_
_
_
_
_

“Entre Hollywood e uma vida, escolhi uma vida”: Josh Hartnett, a estrela que brilhou cedo demais, retorna

Coroado antes da hora como “o novo Tom Cruise”, o ator saltou do trem para a glória e se dedicou a filmes independentes e séries de TV. Agora, Guy Ritchie o resgata para Hollywood após 14 anos

Josh Hartnett fotografado no festival de Sundance em 2000.
Josh Hartnett fotografado no festival de Sundance em 2000.J. Vespa (Getty Images)
Mais informações
Retrato del actor Yul Brynner con un guión entre sus manos en el año 1960.
O mistério de Yul Brynner, a estrela que transformou a calvície no traço mais desejável do mundo
FILE PHOTO: Austrian Chancellor Sebastian Kurz receives actor Arnold Schwarzenegger at the Chancellery in Vienna, Austria, January 28, 2020. REUTERS/Leonhard Foeger/File Photo
Arnold Schwarzenegger vive nova onda de popularidade, aos 73 anos
Ben Affleck y Jennifer Lopez
Jennifer Lopez e Ben Affleck, a segunda parte de uma história de amor que todos querem que seja verdade

“Estava nas capas de todas as revistas. Não podia ir a lugar algum. Não podia confiar em ninguém. Estava sozinho.” Há exatamente 20 anos, a imprensa coroava Josh Hartnett como o novo Tom Cruise, o novo Gary Cooper, o novo Leonardo DiCaprio. Mas aquele título acabou se revelando prematuro. “Disse não às pessoas erradas”, lamentaria depois o ator. “Viam-me como alguém que tinha mordido a mão que lhe dava de comer. Tentei encontrar filmes menores e, nisso, queimei minhas pontes com os estúdios.”

Agora retorna, ao lado de Jason Statham, em Wrath of man, um thriller de Guy Ritchie, o primeiro trabalho de Hartnett em Hollywood em 14 anos. O diretor britânico o chamou porque um ator do filme havia saído do elenco e precisava ser substituído urgentemente ―e Hartnett morava perto do set de filmagem. Juntos, tiveram que improvisar o personagem à medida que rodavam. Josh diz que foi uma das melhores experiências da sua vida.

Em meio a tantos comentários sobre a sua “volta” (a segunda em 20 anos), Hartnett insiste em que nunca foi a lugar algum: “Nunca me retirei. Só comecei a fazer filmes menores e tive filhos”, esclareceu recentemente. Mas, embora tente não dramatizar, o desaparecimento de Josh Hartnett continua fascinando por ser um dos relatos mais transparentes sobre como exatamente Hollywood funciona.

Josh Hartnett decidiu ser ator quando trabalhava num videoclube, graças a Trainspotting, Os 12 macacos e Os suspeitos. Começou a estudar interpretação no prestigioso conservatório da Universidade Estadual de Nova York, mas foi expulso após escrever uma carta ao diretor apontando que o sistema de avaliação asfixiava a criatividade dos alunos.

Josh Hartnett dá autógrafos na estreia de ‘Pearl Harbour’, o filme que o transformaria em um astro, em 2001.
Josh Hartnett dá autógrafos na estreia de ‘Pearl Harbour’, o filme que o transformaria em um astro, em 2001.Kevin Winter (Getty Images)

Quando aterrissou em Los Angeles, sua agente Nancy Kremer o esperava no aeroporto com 80 testes agendados para as três semanas seguintes (o normal seriam quatro por semana). Daí saíram Halloween H20, Prova final e As virgens suicidas, onde Sofia Coppola se propôs a “transformá-lo em um ícone”: Trip Fontaine entrava no filme em câmara lenta, com Magic man, do Heart, ao fundo, e com a câmera percorrendo seu corpo das botas ao cabelo desgrenhado.

“Preparado para decolar”, titulava a People semanas antes da estreia de Pearl Harbor. “Esse cara terá mulheres acampadas no seu jardim durante meses”, vaticinava seu coprotagonista Ben Affleck. Josh tinha tido muitas dúvidas sobre aceitar aquela superprodução, porque temia que os diretores de prestígio não o levassem a sério depois, mas seu pai o convenceu. Disse-lhe que a fama é temporária, mas o arrependimento é permanente.

Em junho de 2001, a Vanity Fair publicou uma reportagem intitulada “A fabricação de Josh Hartnett”. “Admita”, acrescentava a chamada, “até 15 minutos atrás você também não sabia quem é”. A tese do artigo era que Hartnett não procurava a fama, porque era um rebelde apaixonado pela Geração Beat, mas que brilhava tanto que seu estrelato era simplesmente inevitável. “Cada vez que o levava a um teste o chamavam de novo, o que quase nunca ocorre”, alardeava seu representante Nancy Kremer. “Os diretores de elenco ligavam uns para os outros para recomendá-lo.”

