Última guerrilha da Colômbia desafia o Governo com uma “greve armada”
Governo de Iván Duque se declara em alerta militar enquanto o país debate como enfrentar o ELN
Sem negociação de paz no horizonte, o Exército de Libertação Nacional (ELN), a última guerrilha ativa na Colômbia, conseguiu se fortalecer até se tornar o maior grupo armado do país. Os rebeldes lançaram um novo desafio ao Governo de Iván Duque ao anunciarem uma “paralisação armada” que pretende impedir, sob ameaças, a livre movimentação de pessoas no próximo fim de semana. “Não vamos permitir uma intimidação a mais”, reagiu Duque, que qualifica de terroristas o ELN e outros grupos ligados ao narcotráfico, como o Clã do Golfo.
“A Colômbia está hoje mais unida do que nunca para que se aplique contra eles toda a capacidade de nossa Força Pública e todo o peso da justiça”, disse o mandatário. “Todas as unidades do país estão em máximo grau de alerta para atender a qualquer solicitação de proteção dos cidadãos”, havia declarado anteriormente o ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo.
A guerrilha promete impor uma “greve armada de 72 horas no território nacional” a partir desta sexta-feira. A ameaça foi feita em um comunicado divulgado pelas redes sociais e em panfletos distribuídos principalmente na conturbada região de Catatumbo, no departamento (Estado) do Norte de Santander, na fronteira com a Venezuela. Entretanto, sua verdadeira capacidade de causar dano é incerta. Nascido sob o influxo da Revolução Cubana há mais de meio século, o grupo guevarista anunciou ações semelhantes em outras ocasiões, mas seu impacto nunca se estendeu a todo o país.
Depois de ter selado há três anos um histórico acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma guerrilha marxista hoje desarmada e transformada em partido político com bancada no Congresso, a Colômbia debate como enfrentar o ELN. O carro-bomba que ceifou a vida de 22 jovens policiais em 17 de janeiro de 2019 na Escola de Cadetes General Santander, no sudoeste de Bogotá, acabou também com a difícil negociação que o então presidente Juan Manuel Santos havia tentado promover na reta final de seu mandato, e que esmorecia desde que Duque – um férreo crítico do diálogo com as FARC – tomou posse como presidente, em agosto de 2018.
O ELN conseguiu não só se fortalecer como também se consolidar em zonas onde já tinha presença histórica, além de se expandir para novas áreas aproveitando o vazio deixado pelo desarmamento das extintas FARC, adverte uma recente radiografia da Fundação Ideia para a Paz (FIP). “Embora sua capacidade militar continue sendo inferior à que as FARC chegaram a ter, na atualidade o ELN é o grupo armado ilegal de maior envergadura na Colômbia”, afirma o relatório, intitulado O Que Fazer com o ELN? – Opções perante a uma derrota militar longínqua e um diálogo improvável. Os cálculos variam, mas as estimavas de inteligência mais recente dão conta de que o grupo teria pelo menos 2.500 membros.
“Embora em algumas zonas do país o ELN tenha as características clássicas de um exército irregular, sua força armada é muito mais difusa e dinâmica, com uma estrutura horizontal entre suas frentes, grande autonomia das mesmas e uma constante deliberação sobre as posições da organização”, aponta a FIP. Sua influência é mais ampla e complexa do que parece. E, nesse contexto, a Venezuela, onde mantém uma presença consolidada, surgiu como uma retaguarda crucial. A guerrilha controla a extração de recursos naturais em algumas regiões desse país.
O ELN, que no começo dependia de recursos financeiros provenientes de sequestros e extorsões – principalmente contra a indústria petrolífera – diversificou suas fontes nas últimas décadas, ampliando sua influência no narcotráfico, no garimpo ilegal e no contrabando. Outro relatório recente, da ONG Human Rights Watch, mostra que os guerrilheiros são a autoridade que manda tanto no departamento colombiano de Arauca como no Estado venezuelano de Apure, em meio a assassinatos, torturas, recrutamento de menores, sequestros e trabalhos forçados.
“O cenário de uma derrota militar do ELN é improvável e poderia conduzir a uma guerra de baixa intensidade com altos custos em termos humanitários e ambientais”, adverte a análise da FIP. Por outro lado, o diálogo é improvável, embora diversas vozes já tenham feito um apelo pela retomada dessa via. Isso inclui o ameaçado líder social Leyner Palacios, da emblemática Bojayá, no remoto departamento de Chocó, na costa do Pacífico, outra das regiões mais golpeadas pela insurgência.
O Governo de Duque fechou essa porta, ao menos por enquanto, e internacionalizou as tensões com o ELN, incluindo-as como parte da luta contra o terrorismo, como deixou claro em uma cúpula internacional do mês passado por ocasião do aniversário do atentado à escola de cadetes. A tensão diplomática vai além da vizinha Venezuela, acusada por Bogotá de ser um santuário para os guerrilheiros. A Colômbia inclusive foi um dos poucos países a se absterem numa votação da ONU sobre a suspensão do bloqueio econômico a Cuba, numa retaliação por supostos “atos hostis” de Havana. O país comunista – que serviu de sede às negociações com as FARC – negou a Bogotá a extradição dos negociadores do ELN que continuam na ilha, protegidos pelos protocolos de ruptura do diálogo.
É possível reabrir um processo de negociação? O futuro do ELN depende da correlação de forças internas entre moderados e radicais, aponta a FIP. A ruptura fortaleceu a chamada “linha dura” da guerrilha, que relutava em aceitar uma saída negociada e comanda as frentes com mais poder, que agem impunemente na Colômbia e Venezuela. A diplomacia desempenha um papel importante para manter abertas as possibilidades de reativar algum canal de diálogo. Sem desconhecer os obstáculos, a FIP recomenda ao presidente colombiano “não queimar os navios com a Venezuela” e recompor, de maneira confidencial e discreta, as abaladas relações com países garantes como Cuba e Noruega. “É urgente que a ala moderada do ELN – agora em Cuba – ganhe espaço e argumentos dentro desta organização (…). Seu isolamento beneficia a ala radical e vai em detrimento da saída negociada”, conclui o relatório.