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Portugal investiga ameaças de morte da extrema direita contra três deputadas

Presidente Marcelo Rebelo de Sousa exige “tolerância zero” com as intimidações, mas pede para evitar a manipulação política da crise

Joacine Katar Moreira, uma das deputadas ameaçadas, em outubro no Parlamento.
Joacine Katar Moreira, uma das deputadas ameaçadas, em outubro no Parlamento.Getty Images
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Portugal entrou em uma espiral de ataques extremistas que pode eventualmente se espalhar. Apenas quatro dias depois de um pequeno grupo radical ter se concentrado em Lisboa diante da sede da organização SOS Racismo no estilo da Ku Klux Klan ―à noite, com máscaras brancas e tochas―, a polícia confirmou, na última quarta-feira, que investiga as ameaças do morte contra três deputadas e outras sete ativistas, assinadas por outro grupo extremista. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu “tolerância zero” às ameaças, mas apelou também ao bom senso para evitar que a manipulação do incidente leve a “radicalizar a vida política, promover fenômenos antissistema e debilitar a democracia”.

A história se manifesta primeiro como tragédia e depois se repete como farsa, dizia Karl Marx em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. No sábado passado, a máxima do filósofo alemão se materializou nas ruas de Lisboa quando cerca de uma dúzia de membros de um grupo extremista, identificado como Resistência Nacional, se reuniu numa espécie de concentração como as da Ku Klux Klan, nas quais os supremacistas brancos aterrorizavam a população negra do sul dos Estados Unidos. A versão portuguesa parecia mais uma representação estudantil do que um desfile da Klan –as máscaras eram de Carnaval e as tochas eram do tipo usado para enfeitar jardins no verão–, mas o objetivo de amedrontar os principais ativistas antirracistas do país foi alcançado.

Depois veio a ameaça por e-mail contra as deputadas Mariana Mortágua, Beatriz Gomes Dias (ambas do Bloco de Esquerda, terceiro partido com maior representação parlamentar depois dos socialistas e dos conservadores do PSD) e a independente Joacine Katar Moreira, e contra o sindicalista Danilo Moreira, os ativistas antirracismo Mamadou Ba e Melissa Rodrigues e os ativistas de esquerda Vasco Santos, Jonathan Costa, Rita Osório e Luís Lisboa. A mensagem foi assinada por um grupo recém-surgido que se autodenomina Nova Ordem de Avis-Resistência Nacional, em referência a uma ordem militar medieval. A segunda parte do nome coincide com o utilizado pelo grupelho que tentou emular a Klan, mas este negou qualquer participação na mensagem de ameaça numa resposta enviada à televisão pública portuguesa.

“Informamos que foi definido um prazo de 48 horas para que os dirigentes antifascistas e antirracistas incluídos nesta lista renunciem às suas funções políticas e saiam do território nacional”, diz o ultimato ameaçador. “Passado este prazo, tomaremos medidas contra eles e contra suas famílias para garantir a segurança do povo português”, continua a investida, que também afirma que “agosto será o mês do ressurgimento nacionalista”.

A escalada começou em junho com vários grafites na cidade. “Europa para os europeus” e “morte aos asilados”, escreveram os extremistas na sede do Conselho Português para os Refugiados. Um mural dedicado ao ativista de esquerda José Carvalho, assassinado no início dos anos noventa por um grupo neonazista, foi atacado com o grafite “Guerra aos inimigos do meu país”, uma mensagem que semanas depois também apareceu na sede do SOS Racismo. Dias depois, no início de agosto, a organização antirracista recebeu um primeiro e-mail no qual os extremistas ameaçavam que “para cada nacionalista preso cairá um antifascista e para cada nacionalista morto desaparecerão dezenas de estrangeiros”. A mensagem enumerava os inimigos do grupo, e além dos antifascistas mencionava refugiados, estrangeiros, negros, homossexuais e transexuais. Pouco depois veio a concentração com tochas e agora o e-mail que coloca as três deputadas como alvo. Duas delas, Gomes Dias e Katar Moreira, têm se destacado pela luta contra o racismo e Mortágua é uma das integrantes da bancada do Bloco de Esquerda com maior visibilidade.

“Portugal sempre teve movimentos de extrema direita, o que acontece é que antes estavam na penumbra e agora têm legitimidade política porque existe quem dê corpo a essas ideias no Parlamento”, aponta Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo e vítima das ameaças, em referência ao deputado André Ventura, o único representante da extrema direita na Assembleia da República. O período que vai da eleição do político, no ano passado, a este verão, coincidiu com o aumento da visibilidade dos grupelhos extremistas. O deputado de extrema direita reagiu esta quinta-feira ao alvoroço provocado pelas ameaças com uma mensagem em sua conta no Twitter: “Quando o André Ventura e o Chega [seu partido] são ameaçados (o que acontece a toda hora) ninguém fica alarmado. Quando são estes coitadinhos, toda a gente chora e grita. Miserável país!”.

O presidente do Parlamento, o socialista Eduardo Ferro Rodrigues, disse em nota enviada à agência Lusa que “a direita populista e extremista está tentando, em muitas democracias consolidadas, ressuscitar do passado de triste memória uma agenda antidemocrática” e expressou sua solidariedade com os ameaçados.

Além de negar qualquer ligação com as ameaças de morte, a Resistência Nacional, formada no início de julho depois da rearticulação de ao menos três outras organizações extremistas, segundo o jornal Público, nega que a paródia dos desfiles da Ku Klux Klan tenha qualquer propósito intimidatório e qualifica sua concentração como uma “vigília” em homenagem às forças de segurança, segundo afirmou em um comunicado. A declaração termina dizendo: “Não nos move o ódio de ninguém, o que nos move é o amor por Portugal”.

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