Investigação de Queiroga, Pazuello, Ernesto Araújo e mais 11 testa poder da CPI da Pandemia
Senadores decidem fechar cerco sobre nomes que podem confirmar a existência de um gabinete paralelo que deu suporte ao presidente em decisões equivocadas que negligenciaram a gestão da covid-19 e elevaram o número de mortes no Brasil
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O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), além de outras 11 autoridades serão investigados pela CPI da Pandemia. É um passo além na Comissão depois de dois meses e meio de audiências sobre erros na gestão da pandemia no Brasil e as responsabilidades do presidente Jair Bolsonaro. Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da Presidência; Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde; Nise Yamaguchi, médica defensora da cloroquina e suposta integrante do “gabinete paralelo”; Paolo Zanotto, virologista defensor da cloroquina, também suposto integrante do “gabinete paralelo” e o empresário Carlos Wizard, empresário e conselheiro de Pazuello, também estão na lista. Luciano Dias Azevedo, anestesista da Marinha apontado como autor de proposta para alterar a bula da cloroquina, substância sem efeito contra a Covid, também será investigado. Em entrevista coletiva, Randolfe Rodrigues anunciou que a CPI retirou a classificação sigilosa dada a documentos recebidos pela comissão.
O anúncio foi feito nesta sexta, num momento em que o poder de fogo da CPI começa a ser questionado. Quais frutos efetivamente a CPI pode trazer para o Brasil, enquanto o presidente da República continua desafiando a ciência, sugerindo às pessoas que contrair a covid é mais eficiente que se vacinar, ou que o uso de máscara depois da vacinação é desnecessária? Quais medidas legais podem ser extraídas a partir das conclusões dos senadores que integram a CPI? Com a decisão por investigar, a comissão pode requisitar, por exemplo, documentos e informações de órgãos públicos em prazo determinado, além de convocar novos depoimentos de testemunhas e autoridades, além de “requisitar os serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais”.
A Comissão trouxe a público ex-ministros da Saúde e especialistas que reforçaram as críticas ao presidente e fortaleceram a percepção de que um esquema foi montado no Brasil para apostar na imunidade de rebanho. Mas também deu palco para negacionistas que dão sustentação à política de Bolsonaro. Nesta sexta, os médicos infectologistas Ricardo Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves defendiamm o tratamento precoce da covid-19 com medicamentos como a cloroquina e a hidroxicloroquina. Enquanto isso, o senador e relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), marcava posição contrária com o anúncio sobre os investigados, do lado de fora da sessão.
Calheiros havia deixado a sessão alegando que não faria perguntas aos convidados. “Nós chegaremos sábado provavelmente a meio milhão de mortes pela covid-19 no Brasil e continuamos a ouvir esse tipo de irresponsabilidade”, afirmou. Ele se retirou e, juntamente com os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, e Humberto Costa (PT-PE), anunciou para a imprensa a lista dos investigados.
A sessão foi esvaziada desde o princípio, pois já havia rumores sobre a divulgação dos investigados desde a véspera. No início, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), anunciou que os requerimentos que seriam votados nesta sexta-feira só entrarão na pauta na próxima terça-feira. Ao todo, 317 requerimentos aguardam apreciação. Diante do esvaziamento, senadores governistas chegaram a pedir desculpas aos médicos convidados pelo quórum baixo. “Peço desculpas pelo esvaziamento”, afirmou o senador Jorginho Mello (PL-SC), aos médicos. Zimerman e Alves são infectologistas. O primeiro é ex-presidente da Associação Gaúcha de Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar. Ele afirmou em vídeo que medicamentos para o “tratamento precoce” da covid-19, como ivermectina e hidroxicloroquina, já têm eficácia comprovada. Alves é especialista em Infectologia pelo Instituto Emílio Ribas e diretor-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP) , apontado como um dos coautores da nota informativa do Ministério da Saúde que dava orientações para o “tratamento precoce” da covid-19.
Em sua fala, Alves pediu que o debate sobre o tratamento da covid-19 fique no âmbito da medicina. “Estranhamente a partir de maio de 2020 começamos a assistir a politização do tratamento”, disse, sem esclarecer que a partir daquela data a ciência atestava a ineficácia da cloroquina para o tratamento de covid-19. Sua sugestão para evitar os desencontros foi silenciar quem se apoiava nas orientações científicas. “Urge e é necessário retirar juízes e repórteres das salas de emergência deste país”, afirmou. Já Zimerman colocou em debate a eficácia do lockdown. “Muitas vezes lockdown é o contrário do distanciamento social”, afirmou.
Ainda nesta sexta-feira, Randolfe Rodrigues protocolou requerimento pedindo que representantes do Google e do Facebook compareçam à CPI. Isso porque na quinta-feira o presidente Jair Bolsonaro afirmou em live transmitida por suas redes sociais que já estava imunizado contra a covid-19 pois já havia contraído o vírus. “Eu já me considero. Eu não me considero não, eu estou vacinado, entre aspas. Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina porque você pegou o vírus para valer. Então, quem contraiu o vírus, não se discute, esse está imunizado”, afirmou o presidente. “Por muito menos, o Twitter baniu o Donald Trump. Não se trata de censura. O presidente pode falar a besteira que quiser, mas não pode disseminar notícias sem lastro na ciência e que contribua para o aumento deste número de mortos”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues.
Além dos dois ex-ministros e do atual comandante da pasta da Saúde, a CPI anunciou que investigará integrantes do chamado “gabinete paralelo”: Arthur Weintraub, ex-assessor especial da Presidência, Francieli Fantinato, coordenadora do Programa Nacional de Imunização, Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas; Elcio Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde; Hélio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde. Resta saber em quanto tempo a CPI vai entregar um quebra-cabeça com as informações coletadas e qual impacto ele pode ter no Brasil de meio milhão de vítimas da covid-19 que ainda mantém mais de 2.000 mortes por dia.
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