Com população insegura na pandemia, reabertura de bares e restaurantes em São Paulo tem dia fraco
Associação do setor estima que só 30% dos estabelecimentos vão abrir esta semana na cidade, que ainda registra taxas altas da covid-19. "Com as pessoas trabalhando de casa, quem vai vir?', diz garçom
Após mais de cem dias fechados para o atendimento ao público em razão da pandemia de coronavírus e em meio a um plano de reabertura comercial visto como precipitado por epidemiologistas, bares e restaurantes voltaram a funcionar nesta segunda-feira em São Paulo, sob novos protocolos e com movimento tímido. Os estabelecimentos passaram a poder funcionar durante seis horas, até as 17h, e com apenas 40% da capacidade. Também terão que adotar medidas mais rígidas de higiene.
Acostumado a receber mais de 120 clientes no horário do almoço, o bar e restaurante Porto Madalena, localizado na Vila Madalena, uma das zonas mais boêmias da capital paulista, tinha vendido até às 14h30 cerca de dez pratos. Com a proibição de utilizar a área externa e manter um distanciamento maior entre as mesas, o espaço, que antes comportava até 150 clientes, passou a ter capacidade para atender 50 pessoas. “O movimento está bem fraco. Foram bem poucos os restaurantes da região que se aventuraram a reabrir. Está todo mundo inseguro”, diz Bernardo Café, garçom do restaurante, atrás de uma máscara e um escudo de material acrílico que cobre toda sua face.
No local, que só permite a entrada com algum tipo de proteção no rosto e disponibiliza álcool em gel em um totem da porta, apenas um cliente, o advogado Danilo Pereira, almoçava sozinho em uma mesa perto de uma janela. “Não aguentava mais comer a minha própria comida todo dia, queria sair um pouco de casa, ver a rua”, explica. “Acho que com todo o protocolo de segurança e sem causar nenhuma aglomeração não há problema. Não dá para a gente viver o tempo com paranoia ou vamos morrer dentro de casa de hipertensão”, completou o advogado que mora no bairro.
Do outro lado da rua, o bar Pasquim, também com poucas mesas de clientes, só permitia a entrada após um dos funcionários medir a temperatura da pessoa, que precisava estar abaixo dos 37,5ºC. Além do espaçamento maior entre as mesas, cada uma delas possuía um QR code para ler o cardápio através do celular. Apesar do local ter mais público no período da noite, o proprietário apostou mesmo assim no horário diurno para poder abrir as portas e começar a se adaptar as novas regras de segurança. “Queremos mostrar para a opinião pública que é seguro, seguindo todos os protocolos, voltar a frequentar bares. Aqui temos uma área bastante arejada, o espaço correto de distanciamento das mesas, só pode circular no local de máscara, colocamos o cardápio em QR code, estávamos ansiosos para o retorno”, diz Humberto Munhoz, sócio do bar.
Munhoz defende, no entanto, que o Governo comece a autorizar que os bares possam atender até às 22h para que os locais sobrevivam à nova realidade. "É preciso entender que 70% do setor é noturno, então a autorização de só abrir apenas de dia não é suficiente, é preciso mais. E as mesas nas áreas externas, em local totalmente arejado, deveriam ser autorizadas alinhado com os protocolos das cidades da Europa".
Apenas 30% dos locais devem abrir, diz associação
Segundo Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) de São Paulo, nessa primeira semana, apenas cerca de 30% dos estabelecimentos devem reabrir. “A maioria vai ficar na espera de uma situação um pouco melhor, de mais segurança. É preciso que os clientes estejam menos temerosos e que haja mais confiabilidade nas autoridades. Afinal, abrir e depois fechar será desastroso para quem está fragilizado economicamente”, explica.
Segundo pesquisa da Abrasel realizada em junho, o faturamento das empresas do setor caiu, em média, mais de 75%. Ainda segundo o levantamento, mais de 57% dos empresários tiveram que demitir funcionários. Dentre os proprietários que conseguiram manter as equipes, 83% suspenderam os contratos temporariamente através do programa Benefício Emergencial, em que Governo paga o corresponde a 100% do seguro-desemprego aos empregados. Em contrapartida, o funcionário tem a garantia de emprego pelo dobro do tempo de duração da suspensão contratual.
