fazê-lo— e, agora, culmina sua carreira como chefa máxima do Tesouro. Nenhuma outra pessoa, homem ou mulher, desempenhou as três funções até hoje. Seu currículo técnico e acadêmico (doutorada em Yale, professora em Berkeley durante décadas) é impressionante, mas seus críticos questionam se tem os rudimentos necessários para o exercício da política em uma conjuntura de polarização extrema como a atual, quando o equilíbrio de forças pende por um fio e levando-se em conta que, como responsável pelo Fed, fez o possível para manter a si e à instituição distantes do jogo partidário. No entanto, o Wall Street Journal informava na segunda-feira que tudo indica que será confirmada no cargo, mesmo se os republicanos fizerem a maioria no Senado —a instância decisiva na aprovação— depois do segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia.

Embora nos últimos 20 anos tenha se centrado mais na política monetária que na fiscal, agora lhe caberá reverter os cortes tributários da Administração Trump, que beneficiaram os mais ricos, e dedicar boa parte de suas insônias a instrumentar uma política fiscal que permita financiar os trilhões de dólares em infraestruturas, educação e luta contra a mudança climática prometidos por Biden na campanha. Para alguém que já rompeu tantos moldes e superou tantos tetos de vidro, para a filha de um médico e uma professora de escola do Brooklyn que também rompeu outra barreira em 1971 como a única doutora de sua turma em Yale, não parece um esforço impossível.

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