Martín Guzmán, ministro argentino: “Queremos transformar a Argentina em um bom devedor”
Ministro encarregado da negociação da dívida do país admite que “falta um caminho importante” até a obtenção de um acordo com os credores
Martín Guzmán (La Plata, 1982) tem um trabalho muito complicado. O ministro argentino da Economia precisa obter, até 22 de maio, um acordo com os credores que evite uma moratória e, ao mesmo tempo, deve reanimar uma economia que afundou de vez por causa da pandemia de coronavírus. Guzmán transmite tranquilidade durante a entrevista, feita em seu gabinete. Afirma que a Argentina quer ser “um bom devedor”, mas admite que “falta um caminho importante” até a obtenção de um acordo sobre a dívida.
Pergunta. Seu plano consistia em chegar a um acordo com os credores privados antes do fim de março. Depois ampliou o prazo para 8 de maio. E agora o novo limite é 22 de maio.
Resposta. O coronavírus afetou toda a logística. É muito diferente quando o diálogo entre os credores e o Governo é feito por videoconferência. O fato de não estar pessoalmente condiciona o processo.
P. Sua oferta recebeu muito poucas adesões. A quem cabe a iniciativa agora?
R. A Argentina fez sua oferta logo depois do que foi um processo de diálogo, e nos últimos dias tratamos de aprofundar o entendimento.
P. Sobre aquela mesma oferta, que implica três anos sem pagar, quitação da parte principal da dívida e forte redução de juros?
R. É uma oferta. O fundamental é que o acordo seja sustentável. Queremos transformar a Argentina em um bom devedor que possa fazer frente a seus compromissos. E há múltiplas combinações dos parâmetros de uma oferta que são consistentes com a ideia do que chamamos restaurar a sustentabilidade.
P. Os credores fizeram alguma contraproposta?
R. Não.
P. O Banco Central argentino está imprimindo grandes quantidades de pesos, enquanto a inflação tem viés de baixa, o que indica uma pressão deflacionária. O que vai acontecer?
R. Na Argentina, como o objetivo foi priorizar a saúde contra a pandemia, decidimos restringir fortemente a circulação de pessoas. A quarentena afetou muito a atividade econômica e tem um custo fiscal importante, em um contexto no qual a Argentina carece de acesso ao crédito internacional. Com o país saindo da quarentena, cria-se a necessidade de esterilizar parte da criação de dinheiro. Isso já está ocorrendo. De fato, a Argentina está entrando em uma dinâmica positiva no desenvolvimento de um mercado de dívida pública em pesos que em dezembro estava fechado.
P. O contexto internacional é mais deflacionário. Isto pode ajudar os credores a pensarem que a oferta não é tão ruim, levando em conta as baixas taxas internacionais de juros?
R. A Argentina propõe pagar um cupom médio de 2,3%. Isso tem a ver com o que a Argentina pode, mais do que com o que acontece no mundo. Mas é verdade que as taxas de juros globais são muito baixas. Se nossa oferta for aceita, a Argentina poderá fazer frente a seus compromissos e nossos credores terão um retorno realista. Ao cupom médio que a Argentina paga hoje, de 7%, não podemos fazer frente.
P. Os três anos de carência são negociáveis?
R. Houve muita discussão a esse respeito, esse era um parâmetro crítico para nossos credores. A análise de sustentabilidade da dívida do FMI sugeria um período de carência de cinco anos, nas negociações propuseram quatro e, dada a importância desse parâmetro, baixamos para três anos. É um processo que continua.
P. Os grandes fundos que investiram em dívida argentina estão de acordo em apontar que falta um plano econômico.
R. Nós o apresentamos e é público. Há algumas semanas eu conversava com um grande ex-ministro de Economia argentino e ele me contava que aconteceu a mesma coisa com ele quando participou de um processo de reestruturação da dívida. Diziam-lhe: “Não há plano”. E ele me avisou: “Vão lhe dizer que não há plano enquanto não for o plano que eles querem”.
P. Técnicos do Fundo Monetário Internacional afirmam que a Argentina decidiu negociar antes com os credores privados do que com eles. Vistos os resultados, arrepende-se?
R. Isso tem a ver com uma questão de prazos. As parcelas pesadas para a devolução da dívida com o FMI [sobre um total de 44 bilhões de dólares] caem entre 2021 e 2023. Por outro lado, em 2020 tínhamos que confrontar pagamentos muito grandes aos credores privados.
P. Suponhamos que em 22 de maio haja acordo com os credores. O que acontece então?
R. O horizonte consiste em uma estrutura produtiva capaz de satisfazer um conjunto de condições ao mesmo tempo: garantir trabalho com inclusão; gerar dinamismo e competitividade, algo com o que sempre tivemos problemas; e conseguir estabilidade macroeconômica, com um aumento das exportações que seja consistente com o crescimento do PIB em termos reais. A Argentina viveu historicamente períodos de expansão seguidos de quedas, crises de balança de pagamentos recorrentes, crises de dívida soberana. Essa instabilidade destrói emprego e gera exclusão social. Na Argentina, 40% da população se encontra em situação de precariedade trabalhista, e 52,3% das crianças menores de 14 anos sofrem pobreza.
P. Se a Argentina não pagar a dívida externa durante três anos, acumulará grandes reserva em dólares.
R. A Argentina tem um problema de integração nos mercados internacionais relacionado com vários fatores. Um deles são os controles de capital muito rígidos, implementados em agosto de 2019 em um contexto de alta ansiedade na economia. A Argentina precisa de regulações mais flexíveis. Para isso, temos que construir robustez, acumular reservas que sustentem um mercado interno de dívida em pesos, um fator muito importante para que o país possa se endividar em sua própria moeda.
P. Enquanto isso, o peso continua se desvalorizando frente ao dólar no mercado livre.
R. Mantemos o dólar oficial a uma taxa de câmbio real competitiva [69 pesos por dólar] e estável.
P. Mas o não oficial se aproxima dos 130 pesos por dólar.
R. A Argentina continua em uma situação de instabilidade. O câmbio oficial vai acompanhando a inflação. Sob condições de estabilidade macroeconômica, haveria estabilidade também nos mercados cambiais alternativos.
P. O que acontece se no dia 22 não houver acordo?
R. A Argentina está neste processo de reestruturação da dívida porque não tem capacidade de pagamento. E a Argentina vai trabalhar até conseguir o acordo. Claramente, ainda há um caminho importante a percorrer para chegar a um acordo.
P. O diálogo com os credores melhorou após o fracasso da primeira etapa da negociação?
R. Sim. Depois é preciso ver a que velocidade se desenvolve, mas hoje o diálogo está indo por onde queremos que vá.
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