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Em busca de vida extraterrestre nas luas de Júpiter

Dois líderes da missão Juno destacam que as luas jupiterianas são o lugar mais provável para encontrar seres vivos fora da Terra

Nuño Domínguez
Uma das imagens de Ganímedes feitas pela sonda Juno em 7 de junho.
Uma das imagens de Ganímedes feitas pela sonda Juno em 7 de junho.nasa
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Dias atrás, a sonda Juno da NASA sobrevoou Ganímedes, a maior lua do Sistema Solar, que orbita Júpiter e tem seu próprio campo magnético alimentado por um núcleo de metal fundido oculto sob uma camada de gelo permanente de mais de 800 quilômetros de espessura. A sonda fez o sobrevoo mais próximo desse gigante gelado nos últimos 21 anos e registrou algumas das imagens de maior resolução já feitas desse satélite, incluindo sua face oculta. Duas imagens em preto e branco retratam um mundo repleto de crateras e fendas profundas sob as quais se esconde um oceano de água líquida, provavelmente preso entre duas camadas grossas de gelo. Esse ambiente remoto e violento das luas de Júpiter é provavelmente o melhor lugar para encontrar vida extraterrestre no Sistema Solar.

“Se tomarmos as decisões certas, talvez possamos confirmar a existência de vida em uma dessas luas em cerca de 20 anos”, afirma Lucas Paganini, um engenheiro argentino nascido em Mendoza há 41 anos que é líder de exploração do Sistema Solar na sede da NASA e cientista de programas da missão Juno.

Filho de um engenheiro mecânico e uma especialista em psicologia e educação, Paganini se define como um “garoto de bairro de classe média”. Começou a se interessar pelo estudo de compostos químicos na atmosfera terrestre quando estudava engenharia de telecomunicações em seu país natal, e depois se especializou na análise de atmosferas de outros planetas.

O engenheiro e cientista argentino Lucas Paganini.
O engenheiro e cientista argentino Lucas Paganini.L. P.

A Juno explora um dos lugares mais perigosos da nossa vizinhança cósmica. Júpiter é o maior planeta do Sistema Solar. Suas camadas internas atuam como um dínamo gigantesco que gera uma enorme radiação de partículas carregadas, que atingem constantemente a armadura de titânio da nave. Paganini lembra que o objetivo primário da missão era se concentrar no estudo de Júpiter e sobrevoar pela primeira vez seus polos, onde fotografou tempestades de mais de 1.400 quilômetros de diâmetro que podem durar anos, até mesmo séculos. Terminada sua missão “oficial”, a NASA aprovou uma extensão de suas operações até setembro 2025, se a veterana Juno aguentar até lá.

“É muito interessante ver como essa radiação começa a afetar os instrumentos a bordo”, assinala Paganini. “Isso pode significar a perda de alguns deles, mas é um conhecimento essencial para planejar nossas próximas missões.”

A nave deve sobrevoar Ganímedes mais uma vez em 21 de julho, para depois virar suas câmeras para Europa, outro satélite de Júpiter e muito mais propício para procurar vida. A primeira vez que a humanidade viu Europa de perto foi graças à nave Voyager, que há 40 anos mostrou sua superfície gelada coberta de linhas avermelhadas, como se fosse um enorme olho injetado de sangue. Muitos anos depois, a equipe de Paganini usou um dos maiores telescópios ópticos da Terra, localizado no topo de um vulcão havaiano, para analisar os gases presentes nessa lua. Em um estudo histórico, a equipe confirmou que havia vapor de água e que este poderia vir do oceano salino escondido abaixo de uma camada de gelo de vários quilômetros de espessura.

Imagem de Europa, uma das luas de Júpiter, registrada pela sonda Galileo na década de 1990.
Imagem de Europa, uma das luas de Júpiter, registrada pela sonda Galileo na década de 1990. NASA

Em Europa, o oceano subterrâneo pode reunir todas as condições para a existência de seres vivos: água em contato com rochas, energia, compostos essenciais para a vida e tempo. Júpiter foi o primeiro planeta a se formar depois do nascimento do Sol, há cinco bilhões de anos. Europa e Ganímedes apareceram pouco depois, a partir dos escombros que rodeavam o planeta gigante.

