Até o FMI critica a austeridade e defende gasto social para evitar protesto
O organismo vira definitivamente a página do aperto de cintos e defende o uso da política fiscal para aumentar a inclusão e a coesão
Durante a apresentação do relatório de perspectivas da economia mundial no Fórum de Davos, a presidenta do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, citava o mestre russo Lev Tolstói, em Anna Karenina, para dizer que “toda variedade, todo encanto e toda beleza são feitos de luzes e sombras”. Georgieva se referia ao chiaroscuro que a economia global enfrentará nos próximos meses, mas essas palavras bem poderiam se aplicar às políticas do organismo que ela preside, duramente criticado durante anos por sua defesa da austeridade e das receitas de cortes de gastos públicos.
Agora que os tempos da crise financeira internacional ficam distantes no tempo, e que nos últimos meses se desataram numerosos protestos sociais em pontos muito diversos do planeta, o Fundo defende um aumento do gasto social como forma de limitar seu impacto sobre a economia e aumentar a inclusão e a coesão social. “É importante reconhecer que o gasto social está bem orientado, que os mais vulneráveis devem estar protegidos, e que os Governos devem assegurar que o crescimento e a recuperação sejam compartilhados por todos”, admitiu a economista-chefe do organismo, Gita Gopinath, nesta segunda-feira em Davos, no que parece ser uma revisão dos postulados defendidos na última década pelo organismo.
“Em todas as economias, um imperativo chave —e cada vez mais pertinente num período de crescente descontentamento— consiste em ampliar a inclusão e garantir que as redes de proteção social estejam de fato protegendo os mais vulneráveis, e que as estruturas de Governo reforcem a coesão social”, salienta o FMI em seu relatório, ao mencionar quais deveriam ser as prioridades da política econômica no atual contexto.
Longe ficam agora os tempos dos homens de terno preto levando as receitas de austeridade a serem impostas com mão de ferro em países como Grécia, Portugal e Espanha durante a crise financeira, apesar da forte deterioração de todos os indicadores sociais nessas economias naquela época. De fato, o FMI admite agora que “o agravamento do mal-estar social em muitos países —devido em alguns casos à deterioração da confiança nas instituições tradicionais e a falta de representação nas estruturas de governo— poderia abalar a atividade [econômica], complicar as iniciativas de reforma e prejudicar a atitude, o que faria o crescimento diminuir para aquém do projetado”.
Embora o organismo reitere que “os países com níveis elevados de dívida deveriam em geral realizar consolidações a fim de estarem preparados para a próxima desaceleração e para o gasto em serviços públicos que se avizinha”, também aqui introduz matizes e permite exceções caso “a demanda privada seja muito frágil”. Do mesmo modo, defende que “as autoridades estarão em condições de rebater a próxima desaceleração se prepararem com antecipação uma resposta para contingências. A estratégia deveria atribuir ao investimento um papel protagonista no que se refere à mitigação da mudança climática, assim como em âmbitos que amparam o crescimento potencial e que garantem uma ampla distribuição dos benefícios, como educação, saúde, capacitação da força trabalhista e infraestrutura”. Definitivamente, os grandes itens de qualquer orçamento público.
“O início desta década traz lembranças inevitáveis dos anos vinte do século XX: elevada desigualdade, rápido desenvolvimento tecnológico e grandes retornos no âmbito financeiro”, recordava Georgieva nesta segunda-feira. “Para que a analogia pare por aí, é absolutamente decisivo agirmos unidos e de forma coordenada”, acrescentou. “Estejam preparados para agir se o crescimento se desacelerar de novo”, advertiu a diretora do FMI, defendendo uma reforma tributária coordenada em nível internacional, da qual sem dúvida muito se ouvirá falar nestes dias em Davos.
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