Por que os cientistas construíram a câmera que tirou a maior foto da história
Imagem tem 3.200 megapixels, 32 vezes mais que as câmeras dos celulares mais avançados, e exigiria 378 telas de alta definição para ser mostrada por inteiro
Sydney Brenner, prêmio Nobel de Medicina, disse certa vez que “o progresso científico depende de novas técnicas, novos descobrimentos e novas ideias, provavelmente nessa ordem”. Ele mesmo deu o exemplo criando um modelo animal, o verme C. elegans, que serviu para testar muitas das ideias sobre genética discutidas durante as décadas anteriores. Da mesma forma, há na história da ciência dezenas de outros exemplos que sustentam essa hipótese. Giordano Bruno já propunha no século XVI a existência de múltiplos mundos no universo – um dos motivos que o levaram a ser queimado vivo pela Igreja –, mas foram necessários quatro séculos e novas técnicas para que, a partir da década de 1990, centenas de planetas fora do Sistema Solar começassem a ser descobertos. Nesta semana, anunciou-se a última prova de uma dessas novas técnicas capazes de fazer descobertas decisivas para testar certas ideias e fazer a ciência avançar.
O marco é a maior foto já tirada em uma só exposição. Essa imagem, de 3.200 megapixels (as câmeras dos celulares mais avançados têm pouco mais de 100), tem como modelo a cientista Vera Rubin (1928-2016), descobridora da matéria escura, e é uma prova da capacidade da Câmera da Investigação do Espaço-Tempo (LSST, na sigla em inglês) montada no Laboratório Nacional de Aceleradores SLAC (EUA). Contam os responsáveis pelo artefato que a foto tirada pela LSST é tão grande que necessitaria de 378 telas de televisão 4K de ultradefinição para ser mostrada em tamanho completo.
Depois de testar seu poderio, esta ferramenta será instalada em 2021 no Observatório Vera C. Rubin, que está sendo construído no alto do monte Pachón, a mais de 2.600 metros de altitude, no deserto chileno do Atacama. Ali, em um ambiente com noites extremamente escuras e secas, o céu é suficientemente límpido para não borrar ainda mais objetos tremendamente longínquos, cuja luz chega à Terra como uma mancha difusa. O objetivo da maior câmera digital já fabricada será fazer em intervalos de poucos dias imagens completas do céu do Hemisfério Sul. Esta atividade será mantida por pelo menos uma década e permitirá acompanhar de forma minuciosa os movimentos e transformações de dezenas de bilhões de galáxias e estrelas.
Os objetivos científicos do Observatório Rubin são múltiplos. Um dos principais e que homenageia a mulher que lhe dá nome é o estudo da natureza da matéria escura e da energia escura. Ao multiplicar o número de galáxias e estrelas observadas e fazê-lo durante muitos anos, será possível conhecer melhor seus movimentos com o passar do tempo e como eles distorcem o tecido do espaço-tempo. Rubin descobriu que deveria existir uma matéria invisível no cosmo porque a observação de muitas galáxias lhe permitiu ver que rodavam muito rapidamente para conterem apenas matéria visível. O novo observatório, com inauguração prevista para 2022, aprofundará esse caminho.
Essa vigilância permanente do universo também servirá como sistema de alerta para que não escapem fenômenos únicos. A eclosão de uma estrela, por exemplo, é algo que pode ser muito efêmero, e um aviso a tempo pode dirigir os olhares de outros telescópios para um fato que, do contrário, poderia passar despercebido ou demorar muito a ser revelado.
A gigantesca câmera capturará galáxias e fenômenos a milhões de anos-luz de distância, mas as imagens tiradas por esse artefato de três toneladas também capturarão o que acontece mais perto. O Observatório Rubin seguirá asteroides com mais de 140 metros de diâmetro, os mais perigosos para os habitantes da Terra, em seus movimentos pelo Sistema Solar e arredores.
Como dizia Brenner, a nova tecnologia desenvolvida pelo SLAC permitirá realizar novas descobertas, que provem ou descartem velhas ideias e nos levem a nos cogitar outras novas.
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