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Encurralado pela apuração, Trump acusa Biden sem provas de “roubar” a eleição

Republicano quebra todas as regras institucionais e sugere uma grande conspiração para tirá-lo da presidência. Candidato democrata dá por segura sua vitória

Trump durante o pronunciamento em que acusou o adversário de tentar roubar a eleição.
Trump durante o pronunciamento em que acusou o adversário de tentar roubar a eleição.CARLOS BARRIA (Reuters)
Amanda Mars
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Joe Biden durante su comparecencia de este miércoles en Wilmington.
Biden avança à Casa Branca e Trump lança uma batalha judicial agitando o fantasma de fraude
President Donald Trump and Amy Coney Barrett stand on the Blue Room Balcony after Supreme Court Justice Clarence Thomas administered the Constitutional Oath to her on the South Lawn of the White House White House in Washington, Monday, Oct. 26, 2020. Barrett was confirmed to be a Supreme Court justice by the Senate earlier in the evening. (AP Photo/Alex Brandon)
E se as eleições nos EUA pararem na Suprema Corte? O incerto cenário no tribunal ‘amigo’ de Trump

À medida que o escrutínio avança, o candidato democrata Joe Biden chega cada vez mais perto da vitória na eleição presidencial, e Donald Trump, do grotesco. O presidente apareceu nesta tarde na sala de imprensa da Casa Branca e lançou uma bomba sobre a legitimidade do sistema eleitoral dos Estados Unidos, sobre as autoridades dos territórios que dão a vitória a Biden e contra o próprio candidato rival. O presidente acusou Biden de querer “roubar” as eleições presidenciais graças a “votos ilegais”. Ele não forneceu provas, citou incidentes, nem explicou por que havia chegado a essa conclusão grave. Questionou, em suma, a legitimidade da própria democracia norte-americana.

“Se você contar os votos legais, eu ganho facilmente. Se contarmos os ilegais, aqueles que chegaram atrasados, podem tentar nos roubar as eleições”, disse Trump no início de um comunicado de 17 minutos após o qual não respondeu a perguntas, algo muito incomum para Trump, pronto para entrar em todos os trapos de jornalistas, mesmo nos momentos mais delicados de sua presidência.

Biden reagiu minutos depois em sua conta no Twitter e disse: “Ninguém vai roubar nossa democracia de nós. Não agora. Nunca. A América chegou muito longe, travou muitas batalhas e suportou muito para permitir que isso acontecesse.”

Em sua ofensiva, o magnata de Nova York parece ter sido deixado sozinho. O Partido Republicano, que cerrou fileiras em torno de Trump por quatro anos, está em silêncio para desgosto do presidente e daqueles ao seu redor. “Onde está o Partido Republicano? Nossos eleitores nunca esquecerão“, escreveu um de seus filhos, Eric Trump, em sua conta no Twitter, embora prontamente o tenha deletado. Seu irmão mais velho, Donald Trump Junior, também criticou a ”falta de ação”. Jornalistas da mídia conservadora como Fox ou o New York Post apontaram que o presidente estava lançando acusações sem provas.

A tensão aumenta no presidente e em seu círculo, enquanto Biden está ganhando votos em todos os quatro dos cinco estados ainda em disputa. A Carolina do Norte parece inclinada a Trump, mas Biden está liderando em Nevada e Arizona e, por outro lado, fecha as distâncias na Pensilvânia e na Geórgia.

Contestação

Nesta quinta-feira, dois dias depois da ida às urnas, a apuração avançou até colocar o rival de Trump muito perto da Casa Branca. Enquanto a angustiante contagem dos votos continuava em diferentes pontos do país, o presidente clamava em sua conta no Twitter que o processo fosse interrompido imediatamente e advertia que contestará os resultados. Convencido de que a vitória se aproximava, o líder democrata fez breves declarações no final do dia. “Tenham paciência, não há dúvida de que seremos os vencedores”, prognosticou.

A vertigem tomou conta do país nas últimas 60 horas. O futuro da presidência está sendo jogado em uma espécie de cinco partidas de basquete simultâneas, em que a cada décimo, cada pequeno ponto pode acabar decidindo o tudo e o nada. Os placares de votos em um punhado de Estados-chave começaram de forma favorável ao republicano na noite de 3 de novembro, mas à medida que a apuração avança fica cada vez mais livre o caminho de seu adversário democrata para a Casa Branca, para desespero de Trump.

Biden já garantiu dois dos três Estados do cinturão industrial que decidiram a sorte do empresário nova-iorquino em 2016 (Michigan e Wisconsin), tem grandes esperanças no até agora republicano Arizona (vários veículos de comunicação, de fato, já o consideram vencedor), mantém a liderança em Nevada e reduziu a distância em outros dois que seriam um golpe fatal para Trump, o reduto conservador da Geórgia e a pendular Pensilvânia. “PAREM A CONTAGEM!”, vociferou o presidente em sua conta no Twitter, usando letras maiúsculas e ponto de exclamação.

