_
_
_
_
_
Eleições EUA 2020
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

As mulheres falaram, Biden ganhou

As regras do jogo mudaram radicalmente em Washington, e as mulheres são indispensáveis para a sobrevivência da democracia

Apoiadoras escutam em Washington a notícia da vitória de Biden.
Apoiadoras escutam em Washington a notícia da vitória de Biden.WILL OLIVER (EFE)
Mais informações
Biden Elecciones Estados Unidos
Biden e Kamala Harris inauguram novo mapa político nos EUA
Vice President-elect Kamala Harris arrives to deliver remarks before introducing US President-elect Joe Biden in Wilmington, Delaware, on November 7, 2020, after being declared the winners of the presidential election. - Democrat Joe Biden was declared winner of the US presidency November 7, defeating Donald Trump and ending an era that convulsed American politics, shocked the world and left the United States more divided than at any time in decades. (Photo by ANGELA WEISS / AFP)
Mulher e negra, Kamala Harris faz história nos EUA
Jill Biden, durante un acto de campaña en Ohio.
Jill Biden, a primeira-professora dos EUA

Apesar dos horrores de 2020, neste outono boreal estou com um otimismo renovado. E isso se deve, em grande parte, à nova vida que algumas mulheres nos Estados Unidos injetaram no processo democrático. Graças a políticas como Stacy Abrams e Alexandria Ocasio-Cortez e a jornalistas como Soledad O’Brien, descobri que, como diz a canção de Marisol, a vida também pode ser uma tômbola de luz e de cor.

Já em 7 de agosto de 2020, num artigo do Brookings Institute, Michael Hais e Morley Winograd afirmavam: “Em quase todos os Estados e municípios dos EUA, as mulheres estão assumindo as rédeas do voto e do futuro.” Previam que o impacto do voto da mulher teria como resultado a vitória de Joseph Biden e uma maioria democrata no Senado. Tinham razão. A participação nestas eleições foi excepcional. E não foi algo casual, mas o resultado do trabalho duro e da inspiração de várias pessoas importantes.

Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui

As mulheres dedicadas à política nos EUA têm inúmeros registros. Hoje não se sentem obrigadas a tentar imitar seus colegas masculinos e não se intimidam quando alguém as insulta por uma questão de gênero, raça ou etnia, como Ocasio-Cortez demonstrou mais de uma vez.

Enquanto alguns levam as mãos à cabeça e se perguntam para onde vai a democracia, ou se tem futuro, muitas mulheres políticas norte-americanas colocaram mãos à obra e se conectaram com um eleitorado amplo, novo, jovem, que se mobilizou para votar. Como afirmou o The New York Times, se Biden ganhar na Geórgia será graças a Stacey Abrams. Ela é um fenômeno político que em 2019 fundou a organização Fair Fight 2020. Por causa de seus esforços, 800.000 eleitores novos foram registrados nesse Estado em 2020. Proteger o direito ao voto, incentivar a votar, agilizar o processo para todos —isso é a democracia em ação. No meio de uma pandemia, isso foi a democracia ativa, nada passiva e derrotada.

Expoente do novo estilo de fazer política, a deputada do Bronx Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) protagonizou um vídeo de uma revista há alguns meses sobre sua rotina diária de beleza, centrado em seu batom vermelho, que se tornou sua marca registrada e seu power look. Após o bom humor com o qual falava de sua forma de se maquiar, vieram mensagens muito sérias: “Vão te atacar, não importa como você seja. Então se cuide, se defenda e se prepare.” Quando foi insultada pelo republicano Ted Yoho no Congresso, com seu trademark de lábios vermelhos e um blazer do mesmo tom, e uma voz tranquila e clara, ela começou dizendo que o problema não era novo: era o mesmo com o qual as mulheres do mundo inteiro se deparam nas ruas, no metrô, num bar e nas altas esferas políticas. Também lembrou que o presidente lhe havia dito no ano anterior que voltasse ao seu país (não se sabe aonde imaginava mandá-la). AOC não falava apenas de si, mas de direitos que todas as mulheres têm. Ela sabe se conectar com sua geração misturando o rap com a saúde pública, e Cardi B já está pedindo que AOC seja presidenta em 2024.

As regras do jogo mudaram radicalmente em Washington, e as mulheres são indispensáveis para a sobrevivência da democracia. É preciso reconhecer a inteligência de Biden ao contratar Jennifer O’Malley Dillon em março como chefa de sua campanha eleitoral. A contratação de uma mulher que trabalhou com Barack Obama foi um catalisador importante para atrair apoio e dinheiro à candidatura democrata.

Não posso citar aqui todas as mulheres que quebraram moldes nos últimos anos nos EUA. Um tempo em que a imprensa, por vezes, deu tudo por perdido... a democracia destruída. Soledad O’Brien, inimiga dos jornalistas preguiçosos que seguem as linhas dominantes, disse no Twitter (ela tem 1,3 milhão de seguidores): “Acho que a vitória tem muitas mães” e “todo político deveria tomar nota e aprender com AOC e Katie Porter [representante da Califórnia] para saber como se conectar com os telespectadores.”

É uma pena que a juíza Ruth Bader Ginsburg e o representante da Geórgia John Lewis, que tanto fizeram pelos direitos da mulher, dos afro-americanos e de todos os norte-americanos, tenham falecido este ano sem poder chegar a ver a vitória de Biden. Por fim, haverá uma vice-presidenta mulher e afro-americana, Kamala Harris. O exercício apaixonado e maciço do direito ao voto nessas eleições e a quantidade de mulheres movendo montanhas no Partido Democrata se devem também aos legados de Bader Ginsburg e Lewis. Portanto, se vocês brindam por Biden-Harris, brindem também pelos que abriram seu caminho.

Soledad Fox Maura é escritora e professora da Williams College, EUA.

Registre-se grátis para continuar lendo

Obrigado por ler o EL PAÍS
Ou assine para ler de forma ilimitada

_

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_