Robin Wright: “Durante muitos anos me enquadraram como a esposa infeliz”
A atriz de ‘House of Cards’ se liberta dos rótulos e agora faz sua estreia na direção com uma história de sobrevivência
Por 24 anos, Robin Wright (Dallas, 55 anos) ouviu a mesma pergunta repetidamente. Formulada de maneiras diferentes. Em ambientes diferentes, mas sempre igual. “Se eu acredito no amor verdadeiro”, ri a atriz. Não é curiosidade sobre seu casamento anterior com Sean Penn, nem seu casamento mais recente, com o relações públicas da Saint Laurent, Clément Giraudet. Não. A marca que ela deixou como Buttercup, em A princesa prometida, continua a assombrá-la tanto quanto sua adorável e maluca Jenny, de Forrest Gump. Wright viveu na pele todos os clichês de Hollywood, a rotulação, a coisificação, a desigualdade, mas chegou até aqui, aos 55, duplamente renascida. Em seu melhor momento. Primeiro, depois do papel de Claire Underwood, em House of Cards. E agora com um sonho longamente perseguido: dirigir. Land, sem previsão de lançamento no Brasil, é seu primeiro filme atrás das câmeras. Uma história de sobrevivência no meio da montanha, de reconexão, uma mulher sozinha. Robin Wright. Ela dirige e é a protagonista. E pensa em fazer de novo.
P. Parece que acontece com todos os filmes, mas em Land, que você filmou antes da pandemia, agora faz muito mais sentido.
R. Quando o roteiro deste filme chegou a mim, três anos atrás, eu quis fazê-lo porque estávamos passando por um momento de dor, com tiroteios em massa quase todas as semanas. Foi uma época horrível em nosso país com aquele presidente. E esta história era simples, mas mostrava o lado bonito da humanidade, da amabilidade. Se isso não é relevante hoje...
P. Os tiroteios e a violência continuam.
R. Sim, infelizmente. A doença mental em nosso país é um grande problema. Tenho a sensação de que isso não acontece em outros países e não estamos tratando disso com a urgência que deveríamos. As armas estão fora de controle. Por que em outros países essa violência é cerceada? Eu gostaria que fosse o mesmo aqui, mas eles se agarram à segunda emenda.
P. Por que você decidiu também estrelar o filme?
R. Não tive escolha [risos]. Depois de muito esforço, conseguimos o dinheiro, mas tínhamos que ir ao Canadá para filmar em 48 horas para aproveitar aqueles 29 dias de outubro em que talvez conseguíssemos as quatro estações. As produtoras me disseram que não poderíamos arriscar, que tinha que ser Edee.
P. Vindo de Claire Underwood em House of Cards ou Antíope em Mulher-Maravilha, Edee está no outro extremo. Embora forte para sobreviver sozinha nas montanhas, ela é uma mulher muito vulnerável.
R. Fiquei feliz no dia em que tirei os sapatos de salto alto e os vestidos justíssimos de Claire. Ela era uma personagem com quem eu não tinha nada a ver. E isso foi uma lufada de ar fresco, poder ser mais real, pura, vulnerável.
P. Interpretá-la mudou alguma coisa?
R. Minha conexão com a natureza. A ideia de voltar à natureza e sentir suas propriedades curativas. Minhas produtoras e eu morávamos em um trailer, atrás da cabana que se vê no filme, durante um mês, no meio do nada. Um dia estava ensolarado, no outro nevava... Não só foi terapêutico, como também deixou uma grande calmaria em nós.
P. Será que sobreviveria lá em cima?
R. Talvez com meu amigo Miguel [Demián Bichir, coprotagonista do filme] e com muita comida mexicana. Tínhamos um assessor que nos ensinou a caçar, embora não sejamos caçadores, a tirar a pele dos animais, desossá-los... Mas não acho que eu fosse capaz de matar e parece complicado sobreviver como vegetariana lá em cima.
P. Depois de House of Cards você disse que se sentia como se estivesse recomeçando. Dirigir é uma nova vida em Hollywood?
R. Acho que sim. Agora vou dirigir episódios de outra série, Ozark. Veremos o que acontece. Mas estou procurando com empenho mais coisas para dirigir. A atuação vai estar sempre aí... Tenho que atuar para pagar as contas porque o trabalho de diretora não paga [risos].
Robin Wright tinha 16 anos quando veio para Hollywood perseguindo um sonho: estar em um filme de John Hughes. Mas já sabemos que Molly Ringwald esteve à frente dela em todos eles. Para ela restou Santa Barbara, a novela de sucesso internacional, seguida por aqueles dois títulos que ainda marcam sua carreira, A princesa prometida e Forrest Gump. Então o estrelato se abriu inteiramente para ela, que escolheu ser mãe para a filha, Dylan (30 anos), e o filho, Hopper (27 anos). Foi difícil voltar. Em Hollywood cai mal ouvir um não. Wright também não gosta quando tentam encurralá-la ou digam o que tem que fazer. Como nestas entrevistas e nas promoções dos filmes. Não há perguntas censuradas a priori. Gentil, ri muito, relaxada do outro lado do Zoom em que aparece sua cozinha, sem maquiagem, mas sempre com o alerta ligado para não deixar que entrem em sua vida privada.
P. Atuar não é mais emocionante para você?
R. Sim, embora seja quando eu interpreto um papel selvagem, alguém totalmente oposta a mim, como Claire. Portanto, continua sendo um jogo e um desafio.
P. O contrário te aborrece?
R. Sim, preferiria não fazer. Talvez porque venho fazendo isso há muito tempo e fui rotulada por muitos anos como a esposa infeliz. Fiquei grata por sair daquela caixinha em que me colocaram. Não me interessa mais interpretar algo assim. É chato. House of Cards abriu outras portas para mim, mas as pessoas não têm uma imaginação expansiva, elas tiram você de uma caixa para te colocar em outra.
P. Este filme chega em um momento interessante, foi um ano de recorde no Oscar, com duas diretoras indicadas.
R. Alguém me perguntou recentemente se eu acreditava que havia sido aberto um espaço para mais diretoras e mais diversidade, pela pressão social. Claro, claro que foi por causa da pressão. Mas funcionou, então precisamos continuar pressionando. Sim, nós mulheres estamos saindo, mas é preciso conhecer todas as nacionalidades, todas as culturas. Estivemos colocando o mesmo filme inúmeras vezes e estava na hora de ele se romper.
P. Essa linha vermelha finalmente foi cruzada?
R. Sem dúvida. A rachadura no teto de vidro está ficando maior. Embora tenhamos levado muito tempo para rompê-lo e ainda tenhamos que atravessá-lo de todo. Parece forçado? Provavelmente, mas vai ser necessária certa flexibilidade.
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