Moraes pede vista de julgamento do marco temporal de terras indígenas e empurra decisão para o Congresso
Relator da ação no STF, Fachin votou a favor dos povos nativos, e Nunes Marques abriu divergência. Caso foi suspenso por prazo indefinido. Parlamentares discutem lei que limita a demarcação
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu não decidir. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista nesta quarta-feira do julgamento sobre o marco temporal em terras indígenas. Com isso, o julgamento fica suspenso até que o magistrado decida emitir seu voto —teoricamente, ele teria 10 dias, prorrogáveis por mais dez para se manifestar, mas na prática os ministros não têm prazo para devolver os casos ao plenário. A tese em julgamento afirma que só poderão ser considerados territórios de povos nativos aqueles ocupados ou reivindicados por eles até a promulgação da Constituição de 1988. O relator da ação, o ministro Edson Fachin, terminou de ler seu voto favorável aos indígenas e contra o marco temporal na semana passada. O ministro Kassio Nunes Marques abriu divergência e, nesta quarta-feira, votou a favor do marco —e dos interesses do agronegócio e do Governo Jair Bolsonaro, contrários a mais demarcações.
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Ao votar, Moraes pediu vista sob a justificativa de que Nunes Marques havia trazido elementos novos, que demandam mais tempo para serem analisados . Moraes costuma ser rápido ao devolver as ações para o plenário. O Supremo está dividido sobre a questão, com ministros favoráveis aos interesses dos indígenas e outros a favor das empresas do agronegócio, mas existe o entendimento de que o tema precisa ser resolvido logo.
Caso Moraes demore, ficam abertas as portas para que o Congresso resolva a questão antes, a partir do Projeto de Lei 490/2007, que tramita na Câmara dos Deputados. Além de inserir a tese do marco temporal na legislação, o texto proíbe a ampliação de terras que já foram demarcadas e ainda permite a exploração de territórios indígenas por garimpeiros. O PL também flexibiliza o contato com povos isolados —antes da Constituição, a política brasileira era a de ir atrás desses povos para integrá-los, o que acabou dizimando diversas etnias por doenças para as quais eles não tinham imunidade. O projeto já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, no início de julho, e aguarda para ser votado no plenário.
Em seu voto favorável ao marco temporal, Nunes Marques afirmou que a derrubada desta tese, que coloca como critério a data da promulgação da Constituição, pode resultar na expansão infinita das terras indígenas no país. “Posses posteriores à promulgação da Constituição Federal não podem ser consideradas tradicionais, porque isso implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário nacional”, afirmou.
O magistrado também alertou para a possibilidade de “conflitos de toda ordem sem que haja horizonte de pacificação”, caso não haja um marco temporal. “A propriedade privada é elemento fundamental das sociedades capitalistas, como é a brasileira atual. A insegurança sobre esse direito é sempre causa de grande desassossego e de retração de investimentos”, acrescentou.
Nunes Marques foi o primeiro ministro do STF a abrir divergência com o relator Fachin. Na última quinta-feira, o ministro terminou de dar seu voto favorável aos indígenas. “Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena, significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação, negando-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”, afirmou.
A questão é controversa, uma vez que a Constituição não determina uma data específica de ocupação a ser considerada nas demarcações. De acordo com o artigo 231, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
O marco temporal foi debatido em 2009, quando os ministros analisaram a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, palco de disputa desde a década de setenta. Foi justamente com base na teoria que deram uma decisão a favor dos indígenas, ao dizer que tinham direito ao espaço porque já estavam ali antes da promulgação da Constituição. Ficou estabelecido, no entanto, que o entendimento sobre o marco temporal só valeria para aquela terra.
A decisão acabou abrindo precedente para que outros casos fossem julgados com base no mesmo entendimento. A tese acabou sendo acolhida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em 2013. Na ocasião, a corte confirmou uma decisão da Justiça de Santa Catarina de 2009, que concedera ao Governo daquele Estado a reintegração de posse de uma área localizada em parte da reserva indígena Ibirama-Laklãnõ. Ali vivem os povos Xokleng, Guarani e Kaingang. A Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreu à decisão e ela foi parar no Supremo. A ação ganhou ainda mais importância em 2019, quando ganhou status de repercussão geral. Isso significa que a decisão tomada pelos ministros agora servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.
“Dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que a solução dada para os Macuxi é a mesma dada para Guaranis. Para os Xokleng, seria a mesma para os Pataxó”, argumentou Fachin durante seu voto. “Só faz essa ordem de compreensão, com todo o respeito, quem chama todos de ‘índios’, esquecendo das mais de 270 línguas que formam a cultura brasileira. E somente quem parifica os diferentes e as distintas etnias pode dizer que a solução tem que ser a mesma sempre. Quem não vê a diferença não promove a igualdade”, acrescentou.
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