Bolsonaro acena para base radical e veta punição a fake news em projeto sobre crimes contra a República

Projeto aprovado pelo Congresso substitui a Lei de Segurança Nacional e tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito. Bolsonaro também vetou aumento de pena para militares golpistas

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de entrega da Medalha do Mérito Desportivo Militar, no Rio de Janeiro, em 1º de setembro.Andre Coelho (EFE)
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Em um aceno à sua base eleitoral mais radical —inclusive a que está dentro dos quartéis— o presidente Jair Bolsonaro vetou na quarta-feira parte do projeto aprovado no Congresso que tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito. Este texto substitui a Lei de Segurança Nacional (LSN), chamada de “entulho da ditadura” pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski em referência ao fato de a legislação ter sido criada durante os anos de chumbo. O Governo vinha usando a LSN para perseguir opositores nos últimos anos. No total, o mandatário barrou cinco pontos da nova lei, sendo que dois deles podem ter impacto direto para seus apoiadores extremistas: a punição para atos de “comunicação enganosa em massa”, as chamadas fake news, e o aumento da pena por crimes contra o Estado de Direito quando cometidos por funcionários públicos —dentre eles militares e policiais. Cabe ao Congresso agora analisar os vetos do presidente, o que não tem prazo para ocorrer.

Caso sejam mantidos, estes vetos podem ter um impacto relevante nas eleições de 2022, e também têm potencial para inflamar ainda mais o discurso golpista de Bolsonaro que ganha força dentro dos quartéis. Nos últimos meses, o presidente tem frequentemente colocado em xeque a realização do pleito do ano que vem caso não haja voto impresso (proposta que já foi derrotada na Câmara). Ele e vários de seus apoiadores são alvos de um inquérito no Supremo Tribunal Federal que investiga a disseminação de fake news, e em agosto a Corte incluiu no processo a apuração dos ataques feitos sem provas pelo mandatário contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.

Desde a campanha eleitoral que o levou ao Planalto em 2018, o principal núcleo político e familiar de Bolsonaro tem sido criticado pelo uso indiscriminado de notícias falsas nas redes sociais, o que, segundo especialistas, tem potencial para influenciar os rumos da próxima eleição presidencial. Carlos Bolsonaro, por exemplo, é apontado como o cabeça do gabinete do ódio, uma espécie de central de fake news que operaria de dentro do Planalto.

Os ataques do presidente contra o sistema eleitoral ganharam força este ano em meio ao derretimento da popularidade do mandatário, e fizeram com que o Tribunal Superior Eleitoral adotasse uma postura mais ativa para rebater as acusações infundadas. Isso colocou o presidente da corte, ministro Luis Roberto Barroso, em rota de colisão com Bolsonaro. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o magistrado afirmou que irá atrás dos “profissionais” de fake news nas eleições. “Nós pretendemos ir atrás mesmo, com Polícia Federal e o que seja necessário para impedir esse tipo de atuação”, disse.

Ao vetar o artigo que previa punição para quem espalha “comunicação enganosa em massa” o Governo alegou que este trecho iria contra o interesse da população ao não definir claramente quem seria alvo da punição: quem compartilhou ou quem gerou o conteúdo replicado. “A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões”, diz Bolsonaro na justificativa do veto enviada ao Senado. Ainda segundo o Planalto, o texto aprovado pelo Congresso “enseja dúvida se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível”.

Aceno aos militares golpistas

Já o veto ao aumento da pena por crimes contra o Estado de Direito cometidos por militares pode acirrar ainda mais os ânimos de setores golpistas dentro das Forças Armadas e das polícias. O presidente alegou que o artigo aprovado pelo Congresso seria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”. Mas a decisão tem como pano de fundo a participação de membros destas corporações na política nacional, que ficou sob os holofotes desde que Bolsonaro levou militares da ativa para dentro do Governo. A questão se acirrou ainda mais no último mês, após o mandatário convocar uma série de atos para o dia sete de setembro que devem contar com reivindicações golpistas e contra o poder Judiciário e Legislativo. Integrantes das forças de segurança simpatizantes ao presidente sinalizaram que devem aderir aos protestos, aumentando ainda mais o temor de uma ruptura institucional e a associação da tropa com bandeiras antidemocráticas.

No final de agosto o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), rival político do presidente, afastou o coronel da Polícia Militar paulista Aleksander Lacerda, então comandante de Policiamento do Interior da região de Sorocaba, que estava usando suas redes sociais para convocar policiais para o ato no dia da Independência, bem como atacando presidentes de outros poderes da Republica. O regulamento interno da corporação veda a participação de seus integrantes em atos político-partidários. Para evitar a adesão ilegal de policiais aos atos, a Corregedoria da PM de São Paulo determinou que todo o efetivo da força terá que trabalhar durante os protestos para reforçar o “patrulhamento disciplinar”.

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