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

Pearl Harbor transformará este desconhecido em um astro de cinema internacional. Se tudo sair como previsto, até 4 de julho será um destruidor de corações do calibre de Leonardo DiCaprio”, prometia a Vanity Fair. “Eu digo a ele que quando o filme estrear a vida dele vai mudar. E ele diz ‘eu sei...’, mas não sabe. Não tem nem ideia do que o espera. Haverá garotas correndo atrás dele. Ele vai lamentar”, dizia o produtor Jerry Bruckheimer, que definia Hartnett como um cruzamento entre Gary Cooper e Montgomery Clift. Pearl Harbor aspirava tanto a emular o fenômeno Titanic que sua campanha promocional passava por transformar Hartnett em um ídolo de massas do porte de DiCaprio ―independentemente do que as massas achassem.

Josh Hartnett e Harrison Ford em um evento para promover 'Divisão de Homicídios'. Na verdade, segundo Hartnett, os sorrisos eram impostados.
Josh Hartnett e Harrison Ford em um evento para promover 'Divisão de Homicídios'. Na verdade, segundo Hartnett, os sorrisos eram impostados. Jon Kopaloff (Getty Images)

Durante a rodagem, o diretor Michael Bay tentou, sem sucesso, ensiná-lo a mostrar “um sorriso de mil watts que explodisse na tela”. “Nunca entendi como as estrelas põem seu carisma para funcionar, mas certamente estão tentando me ensinar”, admitia o ator, que já havia sido contratado por um cachê de dois milhões de dólares para o seu filme seguinte, Falcão Negro em perigo, e tinha fundado sua própria produtora para desenvolver projetos. “Ocorre muito frequentemente que alguém seja proclamado como a próxima grande estrela, e perca a chance”, advertia Michael Bay. “Perde porque toma decisões erradas. E este negócio não perdoa.”

“Ah, aquela reportagem [da Vanity Fair] foi horrorosa”, lamentava-se Hartnett meses atrás no The Guardian. “Havia alguma declaração minha ou era só uma lista de gente falando como eu era bom? As pessoas sentiam que estavam atirando Josh Hartnett na cara delas, e a partir daquela capa notei ressentimento contra mim. Comparavam-me com Tom Cruise e Julia Roberts, era demencial. Era uma situação fadada ao fracasso. Também foi um exemplo interessante da natureza da fama. Simplesmente, quem me dera não tivesse me acontecido.”

Pearl Harbor foi a sexta melhor bilheteria de 2001, o que seria um sucesso para qualquer filme, menos para aquele, que além do mais recebeu críticas demolidoras. Assim, após quatro anos trabalhando todos os dias, Hartnett voltou para Minnesota e passou 18 meses sem ler roteiros. Desejava tanto se reconectar com sua vida anterior que voltou a sair com sua namorada do colégio, mas, desta vez, em lugar de se instalar com seus pais na capital (Saint Paul), comprou uma mansão de 6,5 milhões de reais em Lake of the Isles.

O vento virou

“A modéstia pode parecer atraente num rapaz bonito, mas para virar um astro Hartnett precisa desenvolver uma personalidade na tela”, escreveu David Denby na The New Yorker. “Uma estrela de cinema? Mais um ator com cabelo ruim que deu sorte”, criticava Anna Day. Ao tratá-lo como um produto (com sua própria etiqueta: “O novo Cruise/DiCaprio”), Hollywood especulou com Josh Hartnett até que seu valor real, fosse qual fosse, deixou de importar. Sua carreira foi percebida como um fracasso só porque não cumpriu as expectativas que a própria indústria tinha imposto sobre ela. A comédia sexual 40 dias e 40 noites (2002) representou finalmente seu primeiro sucesso como protagonista. Também seria o último.

Josh Hartnett faz campanha pelo democrata John Kerry em 2004. Segundo ele, foi um erro para a sua carreira.
Josh Hartnett faz campanha pelo democrata John Kerry em 2004. Segundo ele, foi um erro para a sua carreira. Michael Caulfield Archive (Getty Images)

Enquanto promovia Divisão de homicídios, não viu problema em insinuar que Harrison Ford não gostava de concorrência. “Tivemos nossos altos e baixos, ele me pôs a prova e eu o odiei durante um tempo. Metia-se comigo por minhas decisões, do tipo: ‘Isso não é um penteado de policial’. Além de Brad Pitt em Inimigo íntimo [com quem Ford também discutiu constantemente], sou o segundo cara jovem com quem ele trabalhou em toda sua carreira. Então quando entrei no seu território começou a dar cotoveladas. Talvez seja o sujeito mais agradável com todos os outros, mas comigo podia passar uma hora sentado no carro sem me dirigir a palavra.”

