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Oposição bielorrussa no exílio: “Ninguém pode se sentir seguro”

EL PAÍS conversa com dissidentes na Lituânia depois da detenção do jornalista Roman Protasevich

Membros do Repórteres Sem Fronteiras posam na fronteira da Lituânia com Belarus com fotos de jornalistas bielorussos detidos pelo governo Alexandr Lukashenko.
Membros do Repórteres Sem Fronteiras posam na fronteira da Lituânia com Belarus com fotos de jornalistas bielorussos detidos pelo governo Alexandr Lukashenko.PETRAS MALUKAS (AFP)
Silvia Ayuso

Membros da oposição bielorrussa obrigados a se exilar em países vizinhos, como Lituânia e Polônia, pressentem que o medo em que vivem só desaparecerá junto com o presidente Aleksandr Lukashenko. Há uma semana, o desvio e pouso forçado em Minsk de um avião de passageiros num voo entre Atenas e Vilna (Lituânia), numa manobra para deter o jornalista dissidente Roman Protasevich, deixou todos conscientes – da líder oposicionista Svetlana Tikhanovskaya, instalada na capital lituana há quase um ano, a jornalistas que também tiveram que fugir de Belarus por medo de acabarem detidos como tantos de seus colegas nos últimos meses – que o “último ditador da Europa” está disposto a tudo para se manter à frente de um país que governa com mão de ferro há quase três décadas. A rápida condenação internacional provocada por esse “sequestro com fins terroristas”, como definiu uma ação judicial movida nesta semana contra Lukashenko pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em Vilna, faz despertar em quase toda a comunidade no exílio certa esperança de que a ansiada mudança democrática poderia estar mais próxima do que nunca. Mas, enquanto ela não se concretiza, algo que todos concordam é quanto à necessidade de que o Ocidente desta vez aja com mais contundência, sem que ninguém baixe a guarda. Menos ainda em Vilna, a capital lituana, a apenas 30 quilômetros da fronteira com Belarus, uma proximidade que faz todos os alarmes dispararem.

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“Ninguém pode se sentir seguro”, diz Franak Viacorka, referindo-se ao sentimento após a inaudita detenção de Protasevich e sua namorada, a estudante de direito Sofia Sapega. Este ex-jornalista atua desde setembro como assessor de Tikhanovskaya, numa equipe onde dezenas de colaboradores organizam o que esperam ser um futuro democrático em Belarus. Trabalham num moderno edifício de escritórios – hoje em dia quase vazio por causa da pandemia – na zona empresarial da capital lituana. “Podem nos seguir, nos vigiar e perseguir em qualquer lugar. Precisamos ter muito cuidado na hora de pegar um voo, de nos encontrarmos com pessoas durante nossas viagens. A qualquer momento podem vir com um carro com placas diplomáticas, nos colocar no porta-malas e nos levar para Minsk, porque os carros diplomáticos não são fiscalizados na fronteira”, resume Viacorka. Por causa dessa insegurança, todo visitante no quartel-general de Tikhanovskaya precisa assinar um acordo de confidencialidade, comprometendo-se a não revelar dados que permitam identificar a localização exata dos escritórios.

Esta precaução que beira a paranoia – algo que bielorrussos como a blogueira Volha Pavuk, também exilada em Vilna, atribuem ao fato de terem vivido durante décadas sob um regime herdeiro do soviético, que fomenta a denúncia para dividir a sociedade e assim controlá-la melhor – não é exclusiva dos políticos e jornalistas perseguidos. “Tento nunca andar sozinha na rua”, conta Dania, uma profissional de informática dos subúrbios de Minsk, que chegou em dezembro a Vilna com os dois filhos depois que seu marido, Anton, um professor de judô que não voltou a ver, foi detido e condenado a seis anos de prisão por jogar tinta num carro durante um dos protestos contra Lukashenko, do qual participavam juntos. Desde a prisão de Protasevich e Sapega, Dania, que solicitou o status de refugiada política na Lituânia e prefere não dar seu sobrenome, comparece diariamente com cerca de outros 20 exilados bielorrussos às embaixadas ocidentais para reivindicar mais sanções contra Lukashenko. Junto a ela se manifesta Alesia Prokharava, que chegou a Vilna com a roupa do corpo, há pouco mais de uma semana. Seu filho Vitaly foi detido em fevereiro. Acaba de completar a maioridade na cadeia. “Preso político aos 17 anos!”, exclama, exasperada, esta mulher que também se viu obrigada a sair precipitadamente de sua cidade, Zhlobin, quando soube que “a polícia estava atrás” dela.

