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Quantidade de coronavírus na saliva pode ajudar a prever gravidade da covid-19

Carga viral na boca está associada à potencial de evolução da doença e é útil para personalizar os tratamentos, segundo um estudo da Universidade de Yale

Paciente realiza teste de PCR do coronavírus na Cidade do México, em 6 de janeiro.
Paciente realiza teste de PCR do coronavírus na Cidade do México, em 6 de janeiro.Hector Guerrero
Manuel Ansede

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MICHAEL LAUE/RKI & CARSTEN DITTM
02/12/2020
Pesquisadores investigam se coronavírus se infiltra no cérebro através do nariz

A covid-19 apareceu há um ano no mundo sendo imprevisível. A maior parte dos doentes tinha sintomas leves, mas 15% precisavam de oxigênio, e outros 5% iam parar na UTI, se houvesse vaga. Em 1% dos afetados, a infecção se descontrolava e acabava em morte, segundo os dados da primeira onda na Espanha. Após um ano de combate, a comunidade científica está aprendendo a se antecipar aos movimentos do vírus. O mais novo avanço veio do laboratório da imunologista Akiko Iwasaki, na Universidade de Yale (EUA). Seus resultados preliminares sugerem que a quantidade de vírus na saliva serve para predizer o desenlace da enfermidade.

“A carga viral na saliva nos primeiros momentos está correlacionada com a gravidade da doença e com a mortalidade”, afirma a equipe de Iwasaki, que analisou exaustivamente 154 pacientes com covid-19 no hospital da universidade, na cidade de New Haven. Seus dados mostram que os níveis crescem progressivamente, de um mínimo nos pacientes leves até um máximo nos doentes graves e nas pessoas mortas por causa da infecção pelo coronavírus. A maior carga viral na saliva aparece associada a fatores de risco conhecidos, como idade avançada, o sexo masculino, câncer, insuficiência cardíaca, hipertensão e as doenças pulmonares crônicas.

“Se colhêssemos amostras de saliva e analisássemos a carga viral —sobretudo no princípio da infecção, quando a pessoa chega ao hospital—, isso poderia ajudar muito os médicos a preverem o prognóstico do paciente e escolher os tratamentos”, diz o microbiólogo espanhol Arnau Casanovas, que participou do novo estudo, ainda um rascunho pendente de revisão para ser publicado em uma revista especializada. Casanovas, depois de sete anos na Universidade de Yale, foi contratado em agosto pela empresa norte-americana de biotecnologia Tangen Biosciences, dedicada a desenvolver novos métodos de diagnóstico.

A equipe liderada por Iwasaki argumenta que a saliva ajuda a prognosticar muito melhor a evolução da doença do que as amostras colhidas com um swab de nasofaringe, o já popular cotonete enfiado pelo nariz nos exames de PCR. Uma de suas hipóteses é que o cultivo do vírus no nariz e faringe só reflete a multiplicação do vírus no trato respiratório superior, enquanto a saliva também mostra a situação nos pulmões. O sistema mucociliar —um mecanismo de defesa para expulsar germes— levaria os coronavírus do trato respiratório inferior até a boca.

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A pesquisa mostra que a maior carga viral na saliva também está associada a uma maior quantidade de biomarcadores sanguíneos da reação inflamatória característica dos casos graves de covid-19. Essa maior carga viral, por sua vez, está vinculada a níveis mais baixos de plaquetas, glóbulos brancos e anticorpos específicos contra o coronavírus.

A espanhola Elisabet Pujadas, patologista e pesquisadora da Escola Icahn de Medicina do Hospital Mount Sinai, de Nova York, aplaude o novo estudo. “Oferece uma perspectiva valiosa: que a saliva pode ter um maior valor do que se pensava para o diagnóstico e para o prognóstico”, opina. A equipe de Pujadas já publicou em agosto a relação entre a maior carga viral analisada em amostras na nasofaringe e a mortalidade por covid-19. “É possível que a saliva possa refletir melhor a infecção do trato respiratório inferior”, aponta.

A pesquisadora, que não participou do estudo, ressalva porém que a nova análise inclui apenas 154 pacientes, por isso “seria prematuro” decidir imediatamente pelo uso da saliva no lugar das amostras de nasofaringe. “Entretanto, estes resultados promissores justificam que se dediquem mais recursos a recolher e estudar amostras de saliva”, acrescenta.

Para Pujadas, a lição principal é que não se deve classificar os pacientes de covid-19 com um simples positivo ou negativo. Seria preciso medir sua carga viral. “Para certos vírus, como o HIV, o padrão de qualidade é a carga viral, porque anos de pesquisa demonstraram que ela tem implicações importantes para o risco do paciente e afeta nossa estratégia de tratamento. Assim deveria ser também com a covid-19”, afirma a patologista.

Iwasaki, Casanovas e outros colegas já publicaram em setembro um estudo que sugeria o potencial da saliva para diagnosticar as infecções pelo novo coronavírus. Uma revisão sistemática de 37 estudos acaba de mostrar que as amostras de saliva podem substituir os bastões de nasofaringe, com a mesma precisão e menor preço.

“Temos dito há tempos que seria melhor usar a saliva como amostra prioritária. É muito mais fácil recolher saliva que usar um swab de nasofaringe. Não é necessário pessoal de enfermagem. Cada pessoa pode cuspir em um potinho na sua casa. E evita o risco ao colher a amostra com a haste, porque às vezes as pessoas espirram ou tossem e geram aerossóis”, argumenta Casanovas.

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