Em 2003, seu agente o chamou com notícias sensacionais: Josh tinha conseguido o papel de Superman. Mas o ator, que nem sequer sabia que era uma opção, recusou. Tinha coisas melhores para fazer do que passar 10 anos atado por contrato a uma saga (ou isso parecia na época), por mais que se especulasse que a oferta chegaria a 100 milhões de dólares por três filmes. Temia perder oportunidades de trabalhar com cineastas de prestígio. “Naquele momento os diretores mais importantes estavam me oferecendo filmes, e Superman era um risco”, esclareceu no começo deste ano. Esta história continua a persegui-lo porque, ao tentar evitar que fosse enquadrado como “o cara que fez Superman”, acabou sendo enquadrado como “o cara que não fez Superman... nem Batman”.

“Às pessoas não gostam que lhes digam não. Aprendi a lição quando me reuni com Christopher Nolan para Batman begins. Decidi que não era para mim, e depois não quis me contratar para O grande truque. E não só escolheu o Batman [Christian Bale] para o papel, como também contratou minha namorada da época [Scarlett Johansson]. Percebi que na rodagem de Batman begins se formou uma série de relações das quais eu teria que ter participado”, refletiria Hartnett, que admite invejar como Christian Bale conseguiu não só se enquadrar como também construir “uma carreira incrível”. “Por que então eu não soube ver isso?”, lamenta-se.

Josh Hartnett e sua esposa, a atriz Tamsin Egerton, em um jantar no palácio de Buckingham em 2019.
Josh Hartnett e sua esposa, a atriz Tamsin Egerton, em um jantar no palácio de Buckingham em 2019.Chris Jackson (Getty Images)

Quando A dália negra estreou, em 2006, Hartnett ainda conservava popularidade suficiente para sair nas capas, mas seu relato de estrela fracassada já estava cravado em sua imagem pública. Uma reportagem de capa na edição norte-americana da GQ, que o definia como um “ídolo adolescente em reabilitação”, explicava como, ao se tornar uma presença inevitável, Hartnett virou um cara “fácil de odiar”. “Sejamos honestos: nos enfiaram Josh Hartnett goela abaixo. Disseram-nos que era uma estrela, sua onipresença foi tão repentina que quando pudemos dar nome à sua cara já estávamos cansados de vê-la. Empurraram-no a ser estrela muito antes de ter algo remotamente semelhante ao currículo de uma estrela.” Isto em sua própria reportagem de capa. Àquela altura, a produtora de Hartnett tinha fechado sem desenvolver nem um só projeto. A reportagem da GQ mencionava A dália negra como “a volta” de Josh Hartnett. Tinha 28 anos.

E assim se passou uma década, entre cinema independente e curtas-metragens. Em The first Monday of May, o documentário de 2015 sobre o baile de gala do MET, a organizadora Anna Wintour aparece olhando um quadro com várias fotos de celebridades. De repente se detém em uma. “Quem é este?”, pergunta. “Josh Hartnett”, responde seu assistente. “E o que ele tem feito ultimamente?”, insiste Wintour. “Nada.” Wintour arranca a foto do quadro.

Justamente naquele 2015 Hartnett voltou à cena pública com a série Penny dreadful, com a qual pretendia “ser levado a sério além da minha aparência”. Despediu-se da sua agente, mudou-se para Surrey (Reino Unido) com sua mulher, a modelo Tamsin Egerton, com quem tem três filhos, e começou a falar abertamente sobre seus anos no auge.

“Em uma ocasião me ocorreu aparecer mascando chiclete numa cena. A ideia foi debatida entre várias pessoas durante vários dias e, ao final, decidiram que não. Tinham uma ideia do que queriam vender comigo ou da pessoa que queriam que eu fosse. E não envolvia mascar chiclete”, recorda. Um de seus maiores arrependimentos foi se meter com política, aos 25 anos: apoiou a campanha presidencial do democrata John Kerry, discursou em comícios em Iowa sem saber nada sobre Iowa e visitou colégios em bairros republicanos onde as crianças desmontavam seus argumentos.

Hartnett diz que em Hollywood a maioria das pessoas deixa sua vida anterior para trás e só se relaciona “com gente que possa lhe dar trabalho”. Admite que nenhum daqueles projetos de diretores de primeira categoria, que recebia aos montes quando recusou Superman, acabou indo para frente. E não esqueceu Harrison Ford: “Os caras que estão no topo ficam aterrorizados de que alguém venha por trás. Se essa for sua verdadeira ambição, estar sempre no topo, você vai passar a vida olhando para trás. Eu jamais iria querer isso. Sei que, se tivesse me deixado seduzir por Hollywood, hoje não teria uma vida feliz. E, naquele momento, decidi ter uma vida”.

Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_