Alesia Prokharava (à direita), mãe de um preso político bielorusso de 17 anos, se manifesta em Vilnius contra Lukashenko.
Alesia Prokharava (à direita), mãe de um preso político bielorusso de 17 anos, se manifesta em Vilnius contra Lukashenko. Mindaugas Kulbis (AP)

Hanna Rusinava é correspondente em Vilna do Belsat, um canal polonês voltado para Belarus, de tendência opositora. Duas colegas suas foram recentemente condenadas a dois anos de prisão em Minsk. Rusinava cobre, como todos os dias, este novo protesto da crescente comunidade bielorrussa na Lituânia. Nos últimos nove meses, o Governo lituano concedeu mais de 16.000 vistos de longo prazo a bielorrussos, entre eles quase 3.500 por motivos humanitários, segundo a agência AP. Também Rusinava, que vive há 11 anos na Lituânia, está mais preocupada desde o incidente do avião. “Já não nos sentimos seguros nem no exterior, não sabemos o que mais Lukashenko pode imaginar”, diz. A isso se soma, acrescenta, o “medo pela família” que continua em Belarus. Um temor a represálias que é compartilhado por ativistas e jornalistas exilados, e isto não é outra paranoia: recentemente, as autoridades bielorrussas detiveram vários familiares de uma jornalista do Belsat que tinha fugido para a Polônia e ameaçaram deixá-los presos se não retornassem. “Minha mãe e minha irmã estão em Belarus e sinto ansiedade, não sei se podem fazer algo com eles”, diz a blogueira Pavuk, que com seu marido, Andrei, dirige um programa do YouTube, o Rudabelskaya Pakazuha, cuja popularidade provoca a ira do regime. Depois dos protestos pelas denúncias de fraude nas eleições de agosto do ano passado, vencidas por Lukashenko, Andrei Pavuk passou 10 dias detido. Estão em Vilna desde setembro, quando, depois de uma viagem ao exterior, o casal de blogueiros, que tem dois filhos pequenos, decidiu não retornar à sua Oktyabrsky natal, pois haviam recebido uma intimação judicial que não prenunciava nada de bom.

A situação para jornalistas em Belarus “nunca foi fácil”, explica Hanna Liubakova, ex-correspondente do Belsat e da Radio Free Europe que também teve que ir embora do país, mas “o que acontece desde o ano passado eu chamo de guerra contra os jornalistas, porque, embora nunca tenhamos agradado a Lukashenko, agora ele só quer nos prender ou que fujamos. É um ataque planejado contra a liberdade de expressão”, diz, recordando que a detenção de Protasevich, por mais grave que seja, é apenas o mais recente numa longa série de ataques à imprensa, que na semana passada levou também ao fechamento do Tut.by, o mais popular jornal digital independente do país, e à detenção de 15 funcionários seus.

Liberdade de imprensa

O RSF, que rebaixou Belarus em cinco posições na sua classificação mundial da liberdade de imprensa de 2021 (é agora 158º entre 180), calcula que pelo menos 24 jornalistas permanecem atualmente sob detenção arbitrária no país europeu. Opositores e jornalistas bielorrussos engordam a cifra até quase meia centena quando são contabilizados também blogueiros.

Mesmo assim, ninguém se dispõe a jogar a toalha. “Não renunciaremos, continuaremos contando o que acontece, temos que mostrar, porque, se nós não mostrarmos, quem vai contar?”, diz Rusinava. “É um desafio, não queremos ser heróis, mas há um sentimento de responsabilidade, o poder da informação é crucial”, concorda Liubakova. Além disso, observa, “quando seus amigos e colegas estão na prisão, você não pode abandonar”.

O mesmo sentimento guia a equipe de Tikhanovskaya. “O regime demonstrou que o que dizia sobre sua disposição de esmagar políticos opositores, jornalistas e ativistas de direitos humanos no exterior é real. Estamos conscientes de que sofremos um nível de risco maior, mas isto não vai afetar nosso trabalho”, afirma Valery Kavaleuski, que trocou em dezembro seu trabalho no Banco Mundial, em Washington, por um cargo na equipe de Tikhanovskaya, como representante de Política Externa. “Não pararemos. Assim como os canais de Roman continuam funcionando no Telegram, nós continuaremos trabalhando o quanto for preciso para obter uma mudança em Belarus.”

O objetivo, afirma, não mudou: “Queremos eleições livres e justas em Belarus como saída para a crise”. O que variou, admitem tanto Kavaleuski como Franak Viacorka, foi a mensagem, que agora é mais audaz. “Antes éramos muito cuidadosos com o que dizíamos, mas é preciso admitir que estamos lidando com um regime terrorista e que não vai parar, que vai continuar ameaçando e aterrorizando não só os bielorrussos, mas todo o continente”, afirma Viacorka. E isso é uma oportunidade que não se pode deixar passar, salienta Kavaleuski, que na última semana acompanhou Tikhanovskaya em viagens a várias cidades europeias: “Sentimos que há um impulso e queremos aproveitá-lo, porque agora os europeus estão dispostos a escutar”.

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