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Às vésperas do Brexit, imigrantes europeus lutam para regularizar permanência no Reino Unido

Governo britânico determinou que cidadãos da UE têm até junho de 2021 para legalizar seu status

Partidários da permanência na UE protestam nesta quarta-feira diante do Parlamento, em Londres.
Partidários da permanência na UE protestam nesta quarta-feira diante do Parlamento, em Londres.R. BAKER (Getty)

Toda a fanfarra das bandeiras Union Jack que o Governo de Boris Johnson prepara para esta sexta-feira para formalizar a saída britânica da União Europeia aprofundará “um sentimento de depressão e insegurança” para milhões de cidadãos europeus, diz a alemã Maike Bohn, que pela primeira vez em seus 28 anos no Reino Unido não se sente mais “em casa”. Quem fala é uma orgulhosa cidadã europeia de 52 anos e também uma ativista que quer dar voz aos mais de três milhões de membros do bloco europeu que enfrentam a ameaça de se tornarem ilegais se nos próximos meses não conseguirem regularizar seu status de residente. Não importa se estão há anos ou décadas nas ilhas: agora são forçados a começar do zero.

Bohn é cofundadora da 3million, a maior empresa criada após o referendo do Brexit de 2016 para a defesa dos moradores procedentes dos outros países do bloco europeu, aos quais tinha sido garantido na época que seus direitos seriam preservados. Não será mais o caso quando o período de transição acertado com Bruxelas expirar em 31 de dezembro.

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O que Maike Bohn define como “esta sexta-feira simbólica” é um lembrete para os europeus instalados em solo britânico sobre o imperativo de se regularizarem por via administrativa. Têm prazo extraordinário até junho do próximo ano e todos os medos. Declarações à imprensa alemã do secretário do Home Ofice (o Ministério do Interior), Brandon Lewis, sugerindo que os que não cumprirem o prazo correm o risco, “em teoria”, de deportação, dispararam alarmes na UE, que tem emitido mensagens de preocupação sobre o tratamento dado por Londres à comunidade de imigrantes europeus.

O Governo Johnson expõe a suposta simplicidade de solicitar a carta de residente. Laura Jiménez, 40, já fez isso em meados do ano passado, seguindo as recomendações do banco em que trabalha, mas seu marido, Dani Lozano, 39, funcionário do mesmo setor, não quis dar um passo “até que as coisas fossem esclarecidas". E até que se desanuviasse o panorama confuso da política britânica em que todos os caminhos pareciam possíveis até a vitória eleitoral de Johnson, em 12 de dezembro. No final, o casal de Barcelona iniciou procedimentos para obter o settled status (condição de morador permanente), o que garante que sua vida como residentes de Londres continuará a mesma na era do Brexit.

Ambos sabem que são privilegiados e que a situação é precária para quem acumula menos de cinco anos de permanência no país ou tem dificuldade para justificá-la. Estes se enquadram na modalidade pre-settled status (status pré-estabelecido, não permanente), que lhes concede cinco anos de permanência no Reino Unido, mas nem um dia a mais, a menos que, depois de completada sua residência de cinco anos, voltem a apresentar a documentação para pleitear o reconhecimento de permanente, o que Laura e Dani possuem. Silvia González, 40 anos, espanhola de León e funcionária da prefeitura de Gales em Newport, já sofreu o estresse do processo, como relatou a este jornal há alguns meses.

Para seu marido, Raúl López, de Madri, as autoridades pediram que enviasse o passaporte, que ficou retido quando ele solicitou o status de pré-estabelecido. A administração se mostra arbitrária ao exigir requisitos diferentes de pessoas na mesma situação. Silvia se recusou a seguir esse caminho. Ainda hoje, conta em uma nova conversa, espera que em maio se cumpram os cinco anos de sua chegada ao país para optar diretamente pelo status mais tranquilizador, o settled status.

O casal se conecta todos os meses eletronicamente com grupos de espanhóis que avaliam as informações atualizadas pela Embaixada e suas próprias expectativas. Como a relatada por Raúl, 39 anos, funcionário da área de manutenção em instalações universitárias, sobre a emissão de um documento que não os faça “depender da boa vontade do interlocutor” na hora de procurar um apartamento para alugar, abrir uma conta ou usar o serviço de saúde pública. Ou seja, que lhes permitam mostrar que estão regularizados (no Reino Unido não há documento de identidade para cidadãos e jere, como na Espanha). Silvia está preocupada com o fato de “a informação não chegar a muitas pessoas que não entendem que precisam preencher a papelada” e dá como exemplo muitos idosos que “pensam que isso não vai acontecer com eles depois de tantos anos vivendo aqui, e que até recebem uma pensão do Estado”.

Essas preocupações, que se estendem às pessoas em situações precárias e sem recursos para pagar um advogado, não são levadas em consideração pelo programa de regularização, denuncia Maike Bohn. O Home Office mostra como um sucesso que 2,7 milhões de pessoas de países da União Europeia e suas famílias tenham pedido para ser enquadrados em um dos dois formatos residentes, e que “apenas” 300.000 permanecem pendentes de resposta. Mas a 3million desconfia de números que somam mais de uma solicitação do mesmo usuário e, acima de tudo, enfatiza que é impossível avaliar sua dimensão quando “o Governo britânico não sabe [na ausência de um censo] quantos cidadãos europeus estão instalados no país com seus parceiros e filhos". A especulação que se faz tem uma margem ampla, de 3 milhões a 3,6 milhões.

Bohn defende um sistema alternativo que envolva o registro progressivo dos cidadãos da UE em nível local, e sem a pressão de uma data fixa e iminente. Que a intenção do discurso eurofóbico aponta para outros caminhos ficou claro para ela quando seu filho pintou uma bandeira europeia na janela de sua casa em Bristol e o censuraram. Mesmo nesta cidade inglesa que votou contra o Brexit, uma de suas amigas ouviu sete vezes: “Volte para o seu país!”.

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