Candidato, Joe Biden se apresenta como o presidente que salvará os EUA da “escuridão” da era Trump
“Se me confiarem a presidência, o tirarei o melhor de nós mesmos, não o pior”, afirmou ex-vice de Barack Obama, ao aceitar uma candidatura pela qual começou a lutar há 30 anos
O ex-vice-presidente democrata Joe Biden se apresentou nesta quinta-feira como o líder que unirá novamente o seu país e acabará com uma “temporada de escuridão” pela qual culpou Donald Trump, o polêmico empresário republicano que, contrariando todos os prognósticos, chegou à presidência mais poderosa do mundo quase quatro anos atrás. “Aceito com humildade e uma grande honra a indicação a presidente dos Estados Unidos”, disse no começo de seu discurso, por volta das 23h (hora da Costa Leste, meia-noite em Brasília), encerrando uma jornada política de 30 anos —o tempo aproximado que transcorreu desde que esse filho de um vendedor de carros, nascido no cinturão industrial da Pensilvânia, se postulou pela primeira vez à Casa Branca.
Quis a história que fosse o candidato oficial de seu partido numa eleição extraordinária, em meio a uma pandemia de coronavírus que já matou 170.000 pessoas só nos EUA e gerou uma grave crise econômica mundial. “Aqui e agora, lhes dou minha palavra: se me confiarem a presidência, tirarei o melhor de nós mesmos, não o pior. Serei um aliado da luz, não da escuridão. É o momento para que nós, o povo, nos unamos. Não se enganem: unidos podemos superar, e superaremos, esta temporada de escuridão. Escolheremos a esperança frente ao medo”, clamou na quarta e última noite da convenção democrata.
Joseph Robinette Biden Junior (Scranton, Pensilvânia, 1942) foi eleito para o Senado pela primeira vez aos 29 anos, tornando-se um dos mais jovens integrantes da Casa na história dos EUA. Se vencer Trump em 3 de novembro, será agora, aos 77, o presidente mais idoso no momento da posse. São extremos possíveis em uma longa vida política, que serve como aval e também como lastro nesta eleição.
O vice-presidente da era Obama apelou à “esperança” e prometeu tirar os cidadãos da quádrupla crise que o país atravessa: a pior pandemia em um século, o maior declínio econômico desde a Grande Depressão, as mais intensas manifestações contra o racismo em 50 anos e a aceleração da crise climática. “Depois de todo este tempo”, denunciou, “o presidente ainda não tem nenhum plano. Eu tenho”.
Foi, contudo, um discurso de princípios, mais que de medidas; uma mensagem sobre política, não sobre políticas. Sempre se refere a esta eleição, aliás, como uma batalha “pela alma da América”.
Biden fez sua intervenção, provavelmente a melhor desde que começou a campanha, sem público, no Chase Center, em Wilmington (Delaware), a cidade onde vive há décadas, e de onde quase não saiu desde que a pandemia foi declarada. Poucas horas antes do evento, não se via nenhum dos convidados pelos arredores, já que todos entravam de carro no pavilhão. O que havia eram dezenas e dezenas de trumpistas que tentavam azedar a festa do veterano político.
Até chegar a essa festa, ele tinha morrido e ressuscitado. As primárias democratas começaram com mais de 20 aspirantes no campo de batalha e um suposto favorito, Biden, que despertava um escasso entusiasmo nas pesquisas e, após as duas primeiras votações, em Iowa e New Hampshire, chegou a ser dado como morto. Em meio à histórica diversidade daquele processo interno do Partido Democrata, um homem branco, setuagenário e com ares centristas era uma espécie de anti-herói. A atomização do voto considerado moderado tinha permitido que a candidatura esquerdista do senador Bernie Sanders se destacasse, mas quando começaram a votar os Estados com maior peso do eleitorado afro-americanos, e nomes mais ligados ao mainstream começaram a se retirar —Mike Bloomberg, Pete Buttigieg, Amy Klobuchar—, o anti-herói venceu.
É um candidato de consenso, mais que de entusiasmo, mas talvez seja o que o eleitorado necessita em meio a uma crise tão extraordinária, sem precedentes em um século. Não existem manuais políticos escritos para tempos de coronavírus.
Fim do “flerte com ditadores”
Na noite desta quarta, criticou a desigualdade, as reduções fiscais de Trump —por terem “beneficiado os ricos”— e defendeu que as empresas e as grandes fortunas “paguem sua parte” nos impostos, mas evitou abordar medidas concretas de caráter progressista. Por exemplo, comprometeu-se a proteger o Medicare, programa público de saúde para aposentados, mas evitou garantir sua universalidade, como propunham a ala mais esquerdista do partido.
Ressaltou sua mensagem de apoio à indústria nacional, único aspecto que, com diferentes estilos, compartilha com o trumpismo. Também lançou uma mensagem para fora dos Estados Unidos. Afirmou que, sob sua presidência, os EUA “serão novamente uma luz no mundo de novo” e “deixarão de flertar com ditadores”.
As convenções servem, sobretudo, para agitar o eleitorado. No conclave democrata de 2016, muitos seguidores de Bernie Sanders vaiaram a candidata e vencedora das primárias, Hillary Clinton, durante a votação e os discursos. Naqueles dias, os seguidores dessa corrente comentavam à imprensa sobre sua intenção de simplesmente não votar. “Melhor quatro anos de Donald Trump que oito de Clinton”, disse um deles a caminho do pavilhão de Filadélfia onde acontecia a convenção.
É impossível aferir essa pulsação em 2020. Não há arquibancadas repletas de gente vinda de todo o país, aplaudindo, rindo, gritando —ou até mesmo vaiando. Avaliar a união ou desunião das bases democratas em torno de Biden e da sua candidata a vice, Kamala Harris, só será possível em 3 de novembro, mas seus rostos mais visíveis têm feito o esforço de se apresentar em bloco, incluída a ala mais esquerdista, como o senador Sanders e a jovem estrela parlamentar Alexandria Ocasio-Cortez. Também republicanos como John Kasich e Colin Powell o respaldaram.
Um dos pontos culminantes desta quarta e última noite de convenção foi protagonizado por sete ex-rivais das primárias em uma conversa informal pelo Zoom, em que falaram de histórias pessoais vividas com o agora candidato presidencial.
Como se a eleição consistisse em escolher que é mais boa-gente, independentemente de qualquer outra consideração, as palavras “decência”, “bondade” e “alma” foram destacadas ao longo de toda a convenção. Biden não se privou. “Os Estados Unidos não são só uma série entre interesses contrapostos de Estados azuis e vermelhos [as cores que identificam os democratas e republicanos, respectivamente]”, defendeu nesta quinta-feira. Apresentou-se como um “democrata orgulhoso”, mas prometeu que será “um presidente da América”.