Pressão

A pressão é enorme sobre os responsáveis pela apuração de cada território, muito conscientes de que cada cédula pode ser objeto de revisão e que a questão pode acabar na Suprema Corte. Os secretários de Estado falam com a imprensa várias vezes ao dia para comunicar novas levas de dados ou anunciar prazos para o fim da contagem que acabam descumprindo. Em alguns territórios, a margem entre o atual presidente e o vice-presidente da era Obama chegou a zero. Por exemplo, na Geórgia, Trump só está à frente de Biden por menos de 15 votos (três décimos) quando faltam apurar 60.000 cédulas. Em Nevada, a disputa apresenta uma diferença de 11.000 votos a favor de Biden, mas lá já foram contados todos os votos presenciais e faltam apenas os antecipados, majoritariamente democratas.

Os resultados apertados desta apuração fazem com que metade do planeta ―dos bancos de investimento de Cingapura aos funcionários de Bruxelas ou os cultivadores de azeitonas da Andaluzia― estejam à espera do que acontece em lugares como Maricopa, um condado do Arizona, ou Fulton, o que acolhe a cidade sulista de Atlanta, porque ambos decidem o desígnio das políticas que marcarão a agenda fora dos Estados Unidos nos próximos quatro anos.

Enquanto isso, as ruas começam a receber as primeiras manifestações a favor e contra a continuidade da apuração. Aos apoiadores de Trump que protestaram com fuzis de assalto em Phoenix se juntaram grupos de esquerda em Detroit, Oakland e Nova York denunciando as manobras de Trump para deter a ascensão de Biden à Casa Branca.

A batalha judicial que quer lançar gira em torno da grande onda de votos pelo correio e os antecipados. Na realidade, o republicano vem fazendo acusações infundadas de fraude desde que foi candidato nas eleições de 2016, quando as pesquisas o colocavam como perdedor. Ao ganhar, deixou o assunto de lado. Ao longo desta campanha recuperou a estratégia, argumentando, por um lado, que o sistema de envio de cédulas é muito vulnerável a irregularidades e, por outro, que nenhum Estado deveria contar os votos que chegassem depois o dia das eleições, 3 de novembro.

Este último aspecto é crítico na Pensilvânia, Estado pendular de 12 milhões de habitantes que, dos cinco ainda indefinidos nesta quinta-feira é o que tem mais peso na eleição do presidente. Cada território segue as suas próprias regras de jogo e, neste, nenhum voto antecipado podia começar a ser processado antes do Dia D, o que atrasou o processo e, por outro lado, as autoridades permitiram a contagem de todos os que chegassem pelo correio até 6 de novembro, desde que tivessem sido selados até o dia 3. Trump se agarra a isto para denunciar o sistema, mas a Suprema Corte o abençoou no final de outubro. A situação se complicou nesta quinta-feira quando um dos condados, Allegheny, suspendeu o processo por ordem judicial por conta de possíveis votos irregulares.

As peculiaridades do sistema eleitoral dos Estados Unidos e o caos que podem provocar são um reflexo do caráter federal do país, um enorme pedaço da América com 330 milhões de habitantes em que cada território pode organizar sua contagem como decide, dentro um poderoso aparato de contrapoderes de diferentes cores políticas, as câmaras legislativas, os governos estaduais ou a Suprema Corte estadual.

Enquanto isso, Biden e sua companheira de campanha eleitoral, a candidata a vice-presidenta Kamala Harris, pedem calma. “Tenham paciência, amigos, os votos estão sendo contados e por enquanto estamos indo bem. Esta corrida não termina até que todos os votos sejam contados”, escreveu o democrata em sua conta no Twitter.

O diretora de campanha de Biden, Jen O’Malley Dillon, enfatizou em uma entrevista coletiva que o candidato democrata recebeu mais de 72 milhões de votos, mais do que nenhum outro presidente na história dos Estados Unidos, mais de 50% do voto popular, “por isso Trump está tão desesperado” e recorreu a ações judiciais para empanar a clara vantagem de seu oponente. Bob Bauer, assessor jurídico do ex-vice-presidente democrata, lamentou “a desinformação agressiva e o teatro político” de Trump, informa María Antonia Sánchez-Vallejo. Esse grande número de votos se deve ao aumento da participação geral, a maior desde 1900.

As acusações do presidente se juntam a uma quantidade descomunal de boatos sobre supostas irregularidades nas eleições que há semanas inundam as redes sociais e as comunidades de extrema direita, garantindo que as autoridades democratas queimaram milhares de votos para Trump ou que os observadores republicanos foram expulsos de um local de votação na Filadélfia.

A disrupção com que está se desenrolando todo esse processo eleitoral complica ainda mais o cenário para o presidente do próximo mandato nos Estados Unidos, já dividido em dois pela polarização. O drama político dos últimos dias eclipsou um dado preocupante e emblemático dos desafios que o país enfrenta: o número de novas infecções diárias de covid-19 bateu o recorde na quarta-feira, ultrapassando 100.000 casos registrados.

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