Netanyahu e Gantz fecham acordo de Governo de coalizão depois de mais de um ano de impasse em Israel
O líder do Likud continuará como primeiro-ministro por mais 18 meses, quando o dirigente centrista o substituirá no cargo
Após 16 meses de impasse político e três eleições legislativas sem resultados conclusivos em Israel, o primeiro-ministro interino, o conservador Benjamin Netanyahu, e o líder centrista Benny Gantz, que está provisoriamente na presidência da Knesset (Parlamento), assinaram nesta segunda-feira um acordo de Governo de coalizão que evitou no último momento a convocação de uma quarta eleição.
Os dois se revezarão à frente do Governo. Netanyahu será o primeiro a exercer a chefia do Gabinete por 18 meses, quando será substituído por Gantz para um mandato equivalente. Os partidos do bloco de direita aliados ao Likud —duas legendas ultrarreligiosas e uma de extrema-direita— também deverão apoiar no Parlamento a nova coalizão do Governo de centro-direita.
A estagnação política decorrente da polarização da sociedade israelense —entre setores seculares e religiosos, nacionalistas e defensores da paz com os palestinos— se dissolveu em meio à grave crise causada pela pandemia do coronavírus, que, embora não tenha tido um grande impacto na saúde no Estado judeu, provocou o colapso da economia e fez disparar a taxa de desemprego para 26% em um país acostumado ao pleno emprego.
O entendimento final entre as equipes de negociação de ambos os líderes foi alcançado no início da tarde, embora na reunião que Gantz e Netanyahu mantiveram durante a manhã não tenham chegado a um acordo nos detalhes da rotação no poder. Basicamente, não confiam um no outro e tiveram que deixar claro em projetos de reformas legislativas urgentes os procedimentos de revezamento na direção do Governo.
De início, Gantz servirá como vice-primeiro-ministro, posto que Netanyahu passará a ocupar no último trimestre de 2021. O líder das fileiras do partido conservador Likud, o mais votado nas eleições legislativas de 2 de março, insistiu também em contar como número dois do Governo com o mesmo nível de proteção legal de que desfruta como primeiro-ministro. Como chefe de Governo, ele não é obrigado a renunciar depois de ter sido acusado em três casos de corrupção pelo procurador-geral, ao contrário dos demais membros do Gabinete, de acordo com a lei israelense e a jurisprudência da Suprema Corte do país.
Mais do que uma estratégia para enfrentar emergências econômicas e de saúde, o veterano primeiro-ministro procurou no pacto de coalizão um escudo de proteção contra as graves acusações de suborno, fraude e abuso de poder que pesam sobre ele após uma investigação da Polícia e do Ministério Público durante três anos. De acordo com os primeiros detalhes do acordo revelado pelo jornal Haaretz, Netanyahu manterá o direito de veto sobre a nomeação do próximo procurador-geral, que substituirá o atual, Avichai Mandleblit, em 2021.
O ex-general Gantz, o chefe do Exército que liderou a guerra de Gaza em 2014, desembarcou na política sem experiência pouco antes das eleições de abril de 2019. À frente de uma aliança de centro sob o nome de Azule e Branco, as cores da bandeira israelense, soube formar com sucesso um bloco de oposição durante três campanhas eleitorais seguidas para poder se apresentar como uma alternativa a Netanyahu, o primeiro-ministro que durante mais tempo governou Israel em sua história (14 anos até agora).
Depois de Gantz endossar sua posição como segunda força parlamentar, logo atrás do Likud, obteve apoio inicial de 61 dos 120 deputados da Knesset no mês passado para receber o encargo de formar um Governo. As baixas em suas fileiras e nas da oposição de esquerda, e a crise desencadeada pela pandemia da Covid-19, o forçaram, no entanto, a jogar a toalha e tentar um acordo de coalizão com Netanyahu depois de ter prometido por mais de um ano que nunca governaria com um líder acusado de corrupção. Seus aliados de centro-esquerda e dos partidos árabes, que apoiaram seu programa de alternância no Executivo e atenção às minorias marginalizadas, agora o acusam de ter traído a esperança de uma mudança política em Israel em troca de abrir espaço à sombra do poder. “Depois de comandar a última campanha eleitoral sob o lema “com Bibi, não” [apelido de Netanyahu], o general heroico se tornou mais um político embusteiro e impotente, e rapidamente hasteou a bandeira branca”, argumenta o analista político Daniel Kupervaser. “Não é um Gabinete de coalizão”, ressalva, “é apenas mais um Governo Netanyahu”.
A divisão de ministérios ainda não foi anunciada nesta segunda-feira, à espera de que Netanyahu negocie com seus aliados conservadores. Gantz e seu parceiro político, o também ex-general e ex-chefe das Forças Armadas Gabi Askenzi, aspiram a controlar o estratégico Ministério da Defesa e o da Justiça, para impedir que o primeiro-ministro possa interferir em seu processo, que começa no dia 24 de maio em um tribunal de Jerusalém e que se prolongará previsivelmente por vários anos, até que uma sentença final seja proferida no Supremo. Gantz e seus correligionários também pretendem controlar departamentos sociais e econômicos para tentar mitigar o impacto da crise nos setores mais desfavorecidos da sociedade israelense.
Assediado pela Justiça e partindo de uma posição minoritária na Knesset, Netanyahu mais uma vez se se aferrou poder e se confirmou como o mais sólido sobrevivente --acima do fundador do Estado judeu, David Ben Gurion-- na fragmentada e polarizada política de Israel.