“Na verdade, sabemos muito pouco sobre a história de como Europa e as demais luas jupiterianas se formaram”, diz ao EL PAÍS Scott Bolton, cientista-chefe da Juno. “O que sabemos é que esse ambiente é como um Sistema Solar em miniatura, onde a força gravitacional de Júpiter faz com que Europa se deforme, e isso gera calor em seu interior. Além disso, existe a possibilidade de que no oceano interior existam fontes hidrotermais, lugares que na Terra estão repletos de micróbios, apesar de estarem em total escuridão”, ressalta.

A sonda americana deve sobrevoar Europa em 2022 a apenas 320 quilômetros da superfície. A última vez que uma nave passou tão perto dessa lua foi há 21 anos, durante a missão Galileo. A Juno deve fazer um mapa da superfície gelada para comparar suas imagens, muito mais detalhadas, com as de sua antecessora, e verificar se houve mudanças que poderiam indicar processos hidrológicos.

“Até recentemente, pensava-se que a única área habitável do Sistema Solar onde poderia haver água líquida era em torno da órbita da Terra”, prossegue Bolton. “O fato de termos evidências da existência de um oceano em Europa e a detecção de água abrem nossos olhos”, acrescenta. O único lugar que poderia rivalizar com Europa na busca por vida extraterrestre seria Encélado, uma das luas de Saturno, onde foram descobertas fumarolas espetaculares que saem do gelo expelindo vapor de água e partículas, e quem sabe se microrganismos também.

Um dos instrumentos da Juno emite sinais de rádio para a superfície e permite ver a composição interna do gelo, explica Paganini. “Dependendo das condições, poderiam ser analisados os primeiros 20 quilômetros de espessura. Não sabemos a grossura da camada de gelo de Europa, mas estima-se que tenha pelo menos cinco quilômetros e possa chegar a mais de 20. O que pensamos é que pode haver pequenos depósitos de água líquida em áreas menos profundas, e que estes poderiam estar conectados com o oceano inferior por uma rede de aquedutos naturais. Dessa forma, pode ser que a apenas 200 metros da superfície exista um desses depósitos. Seria muito mais fácil no futuro tentar chegar à superfície nesse ponto, perfurar e chegar à água líquida”, descreve.

Os instrumentos da sonda Juno podem procurar água de uma segunda forma: detectando as fumarolas, uma espécie de gêiseres por onde a água do fundo chega à superfície, explica o engenheiro. “É uma janela para o interior sem necessidade de perfuração”, acrescenta.

O que a missão da Juno descobrir nestes seus últimos anos de vida será fundamental para as próximas que a NASA já está planejando. A primeira será a do Europa Clipper, um orbitador que decolará em 2024 e chegará a Júpiter em 2030. O passo seguinte seria a Europa Lander, uma missão ainda não aprovada, que seria a primeira a pousar nessa lua. “Ela levaria um braço robótico para coletar gelo e usaria seus instrumentos de bordo para medir sua massa, analisá-lo com espectrômetros de raios ultravioleta e fazer estudos sísmicos”, afirma Paganini. Para muito depois ficaria outra missão capaz de perfurar o gelo além do primeiro metro de espessura, embora talvez não seja necessário, diz o engenheiro. “Os instrumentos científicos capazes de ver luz infravermelha ou ultravioleta poderiam realizar medições indiretas que nos permitiriam avaliar se a explicação mais plausível para o que vemos é a existência de organismos. É como quando você escuta que está vindo um carro sem precisar vê-lo”, compara Paganini

A hipotética vida nas luas jupiterianas seria unicelular, “como a que havia em nosso planeta bilhões de anos atrás”, assinala Paganini. “Talvez haja algo mais complexo, como extremófilos semelhantes aos ursos d’água, que têm grande resistência à radiação.”

A Juno também deve visitar outra lua infernal, mas apaixonante: Io, um satélite repleto de vulcões e lagos de lava, o lugar com mais vulcanismo do Sistema Solar. Se sobreviver a todas as suas tarefas, a sonda será programada para cometer suicídio. Mergulhará na atmosfera de Júpiter até que a pressão a destrua completamente. A razão para esse final é proteger a todo custo as luas do planeta e a vida que possam abrigar.

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