Maricato ressalta que reabrir os locais gera uma despesa mais alta do que manter apenas a atividade em delivery ou até mesmo fechada. “Há um custo maior porque você precisa ter funcionário cuidando de protocolos novos e por outro lado tem um faturamento menor. É um recomeço muito complicado. E os proprietários estão com dificuldade de conseguir crédito na ponta para manter as operações.”
Neste momento, São Paulo é o primeiro Estado do país em número de casos e mortes pela doença, com 323.070 infectados e 16.134 óbitos notificados. O Governo afirma, entretanto, que pela segunda semana consecutiva houve queda no número de mortos pela covid-19 e que a taxa de letalidade caiu para 5%, sendo a menor já registrada desde o início da pandemia. Os números, no entanto, seguem altos, mostrando que a doença não está controlada, o que pode justificar o receio que ainda paira na população sobre a doença.
Na zona Oeste de São Paulo, o garçom César Augusto se preocupa com o resultado do primeiro dia de reabertura. “Esse horário aqui tinha fila na porta. Mas, agora que não tem quase ninguém na ruas e as pessoas estão trabalhando de casa, quem vai vir?”, questiona. O funcionário já tem dúvidas se o local conseguirá sobreviver aos impactos da pandemia. “Até o delivery foi fechado devido à pouca demanda do serviço. O proprietário não demitiu ninguém ainda, está aguentando as pontas, dando uma força grande para a gente, mas se o movimento não voltar como vamos fazer?”, diz após atender a única mesa com clientes.
Já José Matos, proprietário do restaurante Sintra, no Centro da capital, está confiante que os clientes irão voltar. Ele apostou numa grande reforma no local e mudou quase toda a estrutura. O sistema de self-service, querido pelos brasileiros por ser uma alternativa rápida, com alimentos variados e mais acessível ao bolso, foi repaginado no local. “Agora tenho um funcionário que serve o buffet para os clientes”, diz ao explicar que a metodologia é mais segura em tempos de coronavírus. Ele também apostou em divisões de acrílico em todas as mesas para dificultar a possibilidade da disseminação do vírus.
Cautela
Nesta segunda-feira, tanto o Governador do Estado de São Paulo, João Doria, como o prefeito da capital, Bruno Covas, pediram cautela à população diante da flexibilização. Ambos frisaram que não queriam que se repetisse em São Paulo o que ocorreu na semana passada no Rio de Janeiro, em que dezenas de grupos se reuniram, sem máscara, na porta de bares no boêmio bairro do Leblon. “Não queremos em São Paulo as cenas a que assistimos no Rio de Janeiro e em Londres. Super aglomeração, pessoas sem máscaras, com dosagem alcoólica elevada e que não prestam atenção nem ao distanciamento e nem à sua própria proteção”, afirmou Doria. Covas ressaltou que essa fase de flexibilização não deve ser confundida com a comemoração do fim da pandemia.
Além dos serviços de bares e restaurantes, São Paulo também reabriu nesta segunda-feira os salões de beleza, estética e bem-estar. Os funcionários deverão utilizar touca, máscara reutilizável e óculos de proteção ou protetor facial, gorro, avental impermeável de mangas longas e luvas para tratamentos. Os salões deverão lavar ainda os cabelos e orelhas dos clientes antes de iniciar o corte de cabelos para minimizar a possibilidade de contaminação. Já o serviço de manicure precisará diminuir a quantidade de esmaltes expostos, usar luvas e higienizar a poltrona.
Do lado de fora uma barbearia da capital, Gustavo comemorava o corte de cabelo após mais de três meses. “Sinceramente, com todas essas novas regras me senti bem seguro, acho que no início da pandemia tínhamos mais medo de tudo. Agora precisamos ir retomando a vida com cuidado”, afirmou. Um dos funcionários do local disse que o movimento estava bom para um recomeço. “Acho que estavam com saudade do serviço. Não é fácil cortar cabelo sozinho”.
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