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Argentina quer adiar até 2022 a renegociação de sua dívida com o FMI

Governo não quer assumir compromissos impopulares antes das eleições parlamentares de outubro

Uma mulher passa em frente a uma pichação contra o pagamento da dívida, em Buenos Aires.
Uma mulher passa em frente a uma pichação contra o pagamento da dívida, em Buenos Aires.JUAN MABROMATA (AFP)
Enric González
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Fiat Chrysler Automobiles assembly workers build a 2020 Argo model, amid the spread of the coronavirus disease (COVID-19), at the Assembly Plant in Betim near Belo Horizonte, Brazil, May 20, 2020. REUTERS/Washington Alves
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A Argentina parece disposta a adiar até o ano que vem a reestruturação de sua dívida com o Fundo Monetário Internacional. A visita a Washington do ministro da Economia, Martín Guzmán, obteve pouco mais do que algumas discussões teóricas e um acordo sobre a necessidade de se chegar a um acordo.

Em outubro há eleições parlamentares e o Governo de Buenos Aires não quer assumir compromissos impopulares com o FMI. Mas a situação do país volta a ser muito delicada: sua dívida pública cotiza novamente a níveis de “default” (apesar de ter acertado uma melhora de condições com os credores privados há meio ano), seu risco-país aumenta e precisa reprogramar sua dívida com o Clube de Paris antes de maio.

O ministro Guzmán se reuniu na terça e na quarta-feira com a diretora do FMI, Kristalina Georgieva. Na quarta, a vice-presidenta Cristina Kirchner acrescentou pressão à tarefa de Guzmán com palavras muito duras contra o Fundo: “Apoiaram o golpe [militar de 1976] que acabou com o país, apoiaram os ingleses nas Malvinas e violaram todos os seus estatutos [para conceder um empréstimo de 57 bilhões de dólares (327 bilhões de reais) ao presidente anterior, Mauricio Macri]. Não podemos pedir a eles, com toda a doçura e carinho do mundo, que é hora de que nos façam algum agradinho?”.

O “agradinho” a que se referia a cada vez mais poderosa vice-presidenta consistia em dar um prazo de 20 anos para a devolução do empréstimo (do qual foram desembolsados 45 bilhões de dólares —258 bilhões de reais) e em abaixar os juros a 1% anual (agora vão de 1,9% a 4,9%, de acordo com as parcelas). Essa era a ideia que circulava no entorno de Cristina Kirchner. No dia seguinte, o porta-voz do FMI precisou lembrar publicamente que o empréstimo, inicialmente concedido como “stand-by” por um prazo de três anos, pode ser transformado em um “extended fund facility” por dez anos, mas não mais. A nova fórmula significaria condições mais rígidas, porque exigiria da Argentina um ajuste fiscal e reformas estruturais. Na Casa Rosada se considera que aceitar esses termos antes das eleições de outubro pioraria os resultados da coalizão governante.

O Governo argentino acha que pode se permitir adiar a reestruturação de sua dívida com o FMI graças ao envio pelo próprio FMI nos próximos meses de mais 3 bilhões de dólares (17 bilhões de reais), fruto da ampliação de capital do órgão de Washington. Com esse dinheiro, a Argentina pode cobrir os pagamentos deste ano. As urgências, entretanto, se multiplicam. Em maio vence uma antiga dívida argentina com o Clube de Paris (que os países mais ricos formaram em 1956 justamente para lidar com uma dívida da Argentina) no valor de 2,3 bilhões de dólares (13 bilhões de reais). Guzmán precisa acertar outra reestruturação com o Clube de Paris, onde os principais credores são a Alemanha e o Japão.

A confiança dos investidores no país, entretanto, volta a ser muito escassa. A pouco mais de meio ano do acordo de reestruturação feito com os credores estrangeiros privados, a cotização dos novos bônus argentinos emitidos à época já caíram 32%. Isso significa que os investidores consideram provável que os bônus também caiam em falta de pagamento, ou “default”. Seria o décimo “default” na história da Argentina. É uma dívida pública rentável: “Um bônus comprado hoje daria juros de 17% a 20% por ano, o problema é que não há demanda porque não existe confiança”, diz o economista Marcos Buscaglia. “A Argentina não tem credibilidade, crédito e mercado de capitais. Isso vai acabar mal”, acrescenta. O risco-país, o índice com que o JPMorgan calcula a possibilidade de falta de pagamento, chegou nesta semana a 1.600.

Outra variável perigosa é a dívida da Província de Buenos Aires, que está há quase um ano em “default”. A província mais rica e populosa da Argentina deve 7,148 bilhões de dólares (41 bilhões de reais) e seu governador, Axel Kicillof, adiou uma dúzia de vezes a data limite para acertar uma reestruturação. Na segunda-feira 29 de março há um novo vencimento e os credores parecem estar perdendo a paciência. Um grupo deles, que sob o nome de Ad Hoc engloba os donos de quase metade da dívida, processou esta semana a Província nos tribunais nova-iorquinos.

Kicillof pede um período de clemência de três anos, uma redução de juros de 55% e uma remissão de 7% no capital. Os advogados dos donos dos bônus disseram que Buenos Aires “não negocia quanto pode pagar, e sim quanto quer pagar segundo seus interesses políticos” e que Kicillof age “de má-fé”. O governador, por sua parte, diz que os moradores de Buenos Aires têm necessidades urgentes e têm prioridade frente aos credores estrangeiros.